Cru: Os Vinhos de Luis Seabra Madeira

Pão com Presunto

Texto João Barbosa

Menino Carlitos, quanto são dois mais dois?

– São quatro, senhora professora.

O menino Carlitos cresceu, passaram a chamar-lhe Senhor Carlos (e apelido), e percebeu, num momento de proveitoso ócio, que dois mais dois podem não ser quatro. Chegou lá enquanto se deliciava com uma sandes de bom pão e excelente presunto.

Em gastronomia é frequente a matemática, no ramo da aritmética, não ser uma ciência exacta. A soma do pão, com o seu adocicado e um pouco acre, e do presunto, com o seu sal – simplificando: valem mais do que em separado.

A união faz a força… se não for desastrada. Entre o acerto e o desastre, as harmonizações do vinho (ou doutra bebida) com a comida são um jogo de prazer, de adivinhação e de conversa. Uns tenderão a juntar por afinidades e outros por disparidades. É como as relações amorosas:

– Que lindo casal, vivem juntos há 50 anos. Têm tanto em comum, que só poderia dar certo.

– Que lindo casal, vivem juntos há 50 anos. Se não fossem tão diferentes um do outro e certamente estariam divorciados no final do primeiro ano.

À vontade do freguês! Este desafio gastronómico enriquece culturalmente. Só por si, a comida pode ser apenas alimento. Vejo uma grande diferença entre comer e alimentar. Alimento-me para viver, já que não sou planta e, por isso, não realizo a fotossíntese. Como por prazer, tal como gosto de cinema, artes plásticas ou poesia. Vinho será apenas álcool se dele não tirarmos prazer da cor, aroma e paladar.

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Wine & Food in idealmagazine.co.uk

 

Confesso-me muito insensível à cor. Serve-me para perceber defeitos ou evolução, é instrumento de análise, é função e não forma. Não me embebedo com o rubi ou o âmbar. O mesmo não acontece com o aroma e o comportamento na boca.

Ainda assim, vinho não pode ser apenas vinho, ainda que gostando muito… um copo ao almoço, outro no final do dia de trabalho e um para o jantar… mais uns tantos numa festa – se conduzir, não beba.

O vinho tem de ser compreendido como um polígono. Se for visto apenas como vinho, para que interessam as condicionantes, naturais e humanas, que constituem o terroir? Dentro dum copo há, ou pode haver, história, literatura, música, memórias dum livro, lembranças de afectos.

Não gosto muito de me citar ou de palrar egocentricamente, mas aqui prefiro. Não sou dono de experiências alheias. E se quem divergir quiser tirar pagode, que o faça à minha custa – pois sou o dono da prosa – e não de alheios.

Um dia causei risota porque descrevi publicamente um vinho com uma identificação de lugar. Talvez pudesse enumerar um ramalhete diversificado, com algumas flores verdadeiras, outras induzidas, sugeridas, inventadas e de plástico. Era um vinho fantástico, de enorme complexidade. Aquele Vinho do Porto ficava em Óbidos, numa floreira enorme como uma floresta, pendendo na parede branca duma casa de regalo.

Outra vez defini um vinho com a palavra «Natal». Podia ter cantado uma ladainha: massa de bolo, frutos secos, fruta cristalizada, especiarias, blá, blá, blá… – oh tédio enfadonho! Sim, é um pleonasmo.

Quanto mais somarmos, maior será o resultado – exceptuando se escolhermos desgostos. Cada acrescento de história, antropologia e arte é mais do que a sua unidade. O resultado pode ser uma simples e sintética palavra… garanto, e bem que sou falador e vasto escrevinhador.

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