Texto João Barbosa
A Revolução Agrícola permitiu à espécie humana prosperar. Posteriormente, veio domesticação de animais e convidou o gato a juntar-se à família. Impulsionou a escrita e a matemática, pela necessidade de criar inventários.
Por previsível acaso, nasceu a «agricultura inteligente», aquela em que o homem é interveniente além do trabalho de campo. Terá sido primeiro o pão e depois é provável que se tenha criado a cerveja – há quem afirme que foi o vinho, mas não creio.
O homem provou e gostou do resultado duma mistura de água e sementes de cevada, esquecidas ou negligenciadas num recipiente. Desse cereal terá experimentado outros ingredientes. Certo é (!) que foi o efeito do álcool, como indutor de alteração do estado de consciência, o impulsionador da fabricação dessas bebidas.
Até aqui está tudo bem, resumido até ao osso. Os dilemas nascem na dificuldade, quando a resposta não é óbvia – embora uma evidência possa estar errada. Um grande mistério, para mim, é o vinho tinto de Colares.
A região, situada na Área Metropolitana de Lisboa, tem registo antigo, mas ganhou nomeada no século XIX. Não é de estranhar, visto a praga da filoxera ter dizimado as vinhas europeias. O pulgão não sobrevive na areia e em Colares o chão é arenoso.
O vinho tinto de Colares é produzido à base da casta ramisco. Quando jovem é incrivelmente taninoso e há uns bons anos misturava-se-lhe, muitas vezes, vinho branco, sobretudo da casta malvasia de Colares.
A junção de tinto e branco tornaria tudo mais fácil. A modernidade «criou» a pressa. Os vinhos tinham um ciclo e todos o aceitavam. Bebiam-no jovem ou sabiam que tinham de aguardar para que alcançasse o zénite.
O escritor Eça de Queiroz era viajado e cosmopolita. O campo aborrecia-o tremendamente. Foi diplomata e conheceu a luz das cidades desenvolvidas europeias. Portugal era uma parvónia. A obra queirosiana está pejada de citações vínicas e os Colares são dos mais referidos – talvez os mais destacados.
Eça de Queiroz integrou um grupo de intelectuais, os «Vencidos da Vida», que introduziu luz na «aldeia» de Lisboa e o Realismo, como forma de arte e literatura. A «Geração do 70», outra designação do «clube», refeitava-se n’ «O Leão d’Ouro», junto à Estação do Rossio, em Lisboa. Ainda hoje existe. Nele, Columbano Bordalo Pinheiro pintou o mais famoso momento dessas tertúlias.
Cultivar as vinhas de Colares é doloroso, pois são rasteiras e obrigam a trabalho de cócoras ou ajoelhado… Isso não roubava o sono aos burgueses e aristocratas da Geração de 70 – o povo trabalhava duramente e lá estava, imóvel por gerações.
Mas importa este esforço. Vou fazer uma adição: ao trabalho doloroso nas vinhas somam-se (pelo menos) dez anos para que se comece a deixar beber… Só um resultado maravilhoso explica. Porém!…
Quem se lembrou de guardar vinho de Colares? Um doido alucinado! Um envenenador compulsivo! Um louco por vingança! Explico com uma alegada afirmação de Eça de Queiroz:
– Este vinho ou está estragado ou é Colares novo.
Quem faz vinho conhece o ciclo de evolução por que passa até chegar o momento de ser revelado. Porém, só um tresloucado guardaria uma gota de vinho de Colares acabado de nascer. Um anjo lhe terá soprado ao ouvido para que guardasse, pois um dia haveria de se beber com grande prazer.
Sou incondicional apreciador de vinho de Colares e a mordacidade de Eça de Queiroz é sublime… só quando provei um vinho novo, acabadinho de nascer, é que percebi o alcance da alegada afirmação do escritor.
Felizmente, já bebi até à colheita de 1911… e…
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