Dona Maria, entre o clássico e o moderno Madeira, uma Paixão

Eu e a minha sombra: Na estrada com Luís Sottomayor, vindima do Douro 2014

Texto Sarah Ahmed | Tradução Bruno Ferreira

A cada vindima no Douro, Luís Sottomayor acumula em dois meses, cerca de 10 a 15 mil quilómetros em viagens até às várias vinhas e adegas para avaliar as uvas e fazer vinho. Trabalho duro! Mas, para o Enólogo Director da Sogrape, é, de longe, a sua época favorita do ano. No final de Setembro passei três dias a acompanhar Sottomayor para saber mais sobre a vida no dia-a-dia de um Enólogo Director numa vindima.

Então o que é que eu descobri na nossa viagem da vindima de 2014? Bem, para começar, deixem-me dizer que não foi surpresa nenhuma quando Sottomayor me confidenciou que teria seguido uma carreira no exército se não tivesse seguido a tradição da família e entrado no negócio do vinho. O homem tem nervos de aço. Supervisionar uma tão vasta vindima é quase equivalente a uma expedição militar, mesmo sendo a sua 26ª vindima.

Por um lado é necessário um delineamento estratégico, especialmente no pleaneamento antecipado. O primeiro passo consiste em averiguar as exigências de produção de cada um dos tipos de vinho, DOC Douro e Porto, bem como de cada uma das marcas (includindo Ferreira, Sandeman, Offley e Casa Ferreirinha). Depois é necessário saber qual a melhor maneira de responder a essas exigências, com recurso aos 500 hectares de vinhas da Sogrape e aos fornecedores (de uvas e vinho). Um plano  evidencia as uvas que serão escolhidas, quando e como.

Prepared for rain or shine harvesting a Sairrao

Na Quinta do Sairrão em S. João Pesqueira, preparados para a vindima, faça chuva ou faça sol – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Por outro lado uma “expedição” como uma vindima requer reacções rápidas. Onde não se considera as oscilações climatéricas da mãe natureza, compensa ser flexível. A vindima de 2014 é um exemplo perfeito. Embora Sottomayor e a sua equipa revejam semanalmente o plano delineado em Agosto, a chuva intensa obrigou a contínuas alterações do calendário das vindimas (talvez com um desvio de 20% em relação ao plano original, diz o prório Sottomayor). Além do mais, com a produção em baixa, foi necessário encontrar novas fontes de fornecimento de uva.

Luis Sottomayor a

Luís Sottomayor, ou o Sr. Tesouras de Poda como também é conhecido na Quinta do Caêdo – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

É necessário um “exército” – entre 200 a 300 pessoas – durante o período das vindimas, o que significa que é essencial uma soberba capacidade de liderança. E Sottomayor, ou o Sr. Tesouras de Poda como também é conhecido, está perfeitamente preparado para dar o exemplo. O reconhecidamente exigente enólogo é fotografado na Quinta do Caêdo a retirar os cachos apodrecidos pela chuva. Naquele momento até me perguntei se ele iria assumir o papel de instrutor, subir as calças, entrar nos lagares e supervisionar a pisa da uva!

Mas estou a divagar. Vamos começar pelo princípio, na Quinta do Porto em Sabrosa, perto do Pinhão, onde passamos uma manhã húmida e nublada com o proprietário e viticulutor Vitorino a provar o Tinta Roriz. O objectivo? Avaliar o tamanho das bagas (que terá impacto na produção), quando deverão as uvas ser colhidas e qual o seu destino – no vinho do Porto ou do Douro e a que nível de qualidade. Para Sottomayor, apesar da utilização das imagens de satélite para ajudar na avaliação do nível de maturidade das uvas, não existe substituto a uma visita às vinhas para provar as uvas.

Luis Sottomayor with Vitorino at Q do porto a supplier photo credit Sarah Ahmed166

Luís Sottomayor com Vitorino na Quinta do Porto – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Lição número um, evitar as uvas das vinhas que circundam o vinhedo. O solo é mais rico e mais produtivo e portanto não representativas. Então emaranhamo-nos no vinhedo onde provamos a Tinta Roriz de duas parcelas diferentes. Sottomayor reconhece então que a primeira terá como destino vinhos básicos ou Portos enquanto que a segunda, que já mostra uma melhor estrutura e perfume está destinada a voos maiores. A primeira será fermentada em cubas e depois extraída gentilmente. Quanto à de melhor qualidade “Vamos extrair tudo” diz Sottomayor, que devido às suas condições amenas vai caracterizar o ano 2014 para a Tinta Roriz, uma casta que só se dá bem a cada dez anos. Será pisada nos lagares.

Também demos uma primeira vista de olhos às vinhas Touriga Franca. Embora ele descreva a casta como “normalmente o melhor amigo do enólogo”, a chuva não tem ajudado. Como Sottomayor tinha antecipado, tem os primeiros sinais de apodrecimento (a Touriga Franca tem cachos relativamente compactos e assim, quando chove muito as uvas incham, exercendo força umas sobre as outras, podendo acontecer rompimento o que abre portas a uma possívle infecção). Um cheiro a vinagre (sumo de uva oxidado) evidencia os cachos mais afectados, mas claro que Sottomayor olha além das mais superficiais e puxa os cachos para averiguar se há rompimento ou apodrecimento. A decisão é que a vindima deve ser executada rapidamente, num prazo máximo de dois dias.

douro sogrape pics 201

Vindima em Sousão na Quinta do Caêdo – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Rapidamente atravessamos o rio e nos pusemos a caminho das Quintas do Vau e do Caêdo em Ervedosa do Douro onde está uma equipa a arduamente vindimar as vermelhas Sousão (daí as caixas floridas com manchas roxas). Enquanto caminhamos pelo vinhedo, Sottomayor descarta à volta de doze cachos em rápida sucessão, ao mesmo tempo que explica que é necessário retirá-los porque durante o transporte as uvas apodrecidas iriam destruir [e manchar] os restantes 25Kg da caixa.

Como Sottomayor tinha previsto e apesar de um início de dia pouco auspicioso, ao meio-dia o sol aparece e vamos para a frente com o nosso almoço-piquenique entre as vinhas. A seguir é a Quinta do Seixo (Valença do Douro) para provar amostras de fermentação e uvas fermentadas que foram colhidas antes das chuvas intensas. Estas escuras, ricas mas equilibradas componentes de mistura confirmam que se não fosse a chuva, este poderia ter sido um ano clássico de Porto Vintage.

Inky Port samples at Seixo photo credit sarah ahmed 279

Amostras tintadas na Quinta do Seixo – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

É divertido provar os Portos na sua crua juventude e contrastar com a mistura de vinhas de uma única casta, a Tinta Francisca (floral e elegante). É a primeira vez que provo esta casta a “solo” e, transpira, a primeira vez que Sottomayor a faz. Esta relativamente rara casta foi apenas plantada em 2008 e por isso quer tirar-lhe as medidas. Normalmente para melhor entrosamento e equilíbrio prefere co-fermentar, juntamente com castas diferentes (e com exemplares de diferentes vinhas) do que misturar antes da fermentação. A vindima é planeada de acordo com isso.

douro sogrape pics 250

Luís Sottomayor com Eduardo Gomes a provar Touriga Nacional – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Depois da degustação vamos visitar as vinhas nas quais Sottomayor e o Eduardo Gomes me proporcionam uma masterclass na identificação das uvas da Touriga Nacional que estão prontas a ser colhidas. Primeiro, quando se retira uma uva, esta deve sair facilmente do cacho. Depois, quando a apertamos, devagar, com o polegar e o indicador, se estiver madura e pronta a ser colhida retem as marcas dos dedos. As peles maduras não devem ser amargas nem vegetais, mas a melhor pista para a qualidade dos taninos são as grainhas. Devem desfazer-se na boca. A polpa deve reter uma boa acidez e perfume.

Embora Sottomayor reconheça que mais uma semana de permanência em vinha permitiria à Touriga Nacional do primeiro local (solos mais pobres) atingir a maturação perfeita, há que ser pragmático. Está prevista muito mais chuva para o dia 7 de Outubro e portanto a decisão é de as colher no dia seguinte. Nisto diz o Eduardo Gomes “Temos dois chapéus, o de viticultor e o de enólogo, hoje ganha o viticultor.”. Mesmo assim, Sottomayor acha que a Touriga Nacional vai alcançar o patamar DOC Douro/Porto Vintage. Quanto à parcela de vinhas que visitamos com solos mais ricos, perto do curso de água, é outra história. Não está tão madura e precisa de mais uma semana antes de ser colhida.

Luis Sottomayor tasting with a supplier photo credit Sarah Ahmed 288

Luís Sottomayor em degustação com um fornecedor – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

No segundo dia passamos por um fornecedor independente para avaliar a qualidade de alguns novos e básicos Portos, isto a caminho do mais alto vinhedo da Sogrape, os consideráveis 120 hectares da Quinta do Sairrão em S. João da Pesqueira. Elevando-se (desde so 120m) até 700 acima do nível médio das águas do mar e os seus pontos mais altos fazem com que seja um dos mais incrivéis e ultimamente mais escolhidos vinhedos. Desde 2006 que tem sido um contributo para a altíssima Casa Ferreirinha Barca Velha e é também responsável pelo aparecimento de um novo vinho branco, o Casa Ferreirinha Antónia Adelaide Ferreira 2012.

Excepcionalmente, porque a chuva foi pior no cimo do vinhedo, as vinhas mais altas estão a ser colhidas primeiro. Como é esperado, uma das coisas boas que a elevação traz é boa exposição ao vento. Isso ajuda a secar a fruta. Para tirar o máximo partido disso, na semana anterior Sottomayor deu instruções para se desfolhar as vinhas da Touriga Nacional e da Touriga Franca de modo a expor as vinhas ao sol. No entanto, de preferência ambas ainda precisam de uma quinzena para desenvolvimento do sabor e maturação ideal dos taninos. Embora reconhecendo que é um risco, é um risco pesado com base no facto de ainda poderem atingir a qualidade de Reserva. É um risco que está preparado a correr, adicionando, “Se chover, vimos a correr!”. Num tom mais feliz, a Tinta Roriz das vinhas mais altas está com óptimo aspecto e será colhida neste dia.

deleafed vines at Sairrao 302

Vinhas desfolhadas na Quinta do Sairrão em S. João Pesqueira – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

A seguir provamos alguns vinhos brancos directamente do lagar e das barricas, todos colhidos antes da chuva. Sottomayor está extremamente satisfeito com a qualidade apresentada dizendo mesmo “Melhor do que em 2013, mais ácido e muito limpo” (Este sentimento foi reforçado pela degustação final na Quinta do Cavernelho em Vila Real no caminho de volta ao Porto).

Enquanto provamos Rosés, Tintos e Portos da Quinta, produzidos a partir de uvas colhidas antes e depois das chuvas, Sottomayor realça as vantagens de ter tantos componentes para lotear, bem como de sítios diferentes, à sua disposição (e dentro desses sítios, os diferentes aspectos e diferentes elevações). E por falar nisso, o nosso dia termina com a visita a mais alguns produtores de vinho e à Adega Cooperativa de Freixo de Numão, onde das 4 amostras concordamos quais as duas que melhor encaixavam no Ruby e no Tawny.

Harvest at Leda Credit Sarah Ahmed

Vindima na Quinta da Leda, Almendra – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

No terceiro dia estamos no coração do Douro Superior e de visita à jóia da coroa da Sogrape no que toca a vinhos tintos DOC Douro, Quinta da Leda em Almendra, a principal fonte de Barca Velha. Para acelerar o processo, o enólogo residente António Braga tem aqui hoje, 50 pessoas a vindimar. Diz que foi um ano pouco ortodoxo com 90mm de chuva durante a vindima, número esse que, em 2005, representou a precipitação de todo o ano!

Embora tenha resultado em alguma diluição e apodrecimento, Braga diz que o tempo quente que se seguiu ajudou à recuperação das vinhas. Acredita que “No entanto é um ano muito, muito bom para as uvas colhidas após a chuva. E um ano fantástico para uvas colhidas antes da chuva” (e ficou patente nas amostras que provamos). Além do mais, mesmo sendo as uvas Touriga Franca sempre mais pequenas na Leda, a divisão dos cachos não é tão problemática como nos outros sítios.

Ainda assim, mesmo as uvas sendo mais diluídas do que o habitual, Sottomayor decide que elas precisam de mais 7 a 10 dias para se concentrar – será a última casta escolhida, o que é arriscado, por isso os dois concordam em colher algumas parcelas mais cedo de modo a mitigar o risco . Pelo menos há menor probabilidade de ser comido pelos javalis que se alimentam das vinhas. Aparentemente, eles preferem (castas mais doces) a Touriga Nacional e a Tinta Barroca.

Luis Sottomayor & Antonio Braga tasting at Leda Credit Sarah Ahmed

Luís Sottomayor em degustação com António Braga na Quinta da Leda, Almendra – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Como no que toca ao consumidor final, o que interessa é a qualidade dos vinhos quando acabados. Não vamos falar de batalhas, será que Sottomayor ganhou a guerra em 2014? Apesar de ter dito que a qualidade dos tintos só ficaria mais latente em Novembro, depois dos vinhos terem concluído a fermentção maloláctica, quando o encontrei em Londres, uns quinze dias depois numa antevisão do Sandeman Cask 33 Very Old Tawny Port, disse-me que apesar da vindima ainda estar a decorrer (e estava a chover naquele dia na Quinta do Sairrão), estava “muito feliz” com a qualidade do vinho, incluíndo Touriga Franca que tinha sido colhida uma semana antes.. “belos aromas, mas ainda está a fermentar, veremos..”. Não é apenas um homem de precisão militar, é também um político!

Cinco dias depois recebi o relatório da vindima da Sogrape. Aqui está o que diz em relação ao Douro:

“Na Quinta do Seixo, a vindima começou dia 4 de Setembro, com uvas da Quinta e uvas da Quinta do Caêdo, das vinhas mais próximas ao Douro e com exposição a Oeste e a Sudoeste. No dia 15 de Setembro já tinham sido colhidas 600 toneladas e o entusiasmo entre os trabalhadores das adegas era perceptível devido à qualidade das uvas que iam chegando e aos resultados alcançados durante a fermentação.

Eduardo Gomes, o responsável pela vinificação nesta adega, atribuiu o resultado ao nível de consistência apresentado durante o período de maturação, devido ao clima ameno. Não houve calor excessivo, as plantas não passaram por nenhuma falta de água, e isto resultou em uvas de qualidade e muito saudáveis.

Da mesma forma, na Quinta da Leda no Alto Douro, as expectativas também foram elevadas no início da vindima, pelas mesmas razões. António Braga, o enólogo residente neste adega, realça uma maturação lenta, durante o qual a videira funcionou bem, o que significa que as uvas que entraram adega estavam em boa condição fisiológica.

Agora, a vindima está praticamente a acabar, e o Enólogo Chefe da Sogrape Vinhos na região do Douro, Luís Sottomayor, diz que os vinhos 2014 são de muito boa qualidade, e está, justificadamente, muito satisfeito. Apesar de a vindima ter decorrido praticamente durante duas semanas de chuva, isto adicionou frescura, um bom sabor frutado e um amplo volume dos vinhos na boca.

As condições climatéricas que se verificaram durante a maturação e durante a vindima afectou as principais castas de uvas de forma diferente. Em particular favoreceu a Tinta Roriz. De acordo com Luís Sottomayor, 2014 foi o ano para esta casta, uma vez que beneficiou de um ciclo de crescimento fresco, sem picos de calor, o que levou as condições ideais para a maturação. A formação da uva foi uniforme e a pele desta casta resistiu aos efeitos da chuva e deu origem excelentes vinhos. Por outro lado, a variedade Touriga Franca, que prefere altas temperaturas e tempo seco, não estava no seu melhor nesta época de chuva. No entanto, os vinhos feitos no início da vindima de 2014, quando não havia chuva, são de boa qualidade.

2014 também foi um bom ano para os vinhos brancos, porque, na opinião de Luís Sottomayor, foi um ano que promoveu boa acidez e expressão aromática, o que resultou nalguns vinhos elegantes. No entanto, a quantidade foi um pouco menos do que no ano anterior, em especial nas áreas mais altas. ”

Contactos
Rua 5 de Outubro, 4527
4430-852 Avintes
Portugal
Tel: (+351) 227-838 104
Fax: (+351) 227-835 769
E-Mail: info@sograpevinhos.com
Website: www.sograpevinhos.com

Partilhe:
About Sarah Ahmed
Wine Writer Blend | All About Wine

Leave a Reply

Your email address will not be published.