Blend All About Wine

Wine Magazine
Londres, Meca do vinho

Texto José Silva

Das muitas capitais da velha Europa, é certamente Londres que se destaca como o local por onde passam os grandes vinhos do mundo, onde funciona uma espécie de “bolsa” dos vinhos que ali desaguam vindos um pouco de todos os cantos do planeta.

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Londres – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

E que são passados a pente fino, provados, testados, avaliados e finalmente carimbados por uma classe de provadores de que fazem parte algumas elites, que incluem “Masters of Wine” e “Masters Sommeliers”, que por ali abundam. Depois é a procura mais ou menos intensa por parte de garrafeiras, lojas gourmet, restaurantes e wine bars e mesmo das grandes cadeias de supermercados, num mercado bastante aberto e em que a vontade de provar coisas diferentes e novas é cada vez mais evidente.

Os vinhos portugueses não fogem à regra, bem conhecidos e apreciados entre estes provadores e críticos, e que fazem parte de várias mostras e provas que vão tendo lugar ao longo do ano na capital britânica. Por isso mesmo é pena que tudo isso não se traduza em vendas mais significativas dos nossos vinhos no mercado do Reino Unido. Falta aquele “click” que leve os vinhos portugueses de qualidade ao grande público britânico e faça melhorar as vendas significativamente, num mercado que tem tanto de exigente como de fascinante.

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Prova – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Recentemente aconteceu mais uma prova de vinhos portugueses, bastante bem organizada pela ViniPortugal e com a presença de mais de 120 produtores, com muitas provas organizadas pelos muitos distribuidores que importam vinhos lusos, e onde os produtores aproveitaram para mostrar novos vinhos ou pelo menos novas colheitas, tentando melhorar a sua divulgação e, consequentemente, as vendas, acertando novos contractos ou confirmando os já existentes.

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Quinta de Cottas – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Como aconteceu com um produtor português do Douro, a Quinta de Cottas, que conseguiu renovar o contracto que já tinha com a companhia aérea British Airways, para que, depois de ter tido o seu vinho tinto colheita de 2010 servido a bordo dos aviões da companhia inglesa, seja agora o mesmo vinho tinto, mas da colheita de 2011, a ser servido nos aviões desta companhia aérea. É mais uma achega para a boa aceitação dos vinhos portugueses no difícil mercado britânico. Também na restauração alguns portugueses têm tentado a sua sorte em Londres, seja porque para ali foram em busca duma oportunidade, seja porque já lá viviam e quiseram tentar este mercado onde, apesar de tudo, não há grande oferta de qualidade.

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Restaurante em Covent Garden – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Entre muitas outras ofertas na velha Albion, há um pequeno restaurante e wine bar em Covent Garden, de seu nome “Canela”, a servir vinhos portugueses e petiscos da nossa terra, que está a ter algum sucesso.

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Vinhos Portugueses – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Uma oferta de vinhos portugueses com alguma variedade e muitos petiscos que estão a ser muito bem aceites pela clientela do espaço. Ali nos encontramos com Jamie Goode, para um almoço divertido.

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Jamie Goode – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Quando quis beber uma cerveja “Guiness”, para começar, fui informado que só têm cerveja “Sagres” e “Superbock”, assim mesmo!

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Vadio 2013 white – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Jamie Goode escolheu um branco “Vadio”, da colheita de 2013, que esteve muito bem, cheio de frescura, simples e saboroso.

Pela mesa foram passando presunto e alguns queijos, na companhia de pão saboroso.

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Pataniscas de Bacalhau – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

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Chouriço e Pão – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Depois foram as pataniscas de bacalhau e um chouriço grelhado atrevido, que já pedia um tinto.

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Lagar de Darei 2011 – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Foi ainda o Jamie Goode que escolheu um tinto “Lagar de Darei” de 2011, sóbrio, apelativo, bem interessante.

Plan B 2013 – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

De Bortoli 2008 – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Ao fim da tarde, numa conversa com Sarah Ahmed, à volta dumas garrafas de vinho branco australiano, fizemos a comparação entre estes dois mundos: os vinhos australianos estão por todo o lado!!

Mas em Londres há também alguns locais emblemáticos a servir e vender vinhos de todo o mundo, onde, apesar de haver vinhos portugueses, a sua oferta é diminuta, por vezes mesmo apagada. E onde urge colocar mais vinhos portugueses a serem provados e comprados por um público cada vez mais interessado.

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The Sampler – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Um desses locais é o “The Sampler”, em South Kensington, que tem uma oferta de 1.500 vinhos de todo o mundo, uma boa parte deles de pequenos produtores, que podem ali ser provados e comprados, com alguns bons vinhos portugueses disponíveis.

Hedonism Wines – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Elegante e Requintada – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Noutra zona da cidade, em Mayfair, é a vez de uma loja de vinhos absolutamente fantástica, a Hedonism Wines. Elegante, requintada, muito bem climatizada, enorme, extraordinariamente bem organizada e onde podemos encontrar tudo, mesmo tudo, de todo o mundo.

Garrafas desde €8 – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

A €15.000 – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

 

Desde vinhos a €8 a garrafa, até raridades a €15.000 a garrafa. Leu bem, €15.000 a garrafa!!

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Vinhos Portugueses – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

E também ali estão alguns bons vinhos portugueses.

Em restaurantes, bares, wine bars e lojas gourmet, podemos encontrar vinhos portugueses, embora em ofertas muito limitadas, o que não corresponde à fama e à qualidade sempre crescente que têm vindo a assumir junto da crítica internacional. Está por isso na hora de dar o salto, de dar mais visibilidade aos nossos vinhos e de colocá-los nos locais mais emblemáticos da capital britânica. E mesmo que sejam produtores já com tradição, porque não fazê-lo duma maneira divertida…

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Porque não fazê-lo de uma maneira divertida? – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Aqui na Blend continuaremos a lutar por isso e disponíveis para apoiar todo o tipo de acções que possam ajudar.
Afinal Londres é já ali, a duas horas de viagem…
Cheers!

O Rufo do Vale D. Maria

Texto João Pedro de Carvalho

Quinta Vale Dona Maria é uma antiquíssima propriedade no coração da Região Demarcada do Douro. Embora o tinto tenha nascido com a colheita de 1997 o primeiro branco surgiu recentemente. Tudo começou num jantar após se debater como adequar as práticas agrícolas de modo a obter melhores condições ambientais para o crescimento da população da Alectoris rufa (nome científico da perdiz-vermelha) no Vale D.Maria. Na divagação da conversa entendeu-se que Rufo (vermelho em Latim) seria bom nome para uma marca de vinho tinto do Douro, significando também o toque do tambor, que anuncia e estabelece o ritmo da entrada de gama dos vinhos Vale D.Maria. Mais recentemente esse Rufo teria a sua versão de branco no mercado.

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Rufo do Vale D. Maria 2013 branco- Foto de João Pedro de Carvalho | Todos os Direitos Reservados

 

Aqui a enologia está a cargo de Cristiano van Zeller, Sandra Tavares da Silva e Joana Pinhão, diga-se que todos os vinhos merecem natural destaque, apetecendo desta vez centrar todas as atenções no único branco, até agora, produzido com a chancela da Quinta Vale D.Maria.

As uvas para este Rufo branco da colheita de 2013 vêm da zona de Sobreda e Candedo (Murça), onde as vinhas se encontram a grande altitude (600 m) para conferir aos vinhos acidez e frescura. A escolha recai num blend de 50% Códega de Larinho e 50% de Rabigato. Enquanto a primeira casta (Códega do Larinho) confere uma certa tropicalidade, a segunda casta (Rabigato) proporciona a acidez natural tão necessária, num conjunto que estagiou cerca de 9 meses em inox até ser lançado para o mercado.

Um branco que nos recebe de braços abertos com bonitos aromas frutados a lembrar citrinos, frutos de polpa branca, algum tropical mas pouco pronunciado num conjunto bastante agradável com toque de mineralidade no fundo. Na boca mostra-se elegante e fresco, com boa intensidade e um toque vegetal aliado à natural doçura da fruta que o embalam para um final de prova com alguma secura, tornando ideal para canapés, saladas, entradas variadas à base de carnes frias ou salmão fumado.

Contactos
Quinta Vale D. Maria
Sarzedinho
5130-113 S. João da Pesqueira
PORTUGAL
Tel: (+351) 223 744 320
Fax: (+351) 223 744 322
E-mail: francisca@vanzellersandco.com , cvanzeller@mail.telepac.pt , joanavanzeller@vanzellersandco.com
Site: www.quintavaledonamaria.com

É tão sensual – Taça vs Flute

Texto João Barbosa

Vinho é festa! Seja com o néctar mais plebeu ao estratosférico, no Ocidente costumamos festejar e brindar com vinho. Nem toda a gente gosta, nem todos têm um gosto sofisticado, instruído, esclarecido. Muitos não têm dinheiro para cumprir o desejo.

Além do vinho, da sua qualidade e preço, há a questão dos copos; um problema no universo dos meus amigos, pois nem todos têm uma relação tão profunda com o vinho, desconhecendo a importância que têm os vasos. Há os renitentes, por teimosia ou incredulidade ou por ignorância ou inexperiência, mas quem bebeu vinho por bons copos…

É um bocado como os talheres. Até muito tarde, os europeus comeram à mão. Um espeto com lâmina era comum nas mesas, fazendo as vezes de garfo e de faca. Apesar de o garfo ser um instrumento muito antigo, de muito antes do nascimento de Cristo.

Hoje, o garfo é tão comum e tão logicamente útil que pode parecer estranho como andaram os europeus a comer à mão até ao século XVI… XIX… XX. Consta que terá entrada na mesa do Rei de França através de Catarina de Medicis, casada com Henrique II.

O garfo substituiu o espeto de lâmina, mas não se lhe juntou a faca. Documentação fiável não há, não lhe deram importância à época, mas reza a lenda que foi no restaurante parisiense La Tour d’Argent que o par se fez.

A data da fundação não é certa, mas esta casa – ainda hoje existe, apesar da mudança de local – é tida como estabelecida em 1582. Terá sido aí que Henrique IV, consorte de França e Rei de Navarra, aprendeu a usar os talheres, o primeiro monarca a utilizá-los.

Luís XIV, seu neto, frequentava o La Tour d’Argent e já seria comum o uso dos talheres na corte. Porém, os faqueiros só começaram a surgir, nas casas abastadas, a partir de meados do século XIX.

Diz-se que o Rei Sol disse do Champanhe que era o «Rei dos Vinhos e o vinho dos Reis», um néctar nascido, em 1670, pela mão de Dom Pérignon. Este espumante não mais saiu de ao pé dos monarcas, que o bebiam por copos indiferenciados e obviamente disfuncionais.

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Taça de Champanhe

 

Há duas versões para o nascimento do primeiro copo lhe dedicado. A primeira taça de Champanhe terá sido moldada num seio da Rainha Maria Antonieta ou de Josefina de Beauharnais, mulher de Napoleão Bonaparte.

A ciência e o engenho provaram que a taça é inadequada para um vinho espumante. Como qualquer instrumento, a função é mais importante que a forma. Assim se criou a flute, flauta.

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Flauta de Champanhe

 

Se a flauta, com o seu timbre cristalino, combina com a delicadeza dos espumantes e mantém viva a alma do vinho… a taça, nascida na intimidade da realeza, é muito mais bela.

Com snobismo – assumida provocação, sem vontade de ofender – a flauta é burguesa, tem de se mostrar. A taça é fidalga, o ouro-velho da nobreza, discreto e recatado.

Se não convenci, volto aos talheres. A prata – com seu odor característico, requerendo cuidado no preparo para a mesa – nunca será derrotada pelo christofle, um material que ganhou o nome do joalheiro que o criou.

Uma taça é muito mais sensual do que uma flauta… e quem consegue manter num copo, por largo tempo, um delicado vinho espumante?

De Paradoxo e Património: Uma Entrevista com Marta Soares, Casal Figueira

Texto Sarah Ahmed | Tradução Bruno Ferreira

“O Vital é a minha cara”, diz Marta Soares do Casal Figueira.  Juntamente com o seu falecido marido, António Carvalho, Soares não só resgatou esta humilde e autóctone casta branca de Lisboa da escuridão como a fez reluzir.

Então como é que Soares descreve a Vital? As palavras surgem em catadupa. Afinal de contas, esta grande pensadora conhece-se bem. “Produtiva, forte, dinâmica. Uma amante do tempo e do espaço. Selvagem como a vinha. Fresca e austera, mas também complexa. Quando a começamos a conhecer, entramos no seu mundo.”. Através de garrafa luminescente de Casal Figueira António Vital 2013, Soares proporcionou-me um vislumbre privilegiado do seu mundo de paradoxo e património.

De paradoxo

Por ser “nascida em cimento”, Soares não tinha como objectivo produzir vinho como tinha Carvalho, cuja família era viticultora há gerações, em Vermelha, perto de Torres Vedras, na região vitivinícola de Lisboa. Pelo contrário, a antiga aluna da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa encontrou a sua identidade na arte. Quando conheceu Carvalho em 1999, Soares estava na iminência de partir para Nova Iorque para dar seguimento à sua carreira, inicialmente com o apoio da Fundação Luso-Americana e, a longo termo através do Programa Fullbright que tinha aprovado o seu portfólio; só precisava de finalizar a documentação.

Apesar de ter tido sucesso com as suas exposições, atira em reflexão, “Acho que era muito nova e depressa apareceu a pressão sobre mim própria; sabia que algo precisava de mudar”. Soares perguntou aos amigos se conheciam algum sítio onde ela pudesse estar em paz para pensar antes de partir para os Estados Unidos. Falaram-lhe de “um amigo louco com uma quinta”, perto de Torres Vedras, que provavelmente teria espaço para ela montar um estúdio.

Este ‘amigo louco’ era Carvalho, que, tendo estudado com viticultores franceses na Escola de Práticas Agrícolas de Montpellier, estava a arar um solitário sulco, produzindo vinho com qualidade e terroir-driven num terreno de propriedade familiar (Casal Figueira) com 50 hectares, 15 dos quais ele plantou com vinha em 1990. Como se isto não fosse suficientemente diferente da tradição lisboeta focada na quantidade, os seus vinhos eram cultivados biodinamicamente e incluíam as castas francesas Marsanne, Roussanne, Petit Manseng e Semillon, além das castas locais Fernão Pires e Arinto.

Soares recorda vivamente, “quando lá cheguei, deparei-me com este sujeito obstinado, com um chapéu, a podar as vinhas, uma por uma, de maneira repetitiva, todos os dias, de manhã até ao fim do dia. Ela olhava e tratava cada vinha como de uma escultura individual se tratasse; quase como o trabalho de um artista – é preciso moldá-la (a escultura) todos os dias, todos os anos, e aí será aquilo que queres que seja.”

Quando Soares e Carvalho partilhavam os frutos do seu trabalho no final daqueles longos dias, Soares encontrou a resposta à questão pertinente que tinha “O que é que motivava este homem?”. Descrevendo o objectivo dele, o vinho, como “muito forte”, diz, “era possível apreciar todo o trabalho”. Soares também se apercebeu que a “ladainha” de poda de Carvalho, com o objectivo de produzir vinho, paradoxalmente também lhe apelava pois “parecia relaxante”, contrastando com a vida de um artista em que “apenas construímos coisas, dia após dia, sem saber exactamente o que estamos a fazer”. Acrescenta ainda, para um viticultor, “nunca se está no comando porque a natureza dita o tempo que se gasta todos os dias, ao passo que um artista deve decidir se vai pintar ou não… tudo é nossa responsabilidade”.

Por outro lado, observa, quando se trabalha com a natureza e materiais orgânicos (o oposto de um artista que trabalha com materiais artificiais “para que possam controlar tudo”), temos de estar preparados para tudo o que acontecer. Através de Carvalho ela veio a perceber que, “se formos destemidos, podemos ver [trabalhar com a natureza] que é uma aventura e redescobrir a paixão diariamente”.

Estes paradoxos e pontos divergentes do seu próprio trabalho fizeram com que Soares se interessasse. Apaixonando-se por Carvalho e, com “tanto para aprender… especialmente em relação à vertente prática”, desistiu dos seus planos em Nova Iorque para ficar com Carvalho e, quando pudesse, o ajudar nas vinhas e na adega.

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“o primeiro rótulo na língua Casal Figueira” – Foto cedida por Marta Soares | Todos os Direitos Reservados

Por outro lado, diz que a sua boa vontade e energia em relação ao trabalho dele, conferiram força a Carvalho para continuar, mesmo as pessoas não acreditando no seu estilo de vinho. Foi Soares que surgiu com o que descreve ser “o primeiro rótulo na língua Casal Figueira”. O rótulo do branco ostenta o nome da propriedade, descrição “vinho branco”, contando ainda com o esboço da figueira que está ao lado da adega que a própria desenhou. Explica que “foi tudo por causa da simplicidade – atraindo a atenção para o conteúdo e não para o aspecto exterior”.

Ainda assim, também por estarem à frente do seu tempo, Carvalho e Soares foram incapazes de obter sucesso no negócio e entraram em falência em 2003. A família de Carvalho recuperou a quinta, período durante o qual o casal trabalhou para o enólogo espanhol Telmo Rodrigues num projecto de recuperação das vinhas velhas Godello, na Galiza. Quando, no ano seguinte, o pai de Carvalho faleceu, voltaram de Espanha e trabalharam uma vez mais na quinta Casal Figueira até a venderem em 2007 para pagar as dívidas da família.

Soares diz que esta foi uma altura difícil porque sabiam que a quinta teria eventualmente que ser vendida, mas “foi o nascimento de um ‘novo’ Casal Figueira: destemido, mais forte que nunca”. Porquê? Porque Carvalho reconheceu que “só é possível fazer grandes vinhos se nos cingirmos às vinhas e ficarmos lá com elas. É preciso estar em casa. Só dessa forma é que as conseguimos perceber e tirar o máximo delas. Isso é a essência da biodinâmica: ficar lá e percebê-la”.

De Património

Foi então, por isto, que o casal decidiu ficar em Lisboa e procurar as suas castas autóctones. Contrastando com o ano que passaram em Espanha, Soares diz, “Era onde podíamos estar os dois, todos os dias. A amar-nos um ao outro, a amar as vinhas, a amar os nossos filhos. Amar algo requer um cuidado diário”. Além disso, “A nossa região era também o sítio em que já tínhamos algum conhecimento do clima, solo, comportamento das plantas, insectos e falibilidades naturais”.

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O ritual local e anual de pintura dos B R M (Bons Reis Magos), uma fonte de inspiração para os rótulos do António Vital Casal Figueira – Foto cedida por Marta Soares | Todos os Direitos Reservados

A procura levou Carvalho atrás no tempo, de volta às viagens difíceis, Serra de Montejunto acima, a norte, com a ama que ia visitar os parentes, agricultores. E foi então que o casal encontrou a fonte do aclamado vinho Vital Casal Figueira – quatro talhões de vinhas velhas em calcário com 50-100 anos, 250-400m acima do nível médio das águas do mar, algo incomum em Lisboa. Estas parcelas eram propriedade (e o seu nome em homenagem) dos primos da ama de Carvalho – Acácio, Cremilde, Humberto e Pedra – que, para além de venderem as uvas à cooperativa local, também sempre fizeram o seu vinho daquelas uvas. Descrevendo-o como “muito oxidativo, muito estranho”, Soares sorri interiormente com orgulho quando se regala com o facto “António teve a visão para perceber o potencial da casta”.

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O vinhedo da Pedra a 350 m de altitude;  vinhas Vital com 80 anos, em calcário, Serra Montejunto, Lisboa – Foto cedida por Marta Soares | Todos os Direitos Reservadosd

Foi, acrescenta Soares, o projeto perfeito, porque, vivendo nas proximidades e com a adega a poucos passos de distância, poderiam alcançar o objectivo que tinham, de obter “uma expressão muito clara das uvas”. Aponta, “a proximidade é a palavra principal. Se existir uma grande distância entre a vinha, a adega e o local onde vivemos, há uma falta de qualidade na vida e na frescura das uvas. Se se demorar horas para chegar à vinha, não se vai lá ficar muito tempo, e então é preciso contratar pessoas”.

No entanto, as angústias do casal estavam longe de estar terminadas. Em 2009, Carvalho desmaiou e morreu de ataque cardíaco enquanto pisava as uvas. Tinha apenas 43 anos. A meio da colheita e com dois filhos pequenos para sustentar, Soares diz-me que apenas teve direito a 3 segundos de hesitação sobre se iria continuar com o projecto ou não. Uma hesitação, acrescenta, que resultou única e exclusivamente de se questionar se conseguiria fazer jus ao homem que descreve como sendo “um enólogo incrível…o melhor em todo o Portugal”.

Pergunto se, continuar com o Casal Figueira foi uma maneira de homenagear a visão de António e ficar perto dele? Para Soares o propósito foi muito maior. Ela descreve a situação como “uma epifania da vida, não sobre a arte mas sim sobre a prática…sobre nos relacionarmos directamente com as coisas que fazemos, descartando a teoria e deitando mãos ao trabalho.” – uma abordagem diferente à vida, que aprendeu com Carvalho. Apesar de tudo, consegue olhar para trás, para a morte de Carvalho, e descrevê-la como “uma coisa feliz porque ele deu a vida por algo em que acreditava e foi o seu coração que o falhou e não a vinificação ou a terra”.

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As novas vinhas Vital são propagadas utilizando a técnica mergulhia, o que Soares aponta “é incrível, porque os meus quadros são feitos de um processo de estratificação ao qual chamei “matrizes””. A cana de uma vinha existente é enterrada junto da vinha “mãe” de modo a criar uma nova vinha; a ligação entre as duas é quebrada quando a nova vinha desenvolve o seu próprio sistema de raiz – Foto cedida por Marta Soares | Todos os Direitos Reservados

De igual motivação, outro objectivo ainda maior, que é o de preservar o património cultural português de vinhas. Para Soares, este transcende mesmo o vinho, que descreve meramente como “um passo necessário para ter uma expressão de vinhas”. “Imagine”, diz, “quando se tem uma exploração agrícola com vinhas velhas de 100 anos, quantas pessoas morreram e a vinha ainda lá está. As vinhas são um registo do tempo e tempo é cultura – devemos cuidar e ter isto bem presente”.

Embora Soares reconheça que “este patrimônio cultural tem um valor incrível em Portugal”, também está ciente de que ao contrário de França, “onde a arte, os vinhos e a literatura estão juntos”, a alta cultura e a agricultura são campos completamente distintos aqui. Acredita apaixonadamente que deve haver uma conexão entre “o que é básico na vida – a produção agrícola – e o que acontece na arte”. Em vez disso, lamenta, “Estamos a procurar noutro lugar, lá fora, nunca olhando para dentro, nunca olhando para aqui”.

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Casal Figueira António Vital 2013 – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Eu consigo relacionar-me com os seus comentários à recente história de vinificação de Portugal, onde poderia ser perdoado pensar que apenas um punhado de uvas nativas, não necessariamente locais, merecem atenção. No entanto, tenho o prazer de ver uma nova geração de produtores como Carvalho e Soares fechando o círculo e abraçando o melhor da tradição. Não apenas castas autóctones, mas também técnicas de viticultura e enologia. Vejam os Baga Friends, ou Rita Marques’ Conceito Bastardo, André Manz’s Jampal e o trabalho de António Maçinta nos Açores ao ressuscitar as castas locais Arinto dos Açores e Terrazntez do Pico.

Voltando ao Vital, um vinho que Soares classifica como um vinho monovarietal, que representa não só a sua cara, mas também “uma riqueza de autenticidade…algo tão simples que não tem preço”. Conclui “é isso que adoro em Portugal e para mim é isso que o Vital representa”.

Sangue na Adega

Texto João Barbosa

Alguém disse – um famoso… político, escritor ou militar… – que um homem sem inimigos não tem préstimo, mais coisa menos coisa. Que saiba, não tenho inimigos, pelo que vou tentar arranjar alguns com esta crónica. O mote tem a cor do sangue!

O Vinho Verde tinto é um «produto» – detesto o termo aplicado a coisas bonitas como o vinho, pelo que aqui é mero recurso e não ofensa – vínico que muitos apreciam, muitos julgam que apreciam (provavelmente não beberam), outros afirmam gostar para serem simpáticos e outros abominam.

Estou no grupo dos que abominam o Vinho Verde tinto!

Atenção a este aspecto: a tradição merece-me todo o respeito, tal como a vertente étnica, verdade regional e carácter. O Vinho Verde tinto consegue todos estes pontos.Carácter é coisa que não falta a este vinho do Entre Douro e Minho. Enquanto enófilo, espero que perdure por muitos e longos anos, guardando as características que os seus amantes apreciam. Mas dispenso-o.

O pior que poderia acontecer – a este «produto» como a qualquer outro com autenticidade – é a perda de identidade, para se moldar ao gosto da moda ou da multidão. Peço aos vitivinicultores que deixem o Vinho Verde tinto continuar como até aqui, não cedendo nessa virtude que é a «verdade».

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Uvas de Vinho Verde na Vinha – Foto de Feliciano Guimarães | Todos os Direitos Reservados

 

Tenho 45 anos e faço parte duma geração, talvez na última urbana, que teve vinho à mesa: o copo ao almoço (durante a semana de trabalho e no fim-de-semana), o copo ao jantar, nas festas… Em criança não bebia, obviamente. Porém, as pândegas faziam-se com vinho e não com shots ou destilados – que apenas se bebiam nas discotecas.

Alexandre Dumas (Pai) foi, além de romancista de excepção, um gastrónomo de renome, com trabalho publicado, e ainda hoje o deve ser lido por quem gosta dos assuntos da comida, e defendeu que a comida dum local deve ser acompanhada com vinho da mesma proveniência.

A gastronomia é cultura, como as artes ou como os hábitos de trabalho ou os trajes. Para mim faz todo o sentido. Por isso, compreendo que alguns pratos do Entre Douro e Minho devam ser acertados com o seu vinho.

Outra coisa é gostar ou considerar como bom. Mesmo o «bom» é às vezes discutível. O Vinho Verde tinto tem uma grande acidez, é pujante e marca a boca. Este é um daqueles casos em que «bom» se traduz numa grande personalidade, que leva a paralaxes de entendimento. Heterodoxia não é só virtude nem só defeito. Não é consensual: há apaixonados, quem aprecie como acompanhamento preciso e lógico da comida da sua região de origem, e quem não lhe dê afecto, como é o meu caso… não gosto da casta vinhão e mesmo no Douro, onde lhe chamam sousão, a sua presença não me é simpática. Porém, defendo que se mantenha como é, porque autêntico. Bebe quem gosta e/ou percebe, dispensa quem sente comichões.

A tradição é o que é e também as características do que a natureza dá. Um dia queixei-me, a um amigo gastrónomo, dum café célebre que se serve numa, não menos famosa, «cafetaria» de Lisboa. Fui repreendido, porque aquele é «o melhor» café de montanha que há. Ora, ora… de que me serve ser «o melhor» se é desagradável?

O que é isso de «o melhor»? O que diz a «academia» ou o saber ancestral do povo ou o gosto pessoal? É tudo relativo. O meu amigo tem razão, num determinado ponto de vista: é preciso saber o que é para se poder compreender.

O Vinho da Madeira sofre todos os castigos que se podem infligir a um vinho. Quem o prova, desportivamente ou num concurso, deve saber que é um Madeira, pois o padrão tem de ser esse. Não se lhe pode exigir o que não é!

Um carro de Fórmula 1 é melhor do que um de WRC ou doutro que corre o Dakar? Cada um é melhor na sua categoria, são incomparáveis. Porém, há bons e maus Fórmula 1, WRC ou Dakar. Como no vinho. Há bons vinhos jovens e cheios de garra, como o Vinho Verde Tinto.

Nos últimos tempos, têm surgido vitivinicultores de referência a dedicarem-se à produção de Vinho Verde tinto. No entanto, mantenho o «desgosto». Nada a fazer! Serei sempre um herege, para os apreciadores.

As afirmações peremptórias – sempre, nunca, tudo, nada, etc. – são perigosas para quem as profere, pois há-de surgir uma, duas ou 20 excepções só para chatear a sentença. Pode ser o caso.

Restaurante Mendi – 18 anos a servir bem

Texto José Silva

É já uma instituição da cidade do Porto. Há 18 anos a funcionar no mesmo local, naquela ruela pedonal que ladeia o hotel Crown Plaza (antes Tiara). Por três vezes sofreu obras de renovação, embora mantendo sempre um ambiente onde impera a tranquilidade, com muita luz a entrar pelas enormes vidraças. Um pequeno balcão à entrada e uns bonitos cadeirões, onde se pode aguardar por mesa.

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Decorado em Tons Carmim – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

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Peças Orientais – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados


Sala ampla, muito bem decorada em tons carmim, com alguns apontamentos de peças orientais, que incluem duas bonitas colunas, logo à entrada.

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Forno Tradicional – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservadosts Reserved

Em frente, a entrada para a cozinha, de que faz parte o forno tradicional (tandoori), por onde passam algumas das iguarias que vêm depois à mesa.

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Mani Ram – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

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Tej Ram – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Tudo trabalhado por mãos experientes a cargo de dois cozinheiros eles próprios indianos, já há muitos anos no Mendi: Tej Ram e Mani Ram. Depois é o cuidado apurado na compra de produtos de qualidade, uma boa parte mesmo com origem na terra mãe deste tipo de cozinha.

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Especiarias e Temperos – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Na sala pairam aromas suaves de incenso a que se vão juntando aqueles outros que vêm da cozinha, das várias especiarias e tempêros que fazem da comida indiana uma das mais olorosas de todas.

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Kamal Rajani – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

À frente de tudo isto, a força e a vontade dum homem que sempre acreditou (e acredita) naquilo que faz, que deu corpo e continua a dar o espírito a este Mendi: Kamal Rajani. Nasceu na antiga Lourenço Marques, Moçambique, viveu em Inglaterra, depois foi até aos Estados Unidos e finalmente, em 1981, veio para Portugal para casar. Até que, em 1997, fundou o Mendi, onde está até hoje. Agora também ajudado pela sua filha Mafalda, a dar um toque feminino a este espaço tão agradável.

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Mesas – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

As mesas estão muito bem postas, sóbrias, e um serviço personalizado, que quase não se nota, tal a sua delicadeza, mas que também nos pode ajudar a percorrer uma ementa bastante completa, entre as muitas entradas e os pratos mais elaborados.

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Papadom – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

A refeição começa impreterivelmente com os papadom, aquelas folhas fininhas, crocantes, com especiarias, ligeiramente picantes, e que nos dão o primeiro contacto com estes paladares exóticos. Sim, porque a comida indiana (e oriental em geral) é tradicionalmente picante. Embora, numa adaptação aos paladares europeus, no Mendi se possa apreciar tudo sem picante, se assim o entendermos. O que, confesso, descaracterizará um pouco esta cozinha tão nobre. Mas podemos, isso sim, controlar o nível de picante, basta pedir ajuda: pouco, médio, forte ou muito forte. Eu gosto de começar no médio e terminar no muito forte, já com umas gotas de suor nos sobrolhos e a escorrer pela nuca.

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Malaguetas – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

Gosto mesmo de ter ao meu lado um pratinho com as malaguetas frescas fatiadas e ir juntando ao que vou comendo, é um imenso prazer…É um picante forte, quente, de qualidade, muito saboroso.

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Nan – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

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Sahi Nan – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

O nan, que é o pão típico indiano, confeccionado no tal forno (tandoori), vai acompanhar toda a refeição: fofo, baixinho, bem temperado, com muito alho, ou numa versão (sahi nan), com queijo e vegetais e, lá pelo meio, umas laminazinhas atrevidas de malagueta, uma delícia.

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Entradas Mistas – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

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Sheek Kabab – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

O cortejo da refeição começou por uma entrada mista: samosa vegetal, hara bara kabab, onion bhaji e pakora. Que se vão enriquecendo com vários molhos, entre eles um requintado molho de menta.

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Goane & Prawn – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

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Murgh Makhani – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados


Depois veio o sheek kabab, que é uma espetada de borrego, também um delicioso goane e prawn, que é um saborosíssimo caril de camarão com leite de coco e finalmente um murgh makhani, caril de frango com natas, que pedi mais picante e que estava soberbo.

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Arroz Soltinho (Pulao) – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

A acompanhar todos estes pratos, arroz, pois claro, um pulao soltinho, requintado e elegante, a fazer o contra ponto com as especiarias dos vários pratos.

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Kulpi – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados

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Barfi – Foto de José Silva | Todos os Direitos Reservados


Para finalizar, a sobremesa: um kulpi e um barfi, muito diferentes, sofisticados e suaves. Enquanto terminávamos a conversa, foram-se trincando umas sementes de especiarias, algumas mesmo ligeiramente adocicadas, que ajudam a fazer boa digestão.
Outras terras, outros costumes…
Parabéns ao Mendi pelos dezoito anos a servir bem!

Contactos
Av. da Boavista 1430, 4100 Porto
Tel: (+351) 226 091 200
Facebook: Mendi Restaurant

Quinta de Val da Figueira Vintage 2007

Texto João Pedro de Carvalho

Há dias em que ficamos gratamente surpreendidos, sorrimos naquele momento de quase descoberta quando à nossa frente brilha algo que nos conseguiu surpreender e que simplesmente nos era desconhecido. Quando no final de um almoço me foi colocado à frente um Vintage 2007 da Quinta de Val da Figueira, eu sinceramente desconhecia o nome do produtor, mas a alegria e o sorriso foi imediato após o primeiro sorvo. Como curiosidade no Douro uma Figueira é sinal que existe perto um curso de água.

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Quinta de Val da Figueira Vintage 2007 – Foto de João Pedro de Carvalho | Todos os Direitos Reservados

A Quinta em causa não é recente apesar de aos olhos dos mais atentos poder passar desapercebido. Na realidade a sua história estende-se a 1759, com a Quinta localizada na margem direita do rio Douro ali bem perto do Pinhão. A propriedade figura no famoso mapa do Barão de Forrester, ganhando nova vida nos anos de 1878/1979 com a plantação de vinhedo após a devastação da filoxera, contando na atualidade com um total de 16 hectares onde a principal área de vinha a encontrar-se na família dos atuais proprietários há três gerações e algumas vinhas adjacentes há cinco gerações. A produção anual ronda as 110 pipas com os vinhos a serem vinificados em lagares de granito com pisa a pé.

Voltando ao copo que tinha na mão, um bonito Vintage 2007, servido pelo seu proprietário João Cálem Hoelzer que desde os anos 90 tomou as rédeas da Quinta de Val da Figueira, dando seguimento ao trabalho do seu Pai, Alfredo E. Cálem Hoelzer e de seu Avô, Alfredo Leopoldo Holzer que adquiriu a Quinta em 1930. Os vinhos na altura eram vendidos para a Cálem mas nos dias de hoje são vendidos para a Symington ficando apenas uma pequena parte que é rotulado como Quinta de Val da Figueira.

Tudo isto tem uma razão de ser, quem me conhece sabe que gosto muito mais de um Porto Colheita ou um Porto 20 Anos a um LBV ou um Vintage. Tudo se prende com a magia dos cascos velhos e da complexidade adquirida na arte do lote no caso dos Tawny 10, 20, 30, 40 anos ou pelo tipo de aromas e sabores característicos dos Tawny.

Neste caso era um Porto Vintage que apesar da idade fugia claramente daquela amálgama de frutos do bosque macerados, tinha a essencial frescura mas não enjoava, não me fazia esquecer-me do copo antes pelo contrário. A finesse que mostra ter cativa a que se beba mais um pouco, A conversa ia-se desenrolando, o vinho com o tempo ganhou complexidade, abriu as portas a outros encantos, a sobremesa tinha chegado e este Vintage estava a saber tão bem que já não lhe tirei mais a vista de cima.

Contacts
Quinta de Val da Figueira
5085 – 220
Pinhão
Mobile: (+351) 919 573 868
Email:  jcalemhoelzer@yahoo.com
Site: www.quintadevaldafigueira.com

Escangalharam a cara da Uma Thurman – O Factor Fruta

Texto João Barbosa

Neste Fevereiro brotou, com brutalidade, um retrato da actriz norte-americana que lhe rouba toda a sensualidade intensa e felina. Meu Deus! Quem foi o carniceiro que se tomou por cirurgião plástico?

A abominável figura resultou de efeitos especiais, um misto de luz, pouca sombra e uma maquilhagem de deplorável gosto. Uma Thurman, nascida nesse belíssimo ano de 1970 (!), com metro e 81, serve-me de muleta para o tema do vinho.

Ouvi a um enólogo espanhol que na sua profissão há os fruteiros e os carpinteiros. Ou seja, os que privilegiam a fruta e os preferem o trabalho com madeiras. Provavelmente, haverá mais famílias, mas estas duas categorias servem-me.

Tenho notado haver – entre enófilos, críticos e escritores de gastronomia – uma grande valorização da fruta. Em parte, parece-me bem, uma vez que o vinho não se faz doutra coisa que não de fruta.

Vários procedimentos podem esbater, maquilhar, mascarar ou esconder uma verdade. Estragar é sempre mais fácil do que consertar, sendo que os remendos nunca serão exactidão. Há desastres nas adegas – que esfrangalham o vinho como a maquilhagem da Uma Thurman – e há bóias salva-vidas; se tiver um vinho mau e tiver de o vender, possivelmente o enólogo terá de recorrer a base e rímel para criarem efeito especial. Enganará principiantes e tolos, mas não gente com currículo e sabedoria.

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Fruit in cutcaster.com

É fácil gostar-se de fruta – o que não é bom nem mau – e às vezes só não chega. Entram artifícios para que se realcem notas de produtos industriais de fácil gosto. Não digo que seja bom ou mau, depende de como se apresente e onde se apresente – se é para fruição pueril, em fato de banho ou menos do que isso num jacuzzi, tudo bem. Se é para valsar, calça de ganga não é vestimenta que se queira.

A defesa da fruta parece-me bem em parte, porque resumir vinho a fruta é uma chatice. O aborrecimento decorre abundantemente da vontade e necessidade do produtor fazer negócio. Nada a opor.

O que me custa é quando essa naturalidade da fruta, ou das flores, se transforma numa caricatura. A demanda torna-se insana (!) repetidamente. Reparei que vários produtores do Dão estão a apostar na touriga nacional e evidenciando-lhe os aromas de violeta.

Um caso concreto: tenho bebido caricaturas de vinho do Dão. Caricaturas de touriga nacional. Os vinhos não têm nada de errado, estão bem-feitos e honestos. Mas a ânsia de alcançar um Graal e o trabalho para realçar as características do que a natureza dá criam coisinhas muitíssimo feias.

É como o maquilhador de Uma Thurman: o técnico não estragou nada, está lá tudo e não acrescentou nada que não se pudesse retirar. Porém, a actriz ficou horrorosa!

Sinceramente, a fruta – a frutinha – cansa-me. Ouvir elogios à fruta é para mim tão emocionante como o resultado dum jogo de futebol-americano – que, na verdade, deveria chamar-se andebol-americano.

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Oak barrels in en.wikipedia.org

Fruta significa fruta e muitas vezes é tão aborrecida como um barrote de carvalho dentro dum copo. Não sou caruncho, não me alimento de madeira. Todavia, a madeira faz-me falta nos tintos. Só entendo os «unoaked» como princípio «filosófico» ou «ético» – exagerando – pois o prazer é fraco.

Apesar de tudo, branco e tinto não são a mesma coisa. Como resumiu uma amiga:

– Se é para cheirar e saber a maracujá, prefiro um sumo de maracujá.

Se eu produzisse vinho, contrataria um enólogo carpinteiro… mas dava-lhe pouco dinheiro para não poder comprar muitas barricas.

O Pequeno Mundo das Uvas

Texto Ilkka Sirén | Tradução Bruno Ferreira

A diversidade varietal é sem dúvida um dos pontos fortes de Portugal. É como uma grande arca de tesouros com infindáveis possibilidades. Embora algumas sejam quase impossíveis de pronunciar, são o que torna o cenário vínico português tão único.

E, mesmo com todas estas excelentes castas, também há possibilidades ilimitadas para plantação de castas internacionais. Eu sei que este é um assunto discutido por muitas pessoas do mundo do vinho; devemos plantar castas internacionais ou cingir-nos às nativas? As nativas parecem estar na moda neste momento, e também acho que isso é algo que todos os enólogos devem apreciar. “Quem é que precisa de outra Cabernet?”. Bem, eu preciso. Se for boa. Por certo que existem muitos factores que levam alguns enólogos a utilizar certas e determinadas castas, mas, feitas as contas, o que interessa é fazer bom vinho. Se não obtivermos sucesso com a primeira casta tentamos outra. Já sei, é mais fácil falar do que fazer.

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Desarrolhado – Foto de Ilkka Síren | Todos os Direitos Reservados

Porém, não há volta a dar. O mundo em que vivemos é muito mais pequeno do que era dantes. A informação é difundida rápidamente, mas tudo o resto também. Ainda no outro dia encomendei um presunto ibérico inteiro, de Barcelona, e, num par de dias estava à porta de minha casa, aqui em Helsínquia. Quer dizer, dantes precisava de dois dias só para me ligar à internet, com aqueles modems antigos que faziam aquele barulho terrível de discagem. Lembram-se? Bem, aparentemente as castas também gostam de viajar, porque hoje em dia podemos encontrar coisas bem curiosas em sítios inesperados. Coisa que eu acho muito porreira.

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Quinta de Sant’Ana Riesling 2013 – Foto de Ilkka Síren | Todos os Direitos Reservados

É o caso deste vinho, Quinta de Sant’Ana Riesling. Riesling de Lisboa… Ahhh?? Devo dizer que sou um pouco louco por riesling. Nada que se compare a esses jihadistas rieslingistas que às vezes se encontra, mas definitivamente um fã. Este vinho vem de Mafra, mesmo a norte de Lisboa. Um lugar invulgar para encontrar a riesling, mas no entanto, eu tinha uma garrafa de Vinho Regional Lisboa Riesling na mão. Neste momento, qualquer fundamentalista do rieslingismo teria atirado a garrafa para longe com horror, lavado as mãos e sacrificado uma cabra aos Deuses Riesling. Eu não. Eu estava ansioso por o provar.

No nariz apresentou-se um pouco floral e tinha mais notas de fruta madura do que o típico riesling. Mas ainda assim agradavelmente aromático com pêssego e notas de ervas. No palato estava surpreendentemente fresco e fino, não tão maduro quanto o nariz sugeria. Algo invulgar mas, no geral, uma saborosa interpretação da Riesling. Lisboa nunca será Mosel, e isso é uma coisa boa. Potencia possibilidades de criar algo único.

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Quinta de Sant’Ana Sauvignon Blanc 2013 – Foto de Ilkka Síren | Todos os Direitos Reservados

O branco que se seguiu também era de uma casta estrangeira, Sauvignon Blanc. Uma casta com a qual normalmente me debato. Quando no seu melhor pode ser saborosa e gastronomicamente harmoniosa como mais nenhuma. Mas a maior parte dos Sauvignon Blanc são razoáveizinhos e normalmente desinteressantes. Cheirar este vinho foi como ficar preso dentro de uma máquina de lavar roupa. Voltas e mais voltas. Por um lado tinha este elemento relvado de clima fresco de Sauvignon Blanc. Mas por outro lado,  tinha muito néctar e pêra madura, o que mais me fazia lembrar Chenin Blanc. Deu-me vontade de comer caranguejo grelhado. Não é um vinho arrebatador mas, se a sua onda é Sauvignon Blanc então provavelmente irá encontar uma nova face desta contundente casta.

Contactos
Quinta de Sant’Ana
2665-113 Gradil
Rua Direita 3, Mafra, Portugal.
Tel: (+351) 261 963 550
E-mail: geral@quintadesantana.com
Site: www.quintadesantana.com

Manual Técnico de Vinhos – Bom e útil, por isso feliz

Texto João Barbosa

Diz-se que o português é pessimista, fatalista… o fado e a saudade. Sabemos também que somos os melhores do mundo e que na festarola só não ganhámos aos espanhóis – escrevo isto sussurrando, não vá um «vecino» ouvir estas letras e começar a tirar proveito em risota.

Ouvi há uns tempos que somos um povo bipolar. Penso que há muita verdade nisso, pois oscilamos entre esse oito e oitenta. Porém, ao longo da história, o português tem demonstrado saber adaptar-se à realidade e ao mundo.

Como diz o povo: Tristezas não pagam dívidas! Nestes anos difíceis – que começaram ainda antes de 2011 e da Troika – o português mostra a sua fibra. A crise e a austeridade causaram e causam mossas, mas entre falências e desilusões, a verdade é que não quebrámos.

Coisas simples fazem maravilhas. Quando se está na mó de baixo, se atentarmos podemos encontrar ferramentas para consertar dificuldades. Coisas simples dão trabalho.

Há dias, foi publicado um livro de enorme utilidade para os empresários da restauração, da hotelaria e enófilos. De que vale haver conhecimento se não for transmitido? Ninguém nasce ensinado e temos a vida toda para aprender.

O Turismo de Portugal publicou o «Manual Técnico de Vinhos», com a finalidade de manual. É pena serem apenas 2.500 exemplares… espero que o sucesso seja grande, para que venham muitas edições e com muitos mais livros. E que sucedam novas obras, com mais ideias.

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Manual Técnico de Vinhos in turismodeportugal.pt | Todos os Direitos Reservados

O custo? É caro? É barato? Não sei das algibeiras dos outros, mas penso que uma ferramenta de trabalho não tem propriamente um custo. São dez euros para a comunidade escolar – suponho que de hotelaria – e 15 euros para o público em geral.

Posso argumentar com o preço que se paga por um combinado económico… uma simples refeição – sopa, meia dose, bebida e café – custa metade disso num desinteressante snack bar, que vende vinho – a preço acima do valor do conhecimento. Bom, deixo em paz as algibeiras e não tenho ordenados para pagar.

Como disse, é simples – o simples dá trabalho. A obra foi feita a cinco mão, quatro (oito) ligadas a escolas de hotelaria e turismo: João Covêlo (Porto), Luciano Rosa (Algarve), Luís Lima (Estoril) e Paulo Pechorro (Coimbra). Juntaram-se as do enólogo Carlos Freire Correia.

O simples dá trabalho. Este tem ainda o mérito de ter vários níveis de leitura. Penso que auxilia quem começa, relembra alguns pontos apagados, faz pensar a quem anda mais traquejado. Como os livros do Tintim: dos 7 aos 77 anos.

Ninguém pensará que existe uma árvore das garrafas e que algumas cultivares dão sumo de limão e outras vinho. Porém, quantos conhecem o processo desde a génese ao desarrolhar ou os diferentes procedimentos?

Logo as primeiras informações do «Manual Técnico de Vinhos» arejam algumas certezas, contextualizando a situação portuguesa no mundo. Depois, nele cabe desde a videira à percepção dos aromas e sabores. Termina com um útil glossário.

É coisa pouca? Não é. É simples? Só de ler. Além de meritória iniciativa, é um trabalho bem feito, em que «as coisas não são assim porque são assim», mas antes «são assim, porque…». Defeitos? Terá. Li-o célere e só notei que faltou um acento agudo em Francónia – região da Alemanha integrada no Estado Federado da Baviera.