Texto João Barbosa
Neste Fevereiro brotou, com brutalidade, um retrato da actriz norte-americana que lhe rouba toda a sensualidade intensa e felina. Meu Deus! Quem foi o carniceiro que se tomou por cirurgião plástico?
A abominável figura resultou de efeitos especiais, um misto de luz, pouca sombra e uma maquilhagem de deplorável gosto. Uma Thurman, nascida nesse belíssimo ano de 1970 (!), com metro e 81, serve-me de muleta para o tema do vinho.
Ouvi a um enólogo espanhol que na sua profissão há os fruteiros e os carpinteiros. Ou seja, os que privilegiam a fruta e os preferem o trabalho com madeiras. Provavelmente, haverá mais famílias, mas estas duas categorias servem-me.
Tenho notado haver – entre enófilos, críticos e escritores de gastronomia – uma grande valorização da fruta. Em parte, parece-me bem, uma vez que o vinho não se faz doutra coisa que não de fruta.
Vários procedimentos podem esbater, maquilhar, mascarar ou esconder uma verdade. Estragar é sempre mais fácil do que consertar, sendo que os remendos nunca serão exactidão. Há desastres nas adegas – que esfrangalham o vinho como a maquilhagem da Uma Thurman – e há bóias salva-vidas; se tiver um vinho mau e tiver de o vender, possivelmente o enólogo terá de recorrer a base e rímel para criarem efeito especial. Enganará principiantes e tolos, mas não gente com currículo e sabedoria.
É fácil gostar-se de fruta – o que não é bom nem mau – e às vezes só não chega. Entram artifícios para que se realcem notas de produtos industriais de fácil gosto. Não digo que seja bom ou mau, depende de como se apresente e onde se apresente – se é para fruição pueril, em fato de banho ou menos do que isso num jacuzzi, tudo bem. Se é para valsar, calça de ganga não é vestimenta que se queira.
A defesa da fruta parece-me bem em parte, porque resumir vinho a fruta é uma chatice. O aborrecimento decorre abundantemente da vontade e necessidade do produtor fazer negócio. Nada a opor.
O que me custa é quando essa naturalidade da fruta, ou das flores, se transforma numa caricatura. A demanda torna-se insana (!) repetidamente. Reparei que vários produtores do Dão estão a apostar na touriga nacional e evidenciando-lhe os aromas de violeta.
Um caso concreto: tenho bebido caricaturas de vinho do Dão. Caricaturas de touriga nacional. Os vinhos não têm nada de errado, estão bem-feitos e honestos. Mas a ânsia de alcançar um Graal e o trabalho para realçar as características do que a natureza dá criam coisinhas muitíssimo feias.
É como o maquilhador de Uma Thurman: o técnico não estragou nada, está lá tudo e não acrescentou nada que não se pudesse retirar. Porém, a actriz ficou horrorosa!
Sinceramente, a fruta – a frutinha – cansa-me. Ouvir elogios à fruta é para mim tão emocionante como o resultado dum jogo de futebol-americano – que, na verdade, deveria chamar-se andebol-americano.
Fruta significa fruta e muitas vezes é tão aborrecida como um barrote de carvalho dentro dum copo. Não sou caruncho, não me alimento de madeira. Todavia, a madeira faz-me falta nos tintos. Só entendo os «unoaked» como princípio «filosófico» ou «ético» – exagerando – pois o prazer é fraco.
Apesar de tudo, branco e tinto não são a mesma coisa. Como resumiu uma amiga:
– Se é para cheirar e saber a maracujá, prefiro um sumo de maracujá.
Se eu produzisse vinho, contrataria um enólogo carpinteiro… mas dava-lhe pouco dinheiro para não poder comprar muitas barricas.
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