Texto João Barbosa
Começo este texto exactamente como comecei o anterior. Escrever acerca dum dos meus três vinhos portugueses favoritos é difícil pela preocupação do bom senso, prazer, memórias e qualidade intrínseca.
Gosto de certezas, incluindo a certeza da incerteza. Gosto que uma Coca-Cola seja uma Coca-Cola, sempre igual. Gosto da certeza da incerteza dos grandes vinhos: todas as colheitas são diferentes, porque não há anos de climatologia gémea. Mas que tenham um perfil comum e a qualidade que os torna príncipes. Os anos são o corpo e o perfil é o apelido.
A Herdade do Portocarro situa-se no litoral alentejano – território que está num sítio que burocracia muda de lugar. Bizarria não chamar alentejanos aos vinhos de Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém e Sines. Esta propriedade fica no Concelho Alcácer, zona mais conhecida pelos arrozais e pelos pinhais.
Se todos os vinhos da Herdade de Portocarro são merecedores de comentário elogioso, dois destacam-se: o Anima e o Cavalo Maluco. O primeiro por ser uma «desarrumação» que José Mota Capitão, o produtor, causou. O segundo porque… é o tal, um dos meus três tintos portugueses favoritos.
Nesta propriedade da Península de Setúbal, embora lá não esteja, fazem-se cinco tintos, um branco e um rosé. Não comento, por não ter provado os Alfaiate Branco 2013 (esgana-cão, galego-dourado, arinto e antão vaz) e o Autocarro Nº 27 2013 (aragonês, touriga nacional e cabernet sauvignon).
Os vinhos com a marca Herdade do Portocarro são inesperados. Não sei se os entendo. Nunca foram o que esperava. Não lhe vejo parecenças com outros da zona. Será o famoso terroir, personagem fugidia que surge do nada e desaparece e que tanta gente diz ter convívio?
O Herdade de Portocarro 2011 tem mineralidade e frescura de boca. Fez-se com as castas aragonês, touriga nacional e cabernet sauvignon. Encorpado, mas não bruto. É um lavrador na cidade.
Partilho com José Mota Capitão a admiração pela casta touriga franca. Torço o nariz a um possível passeio, em larga escala, da rainha das castas do Douro pelo país. Dos vinhos não durienses, só o Herdade de Portocarro Partage Touriga Franca 2008 me dá um prazer ao nível (dos do) da sua região berço. Confirmo que esta variedade precisa de amigos; a solo não me faz palpitar o coração. Vale, pelo menos, a experiência.
José Mota Capitão veio para a ribalta com o primeiro vinho em Portugal feito exclusivamente com a casta sangiovese – julgo que não minto, até talvez tenha sido pioneiro no seu plantio. Ano após anos, a italiana mostra-se sensual, mas não frágil. Sotaque italiano, mas não cidadania. É dali, de São Romão do Sado, Freguesia do Torrão, Concelho de Alcácer do Sal, (Distrito de Setúbal), («Península de Setúbal»), Alentejo Litoral. Aposto – mas não sei a resposta, porque não perguntei – que é a casta que partilha o maior afecto deste vitivinicultor.
Os Anima comprovam o princípio da incerteza. Saem sempre muito bem, têm os traços dos irmãos e o apelido. Não são clones nem gémeos. Comentar um determinado ano só faz tanto se comentar todos os outros. Conselho a quem puder… compre, saboreie e conclua.
O Tears of Anima 2014 é um rosé de sangiovese. Tem a vantagem da casta que outros não ousam, resultando em aromas mais próximos dos vinhos brancos – e dos frescos: citrinos, líchias e ameixas colhidas em momento adiantado. Tem o carácter que deviam ter «todos» os rosados: baixo teor alcoólico. Em Portugal valoriza-se muito a capacidade dos vinhos portugueses serem gastronómicos… é uma vantagem? Bebam este pelo prazer de conversar e descontrair da praia que nos tornou encarnados, pelo esquecimento de nos barrarmos com protector solar factor 20.000!
É momento do meu amor: Cavalo Maluco. Nome estranho! Tudo tem uma razão. Em menino, José Mota Capitão brincou – como em várias gerações – aos índios e cowboys. As crianças tendem a gostar dos vencedores … o miúdo que hoje faz vinho queria ser índio… talvez um dia venha o Touro Sentado!
O Cavalo Maluco 2011 é, possivelmente, o mais «doido» de todos. O ano foi grandioso e o chefe Lakota galopou. É filho de uvas de touriga franca, touriga nacional e petit verdot.
É melhor do que o anterior?! E do que o outro antes?! Sei lá, verdadeiramente. Acho que sim. O mesmo conselho a quem puder: compre, saboreie e conclua.
Carlos alves
Pela ideia aqui expressa leva me a pensar que todos os vinhos da região de Lisboa são todos produzidos no quintal da capital…