Blend All About Wine

Wine Magazine
A Santa Aliança dos Cheesburgers e Vinho do Porto

Texto Ilkka Síren | Tradução Bruno Ferreira

Antes que começem já com “Não, ele não pode ter feito isso”, pensem nisto por um bocadinho. Não é suposto a harmonização de vinho e comida ser uma coisa impossível. E, se pensarmos demasiado na questão corremos o risco de ficarmos entediados pela nossa própria curiosidade. O que vos quero dizer é: fiquem-se pelo simples. Descobrir uma boa harmonização de comida e vinho é, para mim, algo excitante e as regras são, não há regras! Sim, por vezes é preciso arriscar e experimentar algo que normalmente não associamos a certos vinhos. Neste caso foi um cheeseburger com vinho do Porto.

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Cheeseburger e rolha da garrafa acabadinha de abrir – Foto de Ilkka Síren | Todos os Direitos Reservados

Quero desde já deixar uma coisa perfeitamente clara. Eu amo vinho do Porto. Estou sempre a provar todo o tipo de vinhos, cervejas, cidras e bebidas espirituosas e tudo o que tenha o seu quê de <oomph>. Mas nada chega aos calcanhares de um bom vinho do Porto. É simplesmente um incrível e delicioso líquido. Existem muitas comidas boas para acompanhar com vinho do Porto. E, apesar de ser maioritariamente associado a sobremesas, acho que é muito mais gastronomicamente versátil do que isso. Confesso que esta harmonização Hamburger-Porto começou por ser apenas uma semi-intencional tentativa de provocação. Já ouvi pessoas a falar de harmonizações como por exemplo, vinho do Porto e bife suculento com pimentos. Então pensei, porque não fazê-lo com algo ainda mais comum, tipo um hambúrguer. Uma voz dentro da minha cabeça dizia-me que não iria funcionar, mas já aprendi a suprimir esse instinto.

Não quis estar a elaborar muito, sabia que para isto funcionar teria que ser com um cheeseburger, ou melhor, um DOUBLE-cheeseburger. Acompanhar queijo com vinho do Porto é bastante comum e algo de que eu gosto muito. Sempre gostei mais da combinação de sabores doces com salgados do que de doce com doce. Fazer hamburgers não é, normalmente, tarefa complicada, mas a escolha dos ingredientes é a chave para que esta harmonização funcione. Um bom bife com uma pitada de pimenta preta, queijo cheddar – nada dessas porcarias pré-cortadas – e ainda fiz a minha própria maionese de chipotle para conferir um bom sabor picante ao conjunto. Cebola vermelha em conserva para a acidez conferir algo especial e essencial ao hamburger. Nunca esquecendo a verdadeira definição de um bom hamburger: tem de ser possível comê-lo com as mãos.

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Ferreira LBV 2009 – Foto de Ilkka Síren | Todos os Direitos Reservados

Quanto ao Porto, escolhi um LBV Ferreira 2009. Queria algo acessível mas com uma boa estrutura. Este vinho é incrivelmente saboroso. Adoro a sensação na boca, a textura e a fruta inicial com um final picante. Para que esta harmonização funcione, o vinho não pode ser um vinho tímido, tem que ter presença. Este vinho não só tem isso como tem uma excelente relação qualidade/preço e é um exemplo de um bom Porto.

Agora querem saber, certo? Se estava bom? Sim, estava. Pode não ser a combinação mais elegante mas garanto que foi uma das melhores que tive o prazer de saborear nos últimos tempos. Se gostar de cheeseburgers (quem não gosta, certo?) e de vinho do Porto (duh!) então vai gostar desta combinação. Esqueçam por um bocado o snobismo vínico e desfrutem de uma coisa simples mas com comida muito saborosa. A ideia é baixar a fasquia no que toca à experimentação com comidas diferentes. Dito isto, a fasquia da qualidade deve ser sempre elevada. Experimente, e se não gostar experimente uma coisa diferente. Afinal o importante é divertirmo-nos.

Viva a Crise!

Texto João Barbosa

A quem andam os bons produtores a vender o seu vinho? Ponto prévio: o que é isso de ser um bom produtor? Englobo neste universo aqueles que têm esmero, empenho e brio. Que têm um enólogo, residente ou não, consultor, ou não, que controla a produção, que tem equipamentos necessários.

Neste universo cabe muita gente, que faz vinho em todas as regiões, com diferentes estilos, com diversos preços. Oiço dizer, inúmeras vezes, que hoje não há vinho mau em Portugal… é mentira!

Se 95% do vinho vendido em Portugal custa abaixo de cinco euros, só por acaso inexplicável pode ter qualidade. Preço não traduz falta de qualidade, mas também não o seu oposto. O dilema com as médias é o dos frangos: comi um frango e tu não comeste. Entre os dois, comemos meio galináceo cada.

Os vinhos de um euro e picos desequilibram a média. É impossível ter rentabilidade com um produto feito com preceitos e vendê-lo a cêntimos – o euro e picos custa nas lojas. O país está carregado de gente, desde produtores individuais, empresas e cooperativas que fazem zurrapas. Algum desse vinho vai para destilação, não é chamado para as contas, outro é exportado para mercados da saudade e onde o padrão de exigência é baixo.

Coloco, exagerando, o limiar da qualidade nos três euros. Peço ao leitor enófilo que não vá a uma garrafeira, mas que dê uma volta pelas mercearias de bairro, por supermercados como o Minipreço, Pingo Doce ou Lidl e veja o que por lá se vende. Há muita oferta e, se perguntar ao um funcionário acerca de quantidade vendida e rotação, verá um mundo que pensa não existir.

Os portugueses não gostam de gastar dinheiro em vinho. É um produto menor, alimento dispensável… é como as mães: os miúdos gostam sempre mais do cão do que da mãe! Porquê? Porque a mãe está garantida. Tantas e tantas vezes só lhe damos valor quando é muito velhinha ou se libertou do corpo.

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Vinho © Blend All About Wine, Lda.

O enófilo questione os amigos, aqueles que bebem do vinho que leva para os convívios, quanto estão dispostos a gastar por uma garrafa. Refiro-me ao universo português e não ao grupo restrito de enófilos, beneficiários de enófilos e de quem tem euros disponíveis.

Mau vinho é o que há mais por aí. Infelizmente, o bag in box transformou-se no bad in box. A imagem não descola e quem se atrever a encher um saco com vinho razoável pode ter a certeza que dá cabo da reputação. As caixas vieram substituir o garrafão.

O enófilo que passeie não se fique pelas casas com enoturismo ou loja catita e minimamente cuidada. Procure o «vinho do produtor», aquele «purinho», talvez intoxicado com fitofármacos. Compre e beba! Faz bem, é educativo «calibrar o gosto».

Exemplos? O Vinho do Porto do Minipreço custa três euros e picos… acredita que é bom? Porém foi aprovado – uma vergonha absoluta. Ou marcas brancas do Lidl ou do Pingo Doce. À parte, o Continente tem vinho sem cadastro criminal.

Muitas zurrapas são fabricadas por produtores sérios. Porém, um contrato de muitos milhares e a cêntimos só se pode traduzir em sobras de sobras, refugo que poderia ir para queimar. Não se pode ter tudo! Se a cadeia de distribuição quer baratezas não pode esperar qualidade.

Num país que não valoriza o seu vinho – apesar de um vox pop concluir que temos o melhor do mundo – e não está disposto a pagar com justiça, a porta da rua é serventia da casa. Afirmo, categoricamente, que o melhor que aconteceu aos bons produtores foi a crise.

Se por cá, quem produz bem (muitíssimos) andava aos caídos, a roubar clientela em carrossel – levas-me o negócio e eu apanho o do outro –, a ser vigarizado por quem não paga, desde distribuidores a donos de restaurantes, a crise foi um Joker da Santa Casa, para alguns foi a taluda.

Pagam mais e pagam. Dá mais trabalho, tira horas de sono, mas há reconhecimento e gente disposta a pagar, e com justiça.

Miguel Laffan

Texto José Silva

Nasceu em Cascais em 1979. O pai era português e a mãe inglesa, da geração pós-guerra, e era uma grande cozinheira. A mãe viajou muito e teve influências da culinária de todo o mundo, sendo apreciadora de muitos tipos de especiarias e aromas, gosto esse que transmitiu ao filho. No entanto o Miguel achava que devia ser empresário da restauração, e por isso teve que começar do zero. Embora não tivesse formação hoteleira, teve grandes mestres e, com 20 anos, fez-se à vida. Um amigo da mãe, alemão, Bernard Pisfer, ajudou-o também, dando-lhe formação, mas deu-lhe um conselho fundamental: “tens que começar por baixo!” O que, para um menino de Cascais, foi muito complicado naquele tempo. No entanto esteve com ele dois anos, tendo-o também acompanhado no Brasil.

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Miguel Laffan – Foto de Jorge Simão | Todos os Direitos Reservados

Depois ganhou gosto, aprendeu, foi subindo e passou pela Fortaleza do Guincho, com o chefe Marc Leoudacec, outro grande mestre. E foi com naturalidade que acompanhou o grande chefe francês até à Borgonha, onde esteve cerca de um ano, seguindo-se uma experiência em Aix-En-Provence. Embora gostasse muito de França, e tivesse a experiência num restaurante com duas estrelas Michelin, não era certamente  ali que queria ficar. Entretanto o chefe francês Benoît Synthon estava à procura dum chefe para a Casa Velha do Palheiro, na Madeira e contratou-o, em 1996, tendo ficado dois anos na “Casa Velha”. Entretanto o grupo Lágrimas tomou conta do restaurante “Molho”, no porto do Funchal já com o Miguel Laffan a comandar. Seguidamente foi a passagem pela “Casa Branca”, ainda no Funchal, onde ficou outros dois anos e fez um trabalho intenso mas seguro.

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L’and Vineyards – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Finalmente, em 2011, abraçou o projecto “L’And Vineyards”, um projecto novo e muito diferente no Alentejo, onde tem muita liberdade de acção, o que lhe permitiu dar largas à sua criatividade, apresentando um trabalho consistente e de extremo bom gosto.

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L’and Vineyards – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

E por isso foi com alguma naturalidade que viria a ganhar a primeira estrela do Guia Michelin, em 2013.

Como o Miguel diz, foi um dos maiores elogios da sua vida, correspondendo ao desejo e à aposta não só dele próprio, mas também dos proprietários do hotel. Na sua cozinha vai substituindo os pratos que já estão há algum tempo na ementa, ou vai fazendo alterações nos mesmos. Mas respeitando sempre a sazonalidade dos produtos, algo que acha fundamental. Quer preparar pratos actuais e modernos, com respeito pelos produtos, os seus paladares, os sabores e a tradição e, claro, dar preferência aos produtos deste Alentejo que o recebeu de braços abertos. Na última visita que lhe fizemos, recebeu-nos muito bem, como habitualmente, à volta dum jantar delicioso, com pratos da sua autoria.

Que para além dos aromas, jogo de texturas e paladares fantásticos, são verdadeiras obras de arte. Como diz o ditado: “Os olhos também comem…!”

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Salmão da Escócia – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Começamos por um salmão da Escócia curado com amêndoa e alga, tártaro com bergamota, maracujá e funcho, em que predominou a frescura em contraste com o paladar do peixe curado.

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Textura de Cogumelos Silvestres – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Seguiu-se uma textura de cogumelos silvestres do Alentejo com espargos e presunto de bolota.

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Produtos do Mar – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

As notas secas da terra na companhia do presunto. Voltando aos produtos do mar veio o salmonete de Setúbal na salamandra com açorda de berbigão, lulas salteadas e caldo de caldeirada com salada crocante. Os aromas e paladares do mar em vária texturas, simplesmente brilhante!

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Registo do Campo – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Num registo do campo esteve soberbo o peito de pombo marinado em mel, maracujá e molho de soja, risotto de foi gras com salada acidulada de rábano e beterraba. Aqui os contrastes do agri-doce com a macieza da carne do pombo a sobressair.

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Tiramisu dePistachio – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

E foram propostas duas sobremesas, primeiro um tiramisu de pistachio com chocolate branco e cerejas confitadas, gelado de café e crocante de chocolate tainori, desconcertante!

Depois um duo de cenoura sobre terra de pistáchio com espuma de açafrão e gengibre e gelado de mel, um grande final!

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Um duo de Cenoura sobre Terra de Pistáchio – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Pelos nossos copos foram passando vinhos do Douro da Quinta da Casa Amarela e do Alentejo da Herdade do Mouchão, num diálogo salutar e cheio de equilíbrio.

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Os Vinhos – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

A conversa entre amigos continuou pela noite dentro…

Contactos
L’AND Vineyards
Estrada Nacional 4
Herdade das Valadas
Apartado 122
7050-031 Montemor-o-Novo
Tel: (+351) 266 242 400
Fax: (+351) 266 242 401
E-mail: reservas@l-and.com
Website: www.l-andvineyards.com

Coleção Privada Domingos Soares Franco Moscatel de Setúbal (Armagnac)

Texto João Pedro Carvalho

Nasci e fui criado no Alentejo, mais propriamente em Vila Viçosa, quis a vida que aos meus 18 anos tivesse vindo estudar para Lisboa. Numa altura em que o vinho pouco me dizia a não ser por motivo de estar à mesa com os amigos lá se ia abrindo uma garrafa. E aqui novamente o destino colocou-me a morar paredes meias com um dos principais distribuidores de vinho da região de Lisboa. Não me lembro das vezes que lá entrei, na memória apenas retenho o muito que aprendi com as horas de conversa, os muitos vinhos que durante anos fui comprando e conhecendo, muitos deles acabadinhos de chegar dos produtores que na altura surgiam como cogumelos. O interesse pelo mundo do vinho foi crescendo e crescendo, fizeram-se as devidas formações e desta forma fui acompanhando já de forma mais consciente o evoluir de muitas dessas referências, o evoluir de muitos desses produtores.

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Coleção Privada Domingos Soares Franco Moscatel de Setúbal (Armagnac) – Foto de João Pedro Carvalho | Todos os Direitos Reservados

Um daqueles momentos marcantes foi a descoberta dos grandes exemplares de Moscatel de Setúbal da José Maria da Fonseca ou mesmo do Bastardinho. E durante largos anos, hoje ainda se mantém, sempre que havia um jantar mais especial de amigos lá surgiam aquelas garrafinhas de Alambre20 Anos ao final da refeição para satisfação de todos.

Numa dessas visitas tinha acabado de chegar um novo lançamento da José Maria da Fonseca, um Moscatel a que o seu enólogo Domingos Soares Franco, decidido em inovar, chamou Colecção Privada. Fruto de uma investigação que durou cinco anos de ensaios com quatro tipos distintos de aguardente: neutra, Cognac, Armagnac e 50/50 Cognac Armagnac. Resultado foi que prevaleceu a escolha no Armagnac pela subtileza, frescura, complexidade e harmonia que mostra durante a prova. O envelhecimento é feito em cascos de madeira usada, sem estágio posterior em garrafa pois não evolui após o engarrafamento.

Sem ter todo aquele porte mais denso e melado que os exemplares mais velhos e de categoria superior, este Coleção Privada Domingos Soares Franco 2004 banhado com Armagnac mostra-se fresco e delicado, ao mesmo tempo que desperta o lado mais guloso. Muita tangerina, caramelo, alperce, tília, muito bem composto com um palato forrado de sabor, elegante e suavidade da fruta com caramelo e calda de laranja, acidez muito presente até final. Despedida longa e persistente, numa belíssima harmonia entre as sensações tanto do aroma como do palato. Para mim que sou guloso é parceiro ideal com uma torta de laranja.

Contactos
Quinta da Bassaqueira – Estrada Nacional 10,
2925-542 Vila Nogueira de Azeitão, Setúbal, Portugal
Tel: (+351) 212 197 500
E-mail: info@jmf.pt
Website: www.jmf.pt

Quinta de Soalheiro – Alvarinho em todas as Direcções

Texto Sarah Ahmed | Tradução Bruno Ferreira

‘Scales fall from the eyes’ (“Tirar as palas dos olhos”). É uma frase dramática. Uma frase que utilizo por duas vezes nesta peça e que portanto, caro leitor, me senti na responsabilidade de investigar a sua origem. Provavelmente já sabe que vem da Bíblia, do conto de Saulo, um perseguidor de cristãos, que após ter sua visão restaurada por um Cristão, vê a luz e converte-se ao Cristianismo.

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Dá-me a luz do sol; A Quinta de Soalheiro é um hotspot para o Alvarinho – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

A minha conversão ao Vinho Verde, ou mais propriamente ao Alvarinho, esteve longe de ser uma experiência religiosa. Mas confesso que tenho sido um pouco evangélica em relação ao Alvarinho desde que o descobri, há cerca de 12 anos atrás, na Prova Anual de Vinhos de Portugal. Estava um dia invulgarmente quente e ensolarado em Londres – e qual sítio melhor para saciar a minha sede do que a mesa de Vinho Verde?

À medida que dava o meu primeiro gole do Alvarinho Palacio da Brejoeira, experienciei o meu primeiro momento “scales fall from eyes” (abrir os olhos). Percebi que o Vinho Verde não era apenas um agradável produto comercial, gaseificado, e meio-seco. O Brejoeira era tão elegante e requintado como a sua delicada garrafa flute. E ganhava aos pontos ao Rias Baixas Albariño que eu na altura vendia em Oddbins.

O meu segundo momento “scales fall from eyes” (abrir os olhos)? Foi uma prova vertical na Quinta de Soalheiro com o enólogo Luis Cerdeira. Provamos este, a primeira marca de Alvarinho em Melgaço, da colheita de 1995. Outro mito desmentido. Nem todo o Vinho Verde é, como dizemos na Hugh Johnson Pocket Wine, “DYA” (drink the youngest available – beber o mais jovem dísponível). O 1995 (unoaked) estava glorioso.

Plante a casta certa (Alvarinho) no lugar certo (Monção e Melgaço) e este prospera, mesmo depois de 14 anos em garrafa! Daqui para a frente, valerá a pena procurar nos rótulos de Vinho Verde por essa sub-região de alta importância, Monção e Melgaço, já que estão em andamento planos para permitir que que todos os produtores de Vinho Verde, e não apenas aqueles localizados em Monção e Melgaço, coloquem Alvarinho no rótulo frontal.

O que faz o Alvarinho de Monção e Melgaço tão especial? A pista está no nome da quinta dos Cerdeira. Soalheiro significa ensolarado, localizado no interior e abrigado da influência do Atlântico. Monção e Melgaço é a região do Vinho Verde mais seca e ensolarada. As percentagens hl/ha também são mais baixas, o que explica o porquê dos Alvarinhos desta Sub-Região terem a concentração necessária para envelhecer tão brilhantemente, isto já para não falar da sua grande complexidade e requinte.

Estou ansiosa por partilhar estas experiências de ‘abrir os olhos’ em Junho numa prova mini-vertical na Quinta de Soalheiro (e uma visita ao Palácio da Brejoeira), quando eu estiver a conduzir o Premium Tour da Blend – All About Wine, de produtores de excelência do Douro e Vinho Verde. Espero que se possam juntar a mim.

Aqui estão as minhas notas sobre os últimos lançamentos da Quinta de Soalheiro:

Quinta de Soalheiro Alvarinho Bruto 2013 (Vinho Espumante IG Minho)

Amarelo pálido com bolhas de tamanho considerável. Manga verde no nariz, seguido de um palato cremoso a salada de frutas, muito focado na fruta. É, de facto, muito vínico – mais parecido com um vinho de mesa do que um espumante. Também porque as bolhas não são muito persistentes, embora a fruta seja. E também tenho a certeza que o intuito de Cerdeira não era um espumante tipo champanhe. Pelo contrário, a intenção é destacar fruta ensolarada da Soalheiro. Sim, pensa que apenas a Austrália transporta o sol para copo, acontece que este também. Muito agradável, divertido e irresistível, trouxe-me memórias da minha primeira prova com Cerdeira num longo almoço de convívio no restaurante Panorama. Foi a companhia perfeita a caranguejo barrado em pão rústico e saboroso. Isto é para beber! 12.5%

Quinta de Soalheiro Dócil 2014 (IG Minho)

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Quinta de Soalheiro Dócil 2014 – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Este Alvarinho meio-seco, equilibrado e com textura, mostra uma cascata de sabores à medida que se abre, desde doce de pêra cozida, casca de pêra e lichia a maracujá. Uma lenta e muito suave pulsação de acidez desperta os sabores. Muito diferente dos estilos mais secos – um Alvarinho em câmara lenta. 9% , 48g/l de açucar residual.

Quinta de Soalheiro Alvarinho 2014 (Monçao e Melgaço)

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Quinta de Soalheiro Alvarinho 2014 – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Esta foi uma colheita complicada devido às chuvas no fim de Setembro e Outubro. No entanto a Soalheiro já tinha colhido a sua fruta. A amplitude da concentração e complexidade deste vinho fica demonstrada pelo quão bem sabe no segundo dia, quando do copo saltam madressilva, maracujá e lúpulo. Muito expressivo, e no palato mostra maracujá suculento, lichia e pêssego branco. Uma acidez persistente e agradável no final, atractivo para os apaixonados pelos poderosos Sauvignon Blancs da Nova Zelândia. 12.5%

Quinta de Soalheiro Primeiras Vinhas Alvarinho 2013 (DOC Monçao e Melgaço)

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Quinta de Soalheiro Primeiras Vinhas Alvarinho 2013 – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

O nome ‘Primeiras Vinhas’ – um dos meus Alvarinhos favoritos – pressupõe que este seja proveniente das vinhas mais velhas da Soalheiro (mais de 30 anos de idade). De um ano excelente e de amadurecimento lento (com mais chuva de Inverno do que o que é costume, e com Julho e Agosto muito secos e quentes mas com noites frias), é um vinho adorável, com várias camadas, sendo porém, de expressão muito suave e elegante. Basta dizer que não salta do copo em direcção a nós como o seu irmão mais novo, mas procure e encontrará! No nariz, damasco ceroso e, no palato revela camadas de laranja vigorosa (um apelativo toque amargo), madressilva, pêssego cremoso amarelo e branco, borras agradáveis e notas de frutos secos nogados (15% deste cuvée foi fermentado em barril). Uma acidez dançante e minerais cintilantes levam a um final muito longo e suave, com uma fantástica ressonância de back palate. Lindo. 13%

Quinta de Soalheiro Reserva Alvarinho 2013 (DOC Monçao e Melgaço)

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Quinta de Soalheiro Reserva Alvarinho 2013 – Photo by Sarah Ahmed | All Rights Reserved

O Reserva foi fermentado e envelhecido em barricas de carvalho francês (em novas e em já utilizadas), em “batonnage” com borras finas, até ao final de Junho de 2014. Por vezes achei este vinho demasiado amadeirado para o meu gosto mas, o 2013 mostra uma fantástica transparência a alperce, pêssego, lichia e ananás. Um pingo de sabor a baunilha e ervas secas acrescentam interesse. Grande postura e equilíbrio; muito bom. 13%

A propósito, a gama de Alvarinhos da Soalheiro extende-se a uma aguardente Alvarinho e a ‘allo’ uma mistura minhota das castas Alvarinho e Loureiro. Tal como tinha dito, em todas as direcções!

Contactos
Quinta de Soalheiro
Alvaredo . Melgaço
4960-010 Alvaredo
Tel: (+351) 251 416 769
Fax: (+351) 251 416 771
E-mail: quinta@soalheiro.com
Website: www.soalheiro.com

Para a mesa com Pouca Roupa

Texto João Barbosa

Há expressões engraçadas, que, de tão usadas, nem reparamos nem pensamos no que querem dizer… «Foi resvés Campo de Ourique» – o maremoto de 1755 quase chegou à colina de Campo de Ourique. Basta esta, pois não quero escrever um texto para almanaque.

No mundo da gastronomia – em que me centro apenas na componente vínica ou de outras bebidas – há igualmente expressões que dão jeito e, na pressa de se dizer o que se quer, o maremoto leva-lhe parte.

A minha expressão favorita é a do «vinho de piscina». A imagem é maravilhosa – mesmo não pensando num tanque cheio de vinho. Calor, sol, família e amigos. Tudo jóia! Mas… quantos de nós têm piscina ou conhecem alguém com piscina?

Infelizmente não tenho piscina. Azaruncho privado. Outra imagem é do vinho para depois da praia, quando as senhoras se enrolam nuns panos coloridamente desbotados e os homens enfiam os pólos tronco abaixo, contorcendo-se com a canção desagradável do sal, algodão e pelo.

Estiraçados nas cadeiras da esplanada – nas férias tudo é permitido – a ver o mar e o sol a pôr-se, bebendo um «vinho para depois da praia». Tudo jóia! Mas… quantos de nós tem arcaboiço para beber um copo de vinho entre a areia e a casa? Além da questão do volante… Ao jantar, é diferente. Mas, «vinho para depois da praia»?!

Não importa! «Vinho de piscina» e «vinho para depois da praia» são expressões fantásticas. E vêm a propósito de quê? Da nova marca de vinhos de João Portugal Ramos. É um achado!

«Pouca Roupa»! Duas palavras que sintetizam o que já era sintético: «vinho de piscina» e «vinho para depois da praia». Confesso que ao saber do «Pouca Roupa» lembrei-me de toda uma gama: Biquíni (bivarietal), Monoquini (monocasta), Triquini (três, claro)… já Tanga e Sunga… Nudismo, depois de esvaziada.

O que conta esta marca, que se veste de «negro, branco e rosa»? Desde logo um prazer fácil, directo ao assunto. Todos eles, mas uns mais felizes do que outros, o que é normal. São os três Regional Alentejano e referentes à vindima de 2014

Pouca Roupa tinto 2014

O Pouca Roupa Tinto 2014 é um alentejano temperado com Dão… ok, touriga nacional. A touriga nacional é do mundo, pelo que também do Alentejo, onde ocupa áreas significativas. O lote é composto ainda por alfrocheiro e alicante bouschet.

Ora o que tenho a dizer: 14% de álcool é demasiado. Sendo que tem acidez que o aguenta, o organismo não quer saber. A graduação é elevada se pensarmos em «pouca roupa». Só lhe aponto a graduação, é prazenteiro.

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Pouca Roupa branco 2014

O Pouca Roupa Branco 2014 é um alentejano diferente, em que viosinho, sauvignon blanc e verdelho se orquestram nos sentidos. Mais uma vez, boa acidez e a pedir comida leve. Aplaudo os seus 12,5% de álcool.

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Pouca Roupa Rosé 2014

O Pouca Roupa Rosé 2014 fez-se com uvas touriga nacional, aragonês e cabernet sauvignon. Guloso! A acidez mais do que aguenta os 13% de álcool. Porém, parece-me uma percentagem excessiva, quando penso em «pouca roupa».

Agora resta esperar que a Primavera seja simpática e o Verão seja amigo. Que o tempo de prazer não signifique maldade para as lavouras. Fiz a primeira recomendação a um amigo que tem piscina.

Contactos
João Portugal Ramos Vinhos S.A.
Vila Santa
7100-149 Estremoz
Portugal
Tel.: (+351) 268 339 910
Fax.: (+351) 268 339 918
E-mail: info@grandesvinhos.com
Website: www.jportugalramos.com

Quinta da Pacheca – A Essência do Enoturismo

Texto José Silva

É uma quinta cheia de história, que faz parte da história do vinho, pertencente à família Serpa Pimentel durante 4 gerações.

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The Quinta – Photo by José Silva | All Rights Reserved

Os vinhos da quinta evoluíram imenso em meados do século passado, graças ao trabalho intenso do sr. eng. Eduardo Serpa Pimentel, avô da actual geração, com quem tive o prazer de provar várias vezes. Era um homem conhecedor, de mente aberta e fazia várias experiências nas vinhas durienses, de que recolhia ensinamentos que partilhava com quem o quisesse ouvir. Lembro alguns brancos que fez com castas como Rieseling e Gewurstraminer, coisas diferentes num Douro então ainda muito conservador. Os vinhos, esses, continuaram a fazer-se e chegaram à actualidade de boa saúde e recomendam-se. Estão mais modernos, mais acessíveis, diria mesmo mais apetecíveis e voltaram em força à prateleiras comerciais e à restauração, com imagem renovada, mais moderna, mas mantendo a classe dum nome bem conhecido. Graças também a novos investimentos que têm vindo a ser feito pelos novos proprietários – Maria do Céu Gonçalves e Paulo Pereira – empresários portugueses radicados em França, que compraram a maioria do capital da empresa e que agora a gerem juntamente com a família Serpa Pimentel.

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Tourism industry, the restaurant and hotel – Photo by José Silva | All Rights Reserved

Na vertente turística o restaurante e o hotel são já uma referência no Baixo Corgo e mesmo em todo o Douro, tal a qualidade da oferta.

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Interior – Photo by José Silva | All Rights Reserved

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Interior – Photo by José Silva | All Rights Reserved

Uma unidade muito bem integrada na velha arquitectura da quinta, com 15 quartos onde a beleza e o conforto são uma constante, com um serviço cuidado, impecável, também por isso mantendo uma taxa de ocupação elevada ao longo de todo o ano.

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The restaurant – Photo by José Silva | All Rights Reserved

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The restaurant – Photo by José Silva | All Rights Reserved

Numa sala de grande beleza, cheia de luz, funciona o restaurante onde, para além de deliciosos pequenos almoços, são servidas refeições com muita qualidade, preparadas com produtos portugueses e mesmo regionais, quando possível, em confecções simples e saborosas.

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Alheira and Asparagus Pasty – Photo by José Silva | All Rights Reserved

Na última visita apreciamos de entrada um folhado de alheira e espargos sobre cama de repolgas salteadas em azeite da Pacheca muito saboroso.

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Piece of Veel – Photo by José Silva | All Rights Reserved

A que se seguiu um naco de novilho com cogumelo portobelo e risotto de salpicão de Vinhais, carne muito tenra e saborosa, cogumelo a saber a terra, carnudo e um risotto bem conseguido, com um produto muito português, o salpicão.

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Sweet made of Cheese and Coffee – Photo by José Silva | All Rights Reserved

Para sobremesa uma delícia de café e queijo, com macarron de pistáchio, na companhia de panacota de frutos vermelhos, muito bem apresentado.

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The Wines – Photo by José Silva | All Rights Reserved

Estes paladares foram acompanhados pelo Pacheca Branco Colheita já de 2014, cheio de frescura e muito elegante, uma acidez intensa num lote de castas muito equilibrado, um belo vinho. Depois foi o tinto, também colheita mas de 2012, com boa fruta no nariz, equilibrado, bom volume de boca e óptima estrutura, a pedir comida. Para a sobremesa foi o Porto Vintage de 2012, ainda cheio de fruta no nariz, muito vivo, fresco, notas intensas de frutos pretos bem maduros, chocolate e tabaco, com uma bela complexidade, a augurar grande futuro.

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New Tawny – Photo by José Silva | All Rights Reserved

Acabamos a noite com um Tawny novo, muito agradável, com aromas de frutos secos, boa estrutura, sedoso, intenso e com óptima acidez. Claro que ambos os Portos estavam refrescados…

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Winery – Photo by José Silva | All Rights Reserved

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Photo by José Silva | All Rights Reserved

De manhã foi um passeio pela adega com as suas grossas paredes de granito, mas sobretudo pela quinta e tudo o que está à volta, com o Douro logo ali adiante.

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The vineyards still bare – Photo by José Silva | All Rights Reserved

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One of a kind Beauty – Photo by José Silva | All Rights Reserved

As vinhas, ainda nuas, à espera das temperaturas primaveris para abrolhar, têm uma beleza muito própria que não me canso de apreciar, estendem-se à beira do rio, e vão pela encosta acima.

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Many Houses – Photo by José Silva | All Rights Reserved

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Many Houses – Photo by José Silva | All Rights Reserved

As várias casas da quinta, que respiram antiguidade, continuam a receber-nos com dignidade.

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Terraces and Paths – Photo by José Silva | All Rights Reserved

Os largos e as alamedas da quinta sugerem passeios retemperantes para apreciar toda aquela beleza, num vale que se estende até ao rio Douro.
Os vinhos, esses, repousam na adega até serem consumidos…

Contacts
Quinta da Pacheca
Cambres – 5110-424 Lamego
Portugal
Tel: (+351) 254 331 229
Fax: (+351) 254 318 380
Website: www.quintadapacheca.com

Druida tinto 2012

Texto João Pedro Carvalho

Na minha vida nunca procurei, nem sequer me agradou, tudo o que seja produto produzido em larga escala, salvo as raras e necessárias exceções à regra, em tudo o resto sempre procurei os pequenos produtores nas mais variadas áreas. Durante anos fui praticante de XC (Cross Country) e como tal fazia parte de um mundo onde se procuram produtos/materiais com alta taxa de rendimento/duração aliando o peso reduzido e preço ajustado, o que na última situação raramente acontece. Transportando para o mundo dos vinhos, o que procuro continua dentro dos mesmos parâmetros de qualidade/satisfação onde o preço de produto de pouca tiragem por vezes se paga caro mas onde na quase totalidade dos casos o investimento a longo prazo é positivo.

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Druida tinto 2012 – Foto de João Pedro Carvalho | Todos os Direitos Reservados

Os pequenos “ateliers” ou direi adegas de autor que têm surgido em Portugal nos últimos anos têm feito a diferença e delícia de um nicho de consumidores ansiosos por vinhos de identidade bem vincada com tiragem reduzida. A sensação de exclusividade em ter na mão uma garrafa de vinho de qualidade cuja tiragem do vinho se limitou a 96 ou 200 garrafas é mais um dos motivos de alegria para muitos. Não é pois de estranhar que em quase todos estes projetos o destaque natural centra-se no terreno, mais propriamente na vinha quase sempre de área reduzida, com os vinhos a expressarem de forma clara a terra/local que os viu nascer.

É este o caso do Druida tinto 2012, a mais recente criação da dupla: Nuno do Ó e João Corrêa, após o sucesso que foi o Druida Reserva branco. Há acasos que vêm em boa altura, e a forma como surge este tinto é um desses exemplos. Aconteceu no dia em que se passava o mosto de Encruzado para barricas e se reparou que tinham sobrado duas barricas. O pensamento imediato do que fazer teve como resposta, um tinto. E foi exatamente da parcela vizinha à da de Encruzado na Quinta da Turquide, composta por Jaén, Touriga Nacional, com algum Alfrocheiro e Tinta Pinheira. O resultado foram 2 barricas de 228 litros que repousaram durante 20 meses na adega, resultando cerca de 500 garrafas de um tinto cheio de garra e frescura. Tal como no branco notamos que precisa de tempo para que tudo se arrume e a prova nos proporcione mais prazer do que já dá, apesar da ligeira austeridade com que ainda se apresenta. Conjunto fresco, novelo de complexidade ainda muito apertado mas de grande qualidade, profundo com bonitas notas de pinheiro, violetas, especiaria, fruta limpa de grande qualidade com destaque para a cereja vermelha bem gorda e sumarenta. E no trio de elegância/frescura/estrutura mostra-se um belíssimo exemplar do Dão, de criação minimalista que não se paga caro, um prazer garantido a consumir agora a acompanhar um borrego/cabrito assado em forno de lenha ou daqui por uma boa dezena de anos.

Bolhas Tintas a Testar os Limites

Texto Ilkka Sirén | Tradução Bruno Ferreira

O vinho espumante tem um lugar particular na nossa sociedade. É tratado, falado e consumido de maneira bastante diferente de qualquer outra bebida. A campanha de marketing do champanhe ao longo dos séculos deixou um permanente estigma festivo que afecta a maneira de bebermos vinho espumante. É tudo sobre festejo. Felizmente hoje em dia parece haver uma tendência para uma abordagem mais casual às bolhas. Pessoas a abrirem garrafas a meio da semana sem nenhuma razão importante para festejar. Está a tornar-se cada vez mais num vinho do dia-a-dia em vez de uma indicação para enfatizar o facto de que “estamos a ter uma festa”.

Apesar da contínua evolução do mundo do vinho, o vinho espumante continua praticamente inalterado. Parece que ninguém se atreve a desfazer o casamento do vinho com as bolhas, e, talvez, criar algo diferente. Fazer isso é considerado quase um sacrilégio. Mas de vez em quando deparamo-nos com vinhos espumantes que nos fazem despertar deste estranho estado de dormência vínica.

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Red Bubbles – Photo by Ilkka Sirén | All Rights Reserved

Um desses vinhos foi o Aphros Vinhão Super-Reserva Bruto. Fui a uma prova de vinhos aqui em Helsínquia e deparei-me com uma garrafa dessas bolhas tintas. Algo que não acontece com muita frequência. Primeiro pensei “ah, Lambrusco”, mas para minha surpresa veio de Portugal, e, de todos os lugares, da Região dos Vinhos Verdes. Apesar da Região dos Vinhos Verdes ser bem conhecida pelos seus vinhos brancos frescos, também há alguns fantásticos tintos que lá são produzidos. Um dos clássicos é um tinto de cor carregada da casta Vinhão. Dá lugar a vinhos tão intensamente vermelhos que depois de um copo mais parecemos uma personagem saída do Twilight. Além disso, os vinhos são normalmente acídicos e muito tânicos o que os torna não muito indicados para os iniciantes. Para o ser ainda mais bizarro, é tradicionalmente apreciado em malgas e com produtos do mar como peixe grelhado ou lampreia, com a aparência sinistra. O resultado final, delicioso.

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Aphros Vinhão Super-Reserva Bruto – Photo by Ilkka Sirén | All Rights Reserved

O vinho em si era opaco com tonalidades vermelhas e roxas. No nariz mostrou-se cheio de frutos vermelhos e especiarias. Uma explosão de aromas, tanto familiares como exóticos. A sensação na boa foi qualquer coisa. Nada o pode preparar para essa sensação se ainda não provou este tipo de vinhos antes. A “mousse” era rica e mais texturada do que o vinho espumante normal. Bastante intenso mas surpreendentemente fresco ao mesmo tempo. Muitos sabores temperados e terrosos com uns agradáveis taninos firmes no fim. O final teve um amargo toque refrescante similar ao de uma cerveja lupulada IPA (Indian Pale Ale). Um pouco herbáceo e vegetal mas não no sentido de não estar maduro.

Apesar de não ser exactamente um vinho mainstream, estou a vê-lo a ser a apreciado por muitas pessoas. Poderá requerer um certo estado de espírito ao bebê-lo e talvez uma boa comida para acompanhar, mas acho que muitas pessoas iriam apreciar a singularidade deste vinho. Na minha vida apenas provei um punhado de vinhos que se aproximam daquilo que este vinho tem para oferecer. Desfiante? Sim. Viável? Quem sabe. Saboroso? Sem dúvida nenhuma.

Contactos
Quinta Casal do Paço
Padreiro (S. Salvador)
Arcos de Valdevez 4970-500 Portugal
Tel: (+351) 914 206 772
Email: info@afros-wine.com
Site: www.aphros-wine.com

Mais generosos do que os outros

Texto João Barbosa

Confesso que não entendo a diferenciação de vinhos em generosos e licorosos, quando são basicamente o mesmo. A diferença nem é subtil, pois os termos diferenciam a nobreza da plebe. Os generosos produzem-se em regiões demarcadas e os licorosos têm direito a Indicação de Proveniência Regulamentada ou apenas de mesa.

Nem é bem assim! Generosos são os Porto, Madeira, Setúbal e Carcavelos. Obviamente, há simples licorosos melhores que alguns generosos.

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Vinho da Península de Setúbal

Ignorando a questão semântica – e «generoso» é «todo» o vinho – importa notar a capacidade dos portugueses para fazerem estes néctares. O processo é «simples», por isso há múltiplas imitações – quase todas com dolo – mas não é como cozer ovos. O Vinho do Porto é a vítima óbvia. Uma sina que só lhe reforça a importância.

Há quem classifique os vinhos de colheita tardia – exemplos máximos são os Tokaji (Tokay, na antiga nomenclatura) e os Sauternes – como generoso. Penso que erradamente, pois os métodos são distintos. Não sou nem académico nem enólogo, pelo que nessa discussão abstenho-me e até reconheço que é uma niquice.

Cada boca, sua sentença! Nariz, idem. No mundo maravilhoso do vinho cabem castas e regiões, às vezes quase a mesma coisa. Do branco deslavado ao retinto, há néctares que preferimos.

De todos, fascinam-me os generosos (licorosos incluídos), são capazes de tudo. Do aperitivo à sobremesa, passando por entrada ou companhia de conversa. Neste rectângulo de continente e nos dois arquipélagos autónomos há uma multiplicidade de géneros.

As personalidades vêm das uvas, dos locais, das práticas do homem. Alguém escreveu, no século XIX, que há tantas variedades de Vinho do Porto como fitas num retroseiro. O próprio sítio na internet do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto não referencia todas as variantes… já quanto ao Madeira, penso que o seu estudo é como uma licenciatura.

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Vinho Madeira

Tenho um carinho especial pelo Vinho de Carcavelos, um monumento que a cidade de Lisboa – na sua dimensão metropolitana – tratou de corroer, deixando pouco para se fazer. A demarcação abrange partes do Concelho de Oeiras e do Concelho de Cascais. Haverá cinco quintas com vinhas aptas a fazer este vinho de perto do mar. Uma está a cargo de poderes públicos – Câmara Municipal de Oeiras e Ministério da Agricultura – e as outras vivem numa obscuridade muda.

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Vinho de Carcavelos

Disse-me o enólogo do município que, quando se avançou com a ideia de fabricar Carcavelos, não se conseguiu encontrar um fio condutor. Provadas muitas garrafas, cada produtor tinha o seu estilo.

Por um lado é bom, porque abre a janela à fantasia: «o que terá sido? Que bom seria se… Ah! Se eu pudesse…». Por outro deprime, porque é um espólio impossível de recuperar. Cinco ou seis quintas não desenham o retrato.

O Vinho de Carcavelos é uma espécie de lince ibérico ou de urso pardo. Só o poder político, através de acções de entidades públicas, pode intervir na sua preservação. O Ministério da Agricultura cede a terra e o Município de Oeiras faz o trabalho.

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Vinho do Porto

Não há um «melhor vinho do mundo»… mas em modos genéricos, temos dois dos maiores vinhos do mundo: Porto e Madeira. Lamentavelmente desconhecidos pela generalidade dos portugueses. Uma das muitas idiossincrasias…