Piparote na adega Bruno Prats na Fruta Mágica do Douro e Uma Vertical de Chryseia

Quando dei por mim estava a pensar em Oscar Wilde

Texto João Barbosa

Os portugueses desvalorizam o vinho e essa desconsideração é transversal a classes sociais e económicas. Indaguemos professores catedráticos, de ciências várias, acerca da hipótese de o vinho ser arte…

Já coloquei a questão diversas vezes e somei: o vinho pode ser alimento, negócio, produto indutor de alteração de estado de consciência e daí derivando para finalidade de dependência tóxica e doença aditiva, flagelo social e problema de saúde pública… arte, é que não – quase sempre.

Como só faz falta quem cá está e só é sábio quem pensa e se permite pensar, deixo-os na paz das academias. Dedico-me à afirmação de que o vinho é uma peça de teatro!

Todas as representações têm o mesmo texto de base, o elenco, o cenário e… nunca é o mesmo. E se acrescentarmos mais elementos – época, sociedade, companhia dramática – maiores serão as disparidades.

Vou contar uma experiência – extrema – que certamente a maioria dos enófilos já experimentou: abrir garrafas iguais duma colheita antiga. Lembro-me duma em que se desrolharam cinco garrafas «iguais», em que três estavam magníficas e diferenciadas, outra cansada e a quinta estragada. Desde esse ano de 1955 que a sua vida foi igual… todavia… porém… contudo… no entanto… mas…

Gosto muito de Camões e das suas sabedorias!

Os marinheiros que presenciaram um fenómeno eléctrico e meteorológico eram desmentidos por quem nunca sentira a água salgada na pele, agarrados aos calhamaços das certezas. Luís de Camões, na sua descrição da viagem de Vasco da Gama para a Índia, presencia o fogo-de-santelmo, descreve-o e desafia:

“– Vejam agora os sábios de escritura, que fenómenos são estes de natura.”

Envelhecer é uma arte, garante o cantautor Sérgio Godinho. É válido para os homens e para o vinho – uma peça de teatro em que os actores são bio-seres.

Há o encanto da juventude e o charme da experiência – como há também adolescentes alarves e idosos caquécticos e mal-humorados. Outro dia entristeci-me quando vi uma «amiga», com 46 anos, mais «jovem» do que quando tinha 17. A plástica correu-lhe bem, a ideia de a fazer tornou-a patética.

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O retrato de Dorian Gray in wikipedia.pt

O romance homo-erótico «O retrato de Dorian Gray», de Oscar Wilde – editado com censura em 1890 e em versão integral no ano seguinte – ocorre-me frequentemente quando penso em vinho com idade.

A beleza do sempre-jovem Dorian – que fez um pacto para se tornar eternamente jovial – contrastava com o envelhecimento e degradação do quadro, reflectindo a idade, o vício e a corrupção moral.

Quando o desejo me assalta para um vinho com idade, olho para a garrafa e imagino o único romance de Oscar Wilde. Que vinho ali viverá? O rótulo envelheceu na vez do vinho?

Nesta pequena fantasia não entram mais personagens, além de Dorian e seu corruptor; nem mesmo Basil Hallward, o artista que lhe apreendeu a beleza e o «entregou» ao hedonista Lorde Henry Wotton, que – como Fausto – o leva a cair… o único modo de nos livrarmos duma tentação é a ela nos entregarmos. O poeta usou o mesmo pensamento noutra vez: «Consigo resistir a tudo, menos a uma tentação».

Assim se traça o destino da garrafa de vinho velho ou de vinho antigo, o Dorian ou o seu retrato. Uns envelhecem e outros ganham charme. Citando novamente Sérgio Godinho: «Pode alguém ser quem não é»?

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