Posts By : João Pedro Carvalho

Uma boa escolha para do dia-a-dia

Texto João Pedro de Carvalho

Por vezes com a vontade de escrever sobre as novidades que entram no mercado ou sobre os inúmeros vinhos que fazem as nossas delícias, acabamos por esquecer e deixar de lado aqueles que no dia-a-dia nos fazem companhia à refeição. São os vinhos que bebemos em casa de forma completamente descomprometida, apenas porque nos apetece beber um simples copo à refeição, e que no caso dos brancos temos sempre uma garrafa pronta a abrir colocada no frio. São estes fiéis amigos que raramente têm um lugar de destaque perante tanta novidade e marca na ribalta. Um desses vinhos que me tem acompanhado ao longo da última década, ainda que com altos e baixos entre colheitas, tem sido o Adega de Pegões Colheita Selecionada branco.

Adega de Pegões Colheita Selecionada white Photo by João Pedro de Carvalho | All Rights Reserved

Adega de Pegões Colheita Selecionada branco
Foto de João Pedro de Carvalho | Todos os Direitos Reservados

Comprei este branco de 2013 no supermercado com um preço bem aliciante uma vez que não chega aos 3€, o lote teve ajustes e viu a certa altura a Pinot Blanc ser substituída pela Verdelho, de resto continua o blend de Arinto, Chardonnay e Antão Vaz, dos solos de areia da região de Pegões onde a respectiva Adega Cooperativa está localizada. Fermenta em barrica de carvalho francês onde estagia durante quatro meses com direito a batonage. A relação entre aquilo que custa e a satisfação que proporciona é elevada, ficando por vezes a pensar quantos vinhos de custo muito superior me deixaram renitente ou até defraudado com o tanto que custaram e o tão pouco que mostraram.

Um branco que acompanha bem pratos de carnes brancas ou peixe, mostra notas de fruta bem fresca por entre o tropical e frutos de pomar, ligeiro vegetal também fresco num conjunto a mostrar boa harmonia entre madeira e fruta, muito certinho com toque de ligeira baunilha que o envolve. Estrutura mediana com frescura, bem afinado, sente-se a fruta madura embalada por sensação de alguma cremosidade a meio do palato, final médio.

Contactos
Cooperativa Agrícola Sto. Isidro de Pegões
Rua Pereira Caldas nº 1
2985-158 PEGÕES VELHOS
Tel: (+351) 265 898 860
Fax: (+351) 265 898 865
E-mail: geral@cooppegoes.pt
Site: www.cooppegoes.pt

D’Avillez Garrafeira 1995

Texto João Pedro de Carvalho

Em 1369 a família Avillez radicou-se em Portalegre, instituindo diversos morgadios. A partir de 1980, Jorge D’Avillez reestruturou as vinhas respeitando as castas tradicionais na região, e a vinificação passou a ser feita numa nova adega, na Quinta da Cabaça, de acordo com a moderna tecnologia. Em 1990 com a enologia da empresa José Maria da Fonseca, nascem as marcas D´Avillez e Morgado do Reguengo, os Garrafeira foram durante uma década símbolos do melhor que se produziu na região, tendo por direito próprio lugar entre os grandes vinhos criados em Portugal.

O último exemplar terá sido o Garrafeira 2000, já longe das performances dos seus antecessores, a estocada final foi dada com a venda da Quinta da Cabaça em 2005 para a Adega Cooperativa de Portalegre. A marca ficou no limbo, surgindo agora pelas mãos da Herdade dos Muachos, não tendo qualquer ligação com aquilo que foi no passado.

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D’Avillez Garrafeira 1995 – Foto de João Pedro de Carvalho | Todos os Direitos Reservados

 

Este D´Avillez Garrafeira 1995 é um verdadeiro monumento, um daqueles vinhos arrebatadores e que nos mostra de forma clara o motivo pelo qual Portalegre é considerado um região com condições únicas para a produção de grandes vinhos. Nos 1,3 ha de vinha situada em solo xistoso, nasceu de um lote composto por Trincadeira (50%), Aragonês (35%) e Tinta Francesa (15%). Nos primeiros anos após lançamento no mercado, o vinho era compacto e austero, duro, com tudo ainda muito fechado e escondido. O tempo que passou por ele foi sabiamente lapidando este diamante.

O que se destaca é a frescura que abraça todo o conjunto, tudo muito limpo e no mesmo patamar qualitativo, mostrando uma invejável harmonia de aromas e sabores. Fina e delicada complexidade, ervas aromáticas, fruta madura que quase se trinca (cereja, morango), leve ponta de licor com fundo terroso e especiado, Conquista a cada gole, puro deleite, profundo e delicado, um vinho adulto em plena forma, ombreando sem problema com o que de melhor se faz lá por fora.

O branco dos Druidas

Texto João Pedro de Carvalho

A figura do Druida, associada à mitologia Celta, detinha o saber das palavras e da escrita, tal como da cura, especialista nas práticas de magia, sacrifício e augúrio, baseado numa filosofia natural, procurava buscar o equilíbrio, ligando a vida pessoal à fonte espiritual presente na Natureza. Tendo como princípio esse mesmo respeito e ligação com a natureza e acima de tudo uma forte ligação à terra, surge este projeto de dois enólogos, Nuno do Ó e João Corrêa. Escolheram o Dão e a casta Encruzado com a vontade de criar um branco de topo, nascido de uma vinha com 40 anos de idade situada a 500 metros de altitude na Quinta da Turquide, ali bem perto da Serra da Estrela. Um projecto minimalista onde as produções são sempre muito limitadas como no exemplo do Druida tinto cuja produção se limitou a apenas 500 garrafas.

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Druida Encruzado Reserva 2012 branco – Photo by João Pedro de Carvalho | All Rights Reserved

O Druida Reserva branco 2012 seguiu o seu percurso de forma natural, fermentando usando apenas leveduras autóctones e meditou em barricas de carvalho francês durante nove meses. Tal como a casta, o vinho é de caracter bem vincado, teimoso, envergonhado, diga-se de passagem que por vezes assume uma faceta de polimorfo tal e qual o Druida. A Encruzado é uma casta que precisa de tempo para se acomodar e poder então sim mostrar todo o seu esplendor, neste caso o vinho está ainda em crescimento precisando um pouco mais de paciência. A prova que dá neste momento coloca lado a lado uma complexidade ainda em fase de construção suportada por uma belíssima dose de frescura. A austeridade mineral ainda domina a fruta, tudo com uma madeira que surge com grande subtileza, num conjunto qual riacho pleno de frescura, com margens floridas, vai quebrando a pedra, lavando a fruta de pendor citrino, numa prova que nos transporta para o dito local com a Serra da Estrela em pano de fundo.

Contacts

Madeira the Mid-Atlantic Wine by Alex Liddell

Texto João Pedro de Carvalho

Fruto da minha recente visita à Madeira, senti a necessidade de aprofundar os meus conhecimentos um pouco mais e decidi comprar a segunda edição daquele que é considerado por muitos (eu incluído) o melhor guia sobre o fascinante mundo que envolve o Vinho Madeira. Um livro fascinante escrito por Alex Liddell, um reconhecido especialista no que a Vinho da Madeira diz respeito, editado pela primeira vez em 1986 e estava literalmente esgotado e que felizmente passados quase 30 anos lança a segunda e tão aguardada edição do seu Madeira the Mid-Atlantic Wine.

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Madeira the Mid-Atlantic Wine by Alex Liddell – Foto de João Pedro de Carvalho | Todos os Direitos Reservados

Um trabalho extremamente bem organizado num total de seis capítulos onde o autor começa por contar a história da Madeira, desde os primórdios do vinho até aos dias de hoje, aborda desde os solos, castas, vinhas, viticultura, vinificação, colocando ao dispor os mais variados mapas e quadros de estatísticas, pelo meio deixa algumas detalhadas notas de prova tal como uma ampla e histórica abordagem sobre os principais produtores, num livro que sofreu as necessárias atualizações face aos trinta anos que passaram desde a primeira edição.

É um livro técnico que está muito longe de ser enfadonho, até pela capa bem colorida, correspondendo ao que se deve encontrar neste tipo de livros, um profundo conhecimento que neste caso o autor demonstra com toda a sua paixão e sabedoria numa escrita que cativa a ler mais e mais, transmitindo valiosa informação a cada página que se vai virando. Indicado para todos aqueles que procuram ficar a saber tudo sobre o Vinho Madeira, tornando-se desta forma imprescindível na biblioteca de todos os enófilos.

A Vinha das Romãs

Texto João Pedro de Carvalho

No Monte da Ravasqueira (Arraiolos) decidiu-se em 2002 arrancar um conjunto de romãzeiras que ocupavam um área de cinco hectares para ali se plantar vinha, mais propriamente Syrah e Touriga Franca. Aquela vinha passou a chamar-se a Vinha das Romãs e cedo ganhou protagonismo pela qualidade destacada dos vinhos a que dá origem, revelando uma concentração e um nível de maturação único em toda a área de vinha do Monte da Ravasqueira.

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Vinha das Romãs 2011 & Carne de Porco à Portuguesa – Foto de João Pedro de Carvalho | Todos os Direitos Reservados

É por isso mesmo um “single vineyard”, “monopole”, “vino de pago”, onde o terroir imprime características diferenciadoras e únicas. Aqui o que se procura é o equilíbrio perfeito entre as duas castas, isolando a cada colheita as melhores zonas de cada casta que melhor transmitem a singularidade do local.

Este 2011 é o melhor Vinha das Romãs até à data, conta com Syrah (70%) e Touriga Franca (30%) num perfil claramente Alentejano em que se conjuga frescura e uma qualidade da fruta bastante acima da média. Limpo, boa complexidade com a barrica onde passou vinte meses muito bem integrada num conjunto harmonioso, baunilha e muita fruta negra bem redonda e gulosa, regaliz, especiarias com uma frescura que tantos dizem não fazer parte dos vinhos do Alentejo, como andam enganados. Um belíssimo vinho do Alentejo, que sabe bem, que dá muito prazer ao ser bebido, corpo mediano com muita fruta a explodir de sabor, taninos a conferir algum nervo ao conjunto que se mostra muito envolvente, longo e prazenteiro.

Contacts
Monte da Ravasqueira
7040-121 ARRAIOLOS
Tel: (+351) 266 490 200
Fax: (+351) 266 490 219
E-mail: ravasqueira@ravasqueira.com
Site: www.ravasqueira.com

Domini Plus 2011

Texto João Pedro de Carvalho

Em 2000, a José Maria da Fonseca (Azeitão) fez uma parceria com um grande nome do Douro, Cristiano van Zeller, de onde nasceu a gama Domini e Domini Plus. A parceria acaba em 2005, no entanto, a empresa de Azeitão adquiriu a Quinta de Mós (Douro Superior) num total de 15 hectares de vinha e hoje é Domingos Soares Franco quem assume a total responsabilidade enológica dos vinhos.

O vinho em causa é o mais recente lançamento correspondente à colheita 2011, onde brilham as castas Touriga Francesa, Tinta Roriz e Touriga Nacional.

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Domini Plus 2011 – Foto de João Pedro de Carvalho | Todos os Direitos Reservados

O primeiro vinho, direi o mais acessível e de algum modo também o mais simples, é o Domini, um vinho bem-educado nos modos como se apresenta, com todas as qualidades muito simplificadas, sem grande complexidade muito focado na fruta e sem desvios do perfil da região.

O topo de gama, o Domini Plus, segue as pisadas dos Super Premium da empresa pela destacada qualidade da fruta assente numa complexidade e visão muito própria de cada região de onde são oriundos. A qualidade aqui é bastante alta, um vinho com fruta madura, muito limpa e rechonchuda (amora, mirtilo, framboesa), a mostrar-se muito pronto a beber embora com uma estrutura a prometer boa longevidade na garrafa, madeira bem integrada, toque balsâmico, especiaria, uma complexidade cativante e aconchegante, fresco e com boa intensidade. Palato com fruta bem presente, saboroso numa passagem prazenteira, grande harmonia num conjunto complexo, especiaria, esteva, num vinho de grande qualidade.

Contactos
José Maria da Fonseca
Quinta da Bassaqueira – Estrada Nacional 10
2925-542 Vila Nogueira de Azeitão
Setúbal, Portugal
Tel: (+351) 212 197 500
E-mail: info@jmf.pt
Site: www.jmf.pt

Bacalhôa Moscatel de Setúbal Superior 2001

Texto João Pedro de Carvalho

A história da Bacalhôa Vinhos de Portugal começou em 1922 com a fundação da João Pires & Filhos, Lda., mas apenas nos anos setenta com a entrada de António d’ Avillez para o comando a empresa começaria a engarrafar as suas próprias marcas, corria o ano de 1982 e a enologia estava a cargo da ainda hoje enóloga da casa, Filipa Tomaz da Costa. Foi nessa altura que surgiram marcas de renome como o Quinta da Bacalhoa, Má Partilha, Catarina e Cova da Ursa. Os moscatéis dariam em 1983 o pontapé de saída e desde cedo ganharam fama face à qualidade e acima de tudo a consistência apresentada colheita após colheita sempre com um preço demasiado aliciante.

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Bacalhôa Moscatel de Setúbal Superior 2001 & Fritos de Natal – Foto de João Pedro de Carvalho | Todos os Direitos Reservados

Um desses exemplos mais recentes é este excelente Bacalhoa Moscatel de Setúbal Superior 2001, um vinho que passou oito anos em barricas usadas no envelhecimento de whisky de malte. O designativo Superior é atribuído a vinhos com um mínimo de cinco anos de idade e que tenham obtido na câmara de provadores a classificação de qualidade destacada. Relembro que este vinho se encontra em grande superfície comercial com preço a rondar os 15€, uma verdadeira tentação face à qualidade.

No primeiro impacto destaca-se a frescura do conjunto, muito bem delineado e apelativo, rico e complexo, com a flor de laranjeira e a sua geleia laranja amarga, muita fruta em passa com figo, damasco, frutos secos, ligeiro ranço, tudo numa bonita complexidade que o envolve. Boca harmoniosa, sente-se de imediato o toque de laranja, ranço, muita frescura com corpo envolvente, untuoso com nozes caramelizadas e geleia de laranja amarga em fundo persistente e bastante saboroso. Companheiro perfeito para sobremesa de chocolate com laranja.

Contactos
Bacalhôa Vinhos de Portugal
Estrada Nacional 10
Vila Nogueira de Azeitão
2925-901 Azeitão
Portugal
Tel: (+351) 21 219 80 60
Fax: (+351) 21 219 80 66
Email: info@bacalhoa.pt
Site: www.bacalhoa.com

J.Faria & Filhos, no reino da Tinta Negra

Texto João Pedro de Carvalho

De forte implementação no mercado regional da Madeira, a J. Faria & Filhos, Lda. apenas começou a comercializar Vinho Madeira em 1993, apesar de ter sido fundada em 1949 onde a principal actividade era o fabrico de licores tradicionais e concentrados de frutos. Com o crescimento do mercado regional a empresa alargou o leque de produtos passando a comercializar licores, Aguardente de Cana-de-açúcar (Rum da Madeira), Brandy, Vinhos da Madeira e Concentrados de frutos.

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J. Faria & Filhos, Lda. © Blend All About Wine, Lda.

A produção de Vinho Madeira na J. Faria & Filhos tem como base a casta Tinta Negra, que dá origem a uma alargada gama de vinhos com destaque para os 5 e 10 anos. Numa visão geral são vinhos feitos para agradar e que se encontram facilmente na grande distribuição. Um produtor que se pode dizer recente e sem toda a carga histórica a que estamos acostumados noutros lados, resta apenas indicar os dois vinhos que mais se destacaram em toda a prova.

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5 anos Meio Doce © Blend All About Wine, Lda.

5 anos Meio Doce
O mais equilibrado da gama dos 5 anos, com ligeiro crescimento no copo, consensual, muitas tâmaras e notas de bolo de mel, ligeira frescura em fundo a aguentar o conjunto. Na boca mantém a mesma prestação, simples e direto, ligeira complexidade num conjunto simples e descomplicado.

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10 anos Seco © Blend All About Wine, Lda.

10 anos Seco
Foi o vinho que mais gostei da prova, novamente os tons da Tinta Negra a marcarem presença embora o conjunto mostre um pouco mais de complexidade e uma maior frescura, com notas de fruto seco, ligeiramente salgado, num final médio.

Contactos
Travessa do Tanque, 85/87
9020-258 Funchal
Tel: +351 291 742 935
Fax: +351 291 742 255
E-mail: info@jfariaefilhos.pt
Site: www.jfariaefilhos.pt

Blandy, uma dinastia ligada ao vinho Madeira

Texto João Pedro de Carvalho

A história deste produtor começa com a chegada de John Blandy à Madeira, são dois séculos de uma dinastia de comerciantes cuja importante ligação ao mundo do Vinho da Madeira começa com o estabelecimento da firma em 1811 começando nesse ano como exportador de vinhos. Compra a propriedade onde hoje se encontra a Antiga Adega no Funchal – Blandy Wine Lodges. Após o declínio das exportações por causa das devastadoras pragas, primeiro o Oidium Tuckeri em 1851 e em segundo a Phylloxera em 1872, surge da união de várias empresas exportadoras a Madeira Wine Association em 1913 com objetivo de alivar os custos que envolviam todo o negócio. Foi nessa altura em que muitas dessas empresas não conseguiram resistir aos tempos menos favoráveis e acabaram por encerrar portas, vendendo os stocks à Blandy’s. Em 1925, a Blandy’s juntou-se à M.W.A. que sobreviveu até 1986, ano em que se torna a Madeira Wine Company SA.

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Blandy Wine Lodges © Blend All About Wine, Lda.

Uma história notável de uma família que teve um papel muito importante no desenvolvimento do vinho Madeira, expandindo os seus negócios para a atividade bancária, seguros, reparação de navios… Duzentos anos depois a Blandy continua uma empresa familiar onde Michael e Chris são a 6ª e 7ª geração a trabalhar no negócio.

Se noutro artigo tinha afirmado que os vinhos da Henriques & Henriques foram os primeiros grandes vinhos da Madeira que tive oportunidade de beber, os Blandy foram sem dúvida alguma aqueles que cimentaram o gosto e todo o meu entusiasmo pelo vinho Madeira ao longo dos anos enquanto enófilo. Foi um daqueles momentos muito especial o que envolveu a visita à Blandy no Funchal, realmente só o poder estar sentado naquela fantástica sala de provas vale uma ida à Madeira. A prova ficou a cargo daquele que é um dos grandes da enologia mundial, Francisco Albuquerque, e foi todo um privilégio poder ter ali uma grande lição sobre o vinho Madeira com prova incluída.

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Francisco Albuquerque © Blend All About Wine, Lda.

Não deixa de ser interessante que o vinho Madeira é um vinho que se alimenta de tempo, precisa de tempo para crescer, não de meses nem dias, mas de anos e quantos mais anos passarem mais complexidade ele ganha, mais mágico se torna. Os destaques como não podia deixar de ser, vão para alguns dos Vintage/Frasqueira provados:

Blandy’s Malmsey 1988
Um dos grandes vinhos que tive oportunidade de provar foi o Malmsey 1988, passou em cascos cerca de 25 anos até serem lançadas em 2013 cerca de 1600 garrafas no mercado. Destaca-se pela frescura e finesse do conjunto, pelo incrível detalhe e precisão com que nos apresenta um conjunto de aromas muito bem definidos. Enorme na complexidade e equilíbrio, no imediato a laranja cristalizada a marcar pontos, figo, tâmaras, tabaco, muita especiaria, flores com fruto seco no fundo, o vinho desdobra-se em camadas. Conquista o palato com muita classe, toque de caril seguido de passas, novamente a passa de figo com nozes em destaque que quase se trinca, numa completa harmonia com o que encontramos no nariz, grande equilíbrio entre acidez/fruta/doçura.

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Sala de provas de vinhos Frasqueira da Blandy’s © Blend All About Wine, Lda.

 

Blandy’s Terrantez 1976
E como já vem sendo hábito o que aqui se destaca novamente é a enorme elegância de todo o conjunto, este trabalho tão preciso de alta relojoaria é a marca da casa. Neste caso um Terrantez de 1976, que se mostrou bem mais elegante que o Terrantez 1977 colocado lado a lado na prova. A complexidade neste vinho é tremenda, tudo muito delicado mas profundo e muito complexo, com notas de caril em conjunto com chocolate e raspas de laranja, tâmaras, ligeiro balsâmico, caramelo torrado, nozes, tudo embrulhado numa grandiosa acidez que se junta ao aroma de móvel velho encerado. Na boca é um monstro muito bem-educado, entra ligeiramente doce para depois ser arrebatador pela frescura que invade todo o palato, renova as sensações do nariz, tem aquele toque agridoce que vai lavrando a língua até final em perfeita harmonia com a fruta e a acidez.

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Blandy’s Verdelho 1973 Garrafa de Amostra © Blend All About Wine, Lda.

Blandy’s Verdelho 1973
O exemplo perfeito de que o vinho da Madeira precisa e pede tempo é o do vinho que se segue, um Verdelho 1973 que apenas vai ser lançado agora no mercado. O vinho é mais um caso sério desta casa, contido de início mas muita complexidade, vem por finas camadas, charuto, maracujá, frescura e vivacidade dos aromas num conjunto com muita harmonia. A vivacidade dos aromas destaca-se, conjunto muito marcante no palato pela secura com um misto de untuosidade/doçura muito ligeira que lhe confere uma outra dimensão, colocando este Verdelho na galeria dos grandes desta casa.

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Blandy’s Bual 1920 © Blend All About Wine, Lda.

Blandy’s Bual 1920
É um vinho arrebatador a todos os níveis, complicado descrever tanta emoção enclausurada numa garrafa sempre que o tenho à minha frente, no copo ou na garrafa. Aqui o campeonato é o mais alto possível, este Bual 1920 tem a capacidade rara de nos conseguir calar. Podemos estar de conversa mas quando chega a vez deste 1920 as pessoas ficam caladas, olham, cheiram o copo… pausa, voltam a rodopiar cheiram novamente com um sorriso e depois começam a divagar. O bouquet é qualquer coisa de fantástico, concentrado, fresco, pecaminoso e novamente de enorme elegância, começa com toque de laca, abre e depois dá lugar à festa, toffee, nozes, caixa de charutos, aromas envoltos numa capa fresca e ligeiramente untuoso repleto de tâmaras, figos, fruta cristalizada. Tudo isto passa para o palato, entra cheio de vontade, untuoso, guloso para depois se mostrar com grande elegância, frescura e um final muito longo e persistente. Inesquecível.

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Blandy’s Verdelho 1887 © Blend All About Wine, Lda.

Blandy’s Verdelho 1887
Em 2011 foi identificado um Verdelho que estava colocado em demijohn de 50 litros, um Verdelho 1887 que acabaria por ser engarrafado em 2013. Destaca-se no imediato pela sua tonalidade, com aqueles lindos rebordos verde-esmeralda a indicarem uma idade de respeito. No aroma a festa é grande, começa por um toque de laca, depois serena e desperta para a sua plenitude, toque de madeira velha com fruta cristalizada, bolo inglês, figo e maçã em tarte, num sem fim de aromas que o envolvem num turbilhão de emoções. Boca arrebatadora, largo, profundo, denso e misterioso. Muito boa presença de fruta ao nível do nariz, ainda limpa e fresca, estamos a falar de um vinho de 1887, complementa-se com notas de caramelo, raspas de casca de laranja, grão de café verde num misto que combina o toque ligeiramente doce e frutado de início para terminar seco e untuoso no final.

Contactos
Blandy’s Wine Lodge
Avenida Arriaga 28,
9000-064 Funchal,
Madeira – Portugal
Tel.: (+351) 291740 110
Fax: (+351) 291 740111
Site: www.blandys.com

Henriques & Henriques

Texto João Pedro de Carvalho

Durante muitos anos a família Henriques foi a maior proprietária vinícola da ilha da Madeira, com as primeiras vinhas plantadas por ordem do Infante D. Henrique no ano de 1425. Daquela que foi uma tradição familiar passou a empresa fundada em 1850 pelas mãos de João Gonçalves Henriques. Após a sua morte em 1912, foi criada entre os seus dois filhos, Francisco Eduardo e João Joaquim Henriques, uma sociedade que deu origem ao nome Henriques & Henriques.

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Henriques & Henriques Wine Lodge & Shop © Blend All About Wine, Lda.

Em 1968, com a morte do último Henriques, João Joaquim Henriques, conhecido por “João de Belém”, que não tendo descendentes fez com que a empresa fosse herdada pelos seus três amigos e colaboradores: Alberto Nascimento Jardim, Peter Cossart (que fez 53 vindimas na companhia) e Carlos Nunes Pereira. Em Junho de 1992, é feito um avultado investimento na construção de novas instalações em Câmara de Lobos e um novo centro de vinificação na Quinta Grande, onde em 1995 se planta um novo vinhedo, 10 hectares, sendo dos poucos produtores de vinho da Madeira que possui vinhas próprias. Foi o filho de Peter Cossart, John Cossart, que deu seguimento à gestão da empresa mas que acabaria por falecer em 2008. Num passado recente a multinacional francesa La Martiniquaise (dona da Justino’s Madeira) tornou-se sócio maioritário da H&H, passando desta forma a controlar cerca de 70% da produção total do Vinho da Madeira, mantendo-se o Dr. Humberto Jardim como C.E.O.

Alguns dos mais antigos vinhos da Henriques & Henriques, fazem parte do lote dos primeiros grandes Madeira que tive a oportunidade de provar e que me despertaram o interesse pelo Vinho da Madeira, por curiosidade eram todos Boal como por exemplo o Old Wine Boal 1887, Solera Boal 1898 ou o Reserva Velhíssima W.S. Boal que faz parte de um quarteto de sonho cujas diminutas quantidades já não permitem que sejam colocados em prova.

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Barricas de “Canteiro” Henriques & Henriques © Blend All About Wine, Lda.

Após a visita tive oportunidade e provar vários vinhos, destaque rápido para o descomprometido Monte Seco Extra Dry 3 Anos, feito a partir da casta Tinta Negra, cheio de retoques a lembrar um Fino de Jerez sem aquele característico toque da “flor” e que nos sugere um vinho ideal para acompanhar entradas, com uma abordagem simples, directo e bastante seco. Outros vinhos da Henriques & Henriques já foram devidamente abordados no artigo anterior da Olga Cardoso.

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H&H Verdelho 20 Anos © Blend All About Wine, Lda.

H&H Verdelho 20 Anos
Os Madeira 20 Anos são recentes no mercado, têm a particularidade de as quantidades serem reduzidas e o lote ir variando, por isso alguns são mesmo edições exclusivas e irrepetíveis. Neste caso é um Verdelho, casta que tem a particularidade de conseguir manter durante muito tempo os seus aromas e sabores frutados, algo que se destaca e bem neste vinho de muito bom recorte. Frutos tropicais com maracujá bem fresco, ananás em calda, especiarias, madeira velha, laca, melado, complexo a mostrar harmonia entre concentração e frescura. Boca a condizer, acidez bem presente com sabor inicial a fruta, abrindo depois num conjunto untuoso e com boa concentração, algum fruto seco a complementar, final longo e persistente.

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H&H Century Malmsey Solera 1900 © Blend All About Wine, Lda.

H&H Century Malmsey Solera 1900

Um dos vinhos emblemáticos deste produtor, perde-se no tempo a idade da Solera que lhe deu origem, remonta certamente ao séc XIX e o resto são detalhes que apenas enriquecem e aguçam a vontade de o ter no copo e contemplar o precioso líquido. Um vinho que transborda na complexidade, madeira antiga das barricas, frutos secos, passas de figo com nozes, mel, nariz de aconchego pela sensação de untuosidade e ao mesmo tempo de frescura. Caixa de charutos, desdobra-se como que por finas camadas de aromas e sabores, boca de veludo marcada pela frescura, concentração e uma tremenda elegância. Há vinhos que não se esquecem e este é certamente um deles.

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H&H Verdelho Reserva Ribeiro Real N.V. © Blend All About Wine, Lda.

H&H Verdelho Reserva Ribeiro Real N.V.
Este vinho e o momento que envolveu a sua prova, são a essência do que é o mundo do Vinho da Madeira, algo único, arrebatador e direi mesmo impossível de acontecer em qualquer outra parte do mundo. Para tal basta ter em conta que a responsável pela prova em mais de 19 anos a trabalhar na H&H nunca tinha sequer provado o dito cujo tal a sua raridade. Perde-se no tempo o registo capaz de nos dizer com precisão a sua idade, embora tudo aponte para a metade do século 19. Proveniente de vinhas localizadas na zona conhecida pelo Ribeiro Real, os mais de cinquenta anos que passou em Canteiro tornaram-no concentrado, glicérico, deram-lhe um refinadíssimo e profundo bouquet, ao olhar é percetível aquela bonita coroa esverdeada. O resto é um monumento à casta Verdelho, engarrafado em 1957, com aroma da madeira velha onde morou, laca, toques de laranja/toranja cristalizada, iodo, muita frescura e elegância num conjunto profundo e misterioso. Boca em perfeita sintonia, meio seco, saboroso com a concentração a ser compensada pelo arrasto mineral acompanhado por uma acidez que revitaliza o palato, repete o toque de toranja bem no final da boca. Inesquecível.

Contactos
Sítio de Belém 9300-138
Câmara de Lobos
Madeira – Portugal
Tel.: (+351) 291 941 551/2
Fax.: (+351) 291 941 590
E-mail: HeH@henriquesehenriques.pt
Site: www.henriquesehenriques.pt