Texto João Barbosa
Linhas direitas ou linhas tortas? Arquitectura modernista ou barroca? No que respeita a vinho, gosto deles tortos, porque complexos. Acontece nos vinhos Foz Torto, de Abílio Tavares da Silva, cuja enologia é de Sandra Tavares da Silva (não são familiares).
Abílio Tavares da Silva, em 2004, deixou as suas empresas de informática, sediadas em Lisboa, e instalou-se no Douro. No ano seguinte comprou a Quinta de Foz Torto, junto à aldeia de Pinhão (sub-região de Cima Corgo), com 14 hectares. O Rio Torto é um pequeno curso fluvial, que nasce em Trancoso e desagua a pouco mais de 47,5 quilómetros, na margem esquerda do Douro.
É na foz dessa serpente de água onde está a quinta, que desde 2012 se mostra aos enófilos. Naturalmente, o ponto-de-fuga da perspectiva está próximo, mas os sinais são positivos: a vontade de Abílio Tavares da Silva revela o objectivo de alcançar um patamar de grande qualidade, a boa localização da propriedade e a competência de Sandra Tavares da Silva.
Bem, nasceram direitos, os Foz Torto. As mais recentes novidades reveladas são Foz Torto Tinto 2013, Foz Torto Vinhas Velhas Tinto 2013 e Foz Torto Vinhas Velhas Branco 2014. Há um traço identitário e as obrigatórias diferenças, reflexos da vontade e da natureza.
As uvas para o vinho branco vêm doutra propriedade, a montante no Douro, situada em Porrais (Murça), nos limites da delimitação da região. São provenientes de vinhas, com castas misturadas, onde se destacam a códega de larinho e a rabigato.
As uvas brancas foram esmagadas em prensa pneumática. A fermentação realizou-se, durante quatro semanas, em barricas de carvalho francês, onde estagiou por seis meses. É fino, elegante, sedutor, com falsa doçura. Tem força, mas não brutalidade.
O Foz Torto Tinto 2013 resulta dum lote de touriga nacional (40%), touriga franca (30%), tinta francisca (10%), tinta roriz (5%), alicante bouschet (5%), sousão (5%) e tinta barroca (5%). A fermentação fez-se em cuba durante oito dias. Depois, o vinho esteve 16 meses em barricas de carvalho, de segundo e terceiros anos, onde fez a fermentação maloláctica e o estágio. É um vinho que enche a boca, com gulodice que não sacia nem enjoa, onde sobressaem aromas e sabores frutados temperados pela madeira.
O Foz Torto Tinto Vinhas Velhas Tinto 2013 está no grupo dos melhores do Douro, onde o termo «vinhas velhas» significa umas boas décadas e o número de castas é de difícil contagem. Aqui, estão mais de 30 variedades. A fermentação demorou oito dias em cuba. O vinho fez a fermentação malolactica e estagiou em barricas de carvalho novo (30%) e antigo (70%).
A ficha técnica não diz, mas afirmo-o… reina a touriga franca e não a nacional. É a grande casta tinta do Douro, quiçá portuguesa, que só (ou quase) está bem quando acompanhada por outras. Este tinto tem a terra de xisto e o xisto, a secura da esteva e o perfume da cinza de madeira de azinheira. É volumoso na boca, longo e fundo, persistente. Para agora e para depois de amanhã. É o Douro dentro dum frasco.
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