Miguel Laffan image A Santa Aliança dos Cheesburgers e Vinho do Porto

Viva a Crise!

Texto João Barbosa

A quem andam os bons produtores a vender o seu vinho? Ponto prévio: o que é isso de ser um bom produtor? Englobo neste universo aqueles que têm esmero, empenho e brio. Que têm um enólogo, residente ou não, consultor, ou não, que controla a produção, que tem equipamentos necessários.

Neste universo cabe muita gente, que faz vinho em todas as regiões, com diferentes estilos, com diversos preços. Oiço dizer, inúmeras vezes, que hoje não há vinho mau em Portugal… é mentira!

Se 95% do vinho vendido em Portugal custa abaixo de cinco euros, só por acaso inexplicável pode ter qualidade. Preço não traduz falta de qualidade, mas também não o seu oposto. O dilema com as médias é o dos frangos: comi um frango e tu não comeste. Entre os dois, comemos meio galináceo cada.

Os vinhos de um euro e picos desequilibram a média. É impossível ter rentabilidade com um produto feito com preceitos e vendê-lo a cêntimos – o euro e picos custa nas lojas. O país está carregado de gente, desde produtores individuais, empresas e cooperativas que fazem zurrapas. Algum desse vinho vai para destilação, não é chamado para as contas, outro é exportado para mercados da saudade e onde o padrão de exigência é baixo.

Coloco, exagerando, o limiar da qualidade nos três euros. Peço ao leitor enófilo que não vá a uma garrafeira, mas que dê uma volta pelas mercearias de bairro, por supermercados como o Minipreço, Pingo Doce ou Lidl e veja o que por lá se vende. Há muita oferta e, se perguntar ao um funcionário acerca de quantidade vendida e rotação, verá um mundo que pensa não existir.

Os portugueses não gostam de gastar dinheiro em vinho. É um produto menor, alimento dispensável… é como as mães: os miúdos gostam sempre mais do cão do que da mãe! Porquê? Porque a mãe está garantida. Tantas e tantas vezes só lhe damos valor quando é muito velhinha ou se libertou do corpo.

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Vinho © Blend All About Wine, Lda.

O enófilo questione os amigos, aqueles que bebem do vinho que leva para os convívios, quanto estão dispostos a gastar por uma garrafa. Refiro-me ao universo português e não ao grupo restrito de enófilos, beneficiários de enófilos e de quem tem euros disponíveis.

Mau vinho é o que há mais por aí. Infelizmente, o bag in box transformou-se no bad in box. A imagem não descola e quem se atrever a encher um saco com vinho razoável pode ter a certeza que dá cabo da reputação. As caixas vieram substituir o garrafão.

O enófilo que passeie não se fique pelas casas com enoturismo ou loja catita e minimamente cuidada. Procure o «vinho do produtor», aquele «purinho», talvez intoxicado com fitofármacos. Compre e beba! Faz bem, é educativo «calibrar o gosto».

Exemplos? O Vinho do Porto do Minipreço custa três euros e picos… acredita que é bom? Porém foi aprovado – uma vergonha absoluta. Ou marcas brancas do Lidl ou do Pingo Doce. À parte, o Continente tem vinho sem cadastro criminal.

Muitas zurrapas são fabricadas por produtores sérios. Porém, um contrato de muitos milhares e a cêntimos só se pode traduzir em sobras de sobras, refugo que poderia ir para queimar. Não se pode ter tudo! Se a cadeia de distribuição quer baratezas não pode esperar qualidade.

Num país que não valoriza o seu vinho – apesar de um vox pop concluir que temos o melhor do mundo – e não está disposto a pagar com justiça, a porta da rua é serventia da casa. Afirmo, categoricamente, que o melhor que aconteceu aos bons produtores foi a crise.

Se por cá, quem produz bem (muitíssimos) andava aos caídos, a roubar clientela em carrossel – levas-me o negócio e eu apanho o do outro –, a ser vigarizado por quem não paga, desde distribuidores a donos de restaurantes, a crise foi um Joker da Santa Casa, para alguns foi a taluda.

Pagam mais e pagam. Dá mais trabalho, tira horas de sono, mas há reconhecimento e gente disposta a pagar, e com justiça.

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