Texto Sarah Ahmed | Tradução Patrícia Leite
Temo-nos correspondido por e-mail. Já provei os seus vinhos. Até já estive várias vezes com o seu pai e com a sua mulher. E, finalmente, conheci Mateus Nicolau de Almeida no “Simplesmente Vinho” no Porto no mês passado. Na semana seguinte eu já estava de volta, numa visita à quinta da família no Douro Superior, de onde Mateus obtém parte das uvas para sua marca Muxagat e de onde também faz o vinho Quinta de Monte Xisto, em conjunto com o seu pai e o seu irmão (João Nicolau de Almeida sénior e júnior), o qual é comercializado pela sua irmã Mafalda Nicolau de Almeida. Parece que esta família do vinho funciona muito bem, porque o blend é muito harmonioso!
Photo by Sarah Ahmed / All Rights Reserved
João Nicolau de Almeida sénior tem o seu lugar na história do Douro como resultado do seu trabalho pioneiro na Quinta de Ervamoira da Ramos Pinto. Marcando o nascimento de uma nova era da viticultura no Douro, Ervamoira foi a primeira quinta do Douro a ser totalmente plantada com parcelas de castas únicas focadas no chamado “top cinco”, que o estudo-piloto de Nicolau de Almeida ajudou a identificar (as castas são Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Tinto Cão e Tinta Barroca). Foi também a primeira quinta a ser plantada de forma vertical (uma ruptura com a tradição de terraços de contornos horizontais).
Seguindo firmemente as pegadas do pai e do avô (o criador do Barca Velha, Fernando Nicolau de Almeida), Mateus está também a desbravar novos caminhos. Descrevendo-se como um “Douro Vigneron“, diz que a vida da cidade do Porto não é para ele. Vive efectivamente no Douro Superior, onde pode concentrar-se em tratar das suas vinhas e também fazer o vinho. Até mesmo o jardim da frente da casa onde vive com a mulher (Teresa Ameztoy, Enóloga da Ramos Pinto) é uma vinha! Diz que “não há uma cultura de vignerons no Douro – isso é muito recente. Posso contar pelos dedos de uma mão quantos enólogos vivem no Vale do Douro e não nas grandes cidades. Agora, está a começar a viver aqui uma nova geração”.
Mateus Nicolau de Almeida criou raízes no Douro Superior em 2003, no momento em que deu início ao projeto Muxagat. Adoptando a metodologia do avô para o Barca Velha (que o pai também tem usado com sucesso para a gama Duas Quintas da Ramos Pinto), Mateus obtém as uvas de vinhas velhas de várias castas situadas em altitudes mais elevadas, como Muxagata e Meda (entre 500-700 m), e ainda da Quinta do Monte Xisto que, a cerca de 300 m de altitude, é mais baixa e mais quente.
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Nas áreas da Quinta do Monte Xisto que não tinham sido previamente cultivadas, Mateus e os seus irmãos plantaram a vinha de forma biológica com sucesso. A vinha foi plantada entre 2005 e 2006 e está agora certificada como Biológica. Mateus explica que “a terra era virgem, por isso, não quisemos adicionar produtos químicos”. Apesar das dúvidas do pai sobre uma abordagem não-intervencionista (“o seu background é a mecanização”), Mateus estava preparado para ter a mente aberta e tem ficado muito feliz com os resultados. O orgulho e a alegria de Mateus no projecto familiar manifestam-se num sorriso de orelha-a-orelha quando partilhei com ele o comentário do pai de que aprendeu muito a trabalhar com os filhos. Mateus acrescenta que “somos de gerações diferentes, temos ideias e perspectivas diferentes, mas chegamos sempre à mesma conclusão [grandes uvas e grande vinho], mesmo que seja de uma forma diferente”.
Então, por que é que esta abordagem não-intervencionista provou ser tão bem-sucedida? Mateus afirma, entre outras coisas, que “as vinhas são como crianças – têm de sofrer, caso contrário ficam mimadas”. Ele diz que teria sido tudo muito fácil se tivéssemos aplicado herbicida quando a relva crescia entre as vinhas, mas a concorrência tem sido boa para as vinhas. Salienta ainda a importância de viver na região “porque demora muito tempo a compreender uma vinha. Vê-se os resultados daquilo que se faz num ano apenas cinco anos depois… é preciso falar com a Natureza e estar aqui todos os dias para a sentir e conectar-se com ela”. É por isso que, embora tenha adoptado algumas práticas biodinâmicas (por exemplo, o cultivo da vinha de acordo com os ritmos planetários e a aplicação da preparação 500/composto estrume de vaca), Mateus não contratou um consultor de Biodinâmica e não anda no encalço da Certificação Biodinâmica.
Está, no entanto, convencido da importância da biodiversidade “porque com a biodiversidade podemos chegar a um momento em que já não é preciso tratar a vinha; já tratamos a vinha cada vez menos”. E quando aplicam tratamentos ou tisanas, incluem ingredientes locais naturais, como por exemplo o eucalipto (um anti-séptico) e cactos “que agem como o aloe vera na pele”, protegendo as uvas do sol. Tendo testado uvas cultivadas com e sem os cactos, Mateus verificou que esta utilização torna os vinhos mais frescos (com um pH mais baixo) e leves (com um álcool inferior).
Em termos gerais, Mateus notou que, ao receber na adega as uvas das vinhas cuidadas por si pessoalmente, é como se já as conhecesse – “Eu sei o que vai acontecer”. É quase como se as próprias uvas fossem parte da família. Na verdade, eu diria que os vinhos são encantadores e provocantes, muitos parecidos com a família Nicola de Almeida. Aqui estão as minhas notas sobre os vinhos:
Muxagat MUX Branco 2012 (Douro)
Esta combinação de 80% Rabigato com outras castas (não especificadas das vinhas velhas) é muito mineral e tem uma frescura de estalar os lábios, com limões maduros, uma estrutura marcadamente cítrica e um toque de avelã esfumada no seu final longo e bem focado. Este vinho prensado pela gravidade é em parte envelhecido em cubas de betão subterrâneas e também em barricas de carvalho de 600 L. Muito bom – adoro a sua energia e o seu vigor.
Muxagat Os Xistos Altos Rabigato 2011 (Douro)
Este 100% Rabigato de uma vinha a 500 m de altitude teve dois anos de envelhecimento numa combinação de Foudres austríacos de 2000 L e fermentadores de betão em forma de ovo. É um vinho mais pedregoso, com mais textura e com uma ponta salgada num final longo e límpido. Menos directo e mais subtil do que o MUX, oferece-nos muito menos. Mas com mais estrutura terá tempo para desvendar os seus segredos. E eu acho que a espera vai valer a pena. Muito bom; decantar agora ou dar-lhe mais 6 meses a 1 ano.
Muxagat MUX Rosé 2012 (Douro)
Este é um rosé muito interessante – Estou tentada a dizer intelectual, mas se calhar isso é um exagero! Enfim, o que quero dizer é que ele tem poucas semelhanças com os vinhos rosados mais doces, baratos e alegres, para poder ser encontrado em qualquer loja ou supermercado. O que tem toda a lógica dado que MUX provém de uma vinha muito alta, a 700 m, e, por outro lado, é influenciado pelo tipo de rosés secos e muito saborosos que os amigos de Nicolau de Almeida do Sul de França gostam de beber num dia de verão (estou a pensar em Provence, Bandol, Tavel). Um lote de Tinto Cão e Tinta Barroca, fermentado e envelhecido em parte no tanque e também em barricas velhas, este vinho bege-rosado é cremoso, mas seco e redondo, com boa acidez, notas florais e de especiarias secas e um toque de chocolate no seu final persistente. Muito mais agradável do que parece!
Muxagat Tinta Barroca 2012 (Douro)
Para Mateus a chave deste Tinta Barroca surpreendentemente vivo (propenso a níveis elevados de açúcares / álcool) está baixos rendimentos e altitude. Como o Rosé, este vinho provém de uma vinha a 700 m. As uvas são desengaçadas e esmagadas e depois fermentadas em cubas de betão subterrâneas (fechadas), onde o vinho é envelhecido por 8 meses para maximizar os aromas e a expressão de fruta. É um trabalho bem feito, porque, embora seja um pouco fechado no nariz, este é um vin de soif vibrante e delicadamente perfumado com notas florais, chocolate, pedaços de canela picante, ameixa e bagas vermelhas. Taninos suaves mas fibrosos, leve mineralidade do sal e boa frescura contribuem para um vinho interessante, contudo fácil. Muito bem feito. 13%
Muxagat MUX Tinto 2011 (Douro)
Este vinho é um típico 2011, na sua concentração com estrutura. Tem uma adorável intensidade de bagas pretas suculentas, cerejas e groselhas. Pedaços de canela, as ervas selvagens, chocolate e alcaçuz dão-lhe poder, profundidade e intensidade no final. Taninos maduros e forte acidez contribuem para um final longo e muito vigoroso. Excelente. Carácter e classe.
Muxagat Cisne 2010 (Douro)
Mateus chamou-lhe Cisne porque, como o patinho feio do conto de fadas de Hans Christian Andersen, a principal casta deste vinho (Tinto Cão) só revela a sua beleza com a idade. Na verdade, uma semana antes eu tinha provado este vinho juntamente com um 1981 Tinto Cão da Ramos Pinto (um vinho experimental). O vinho mais velho surpreendeu-me completamente com a sua poderosa intensidade e cor incrivelmente profunda (tinta de lula) e jovem. Cisne é co-fermentado com Rabigato (7%) e envelhecido durante três anos em barricas de carvalho velhas, em esforço para domar seus excessos mais selvagens. Ainda assim, é um vinho muito intenso com notas firmes de chocolate muito amargo/floral e de especiarias, groselha preta bem definida, framboesa silvestre e também um toque vegetal. Taninos bem maturados, porém firmes, e uma acidez que faz prever uma longa vida. Como se diz em Portugal, este não é um vinho “consensual”. Beneficiará certamente do tempo em garrafa. Mas não podemos deixar de dizer que não lhe falta carácter. Singular e, como uma pessoa de personalidade forte, focado em si mesmo e reservado no início, mas depois as ideias vêm em catadupa… e são boas! 14 %
João Nicolau de Almeida & Filhos Quinta do Monte Xisto 2011 (Douro)
A 300 m de altitude, poder-se-ia esperar que o Quinta do Monte Xisto fosse mais extenso e pesado do que os vinhos Muxagat, que são provenientes em parte de vinhas mais altas. No entanto, com duas encostas, uma voltada a norte (mais fria) e a outra ao sul (mais quente), e a retenção de água do subsolo de xisto sólido, o Quinta do Monte Xisto é surpreendentemente bom, até mesmo elevado. Para isso contribui o facto das uvas das encostas mais baixas serem pisadas em lagares, ao passo que as uvas de maior altitude são fermentada em cuba para preservar o aroma e as frutas. E ainda o facto de ser envelhecido (durante 18 meses) na sua grande parte em grandes barricas velhas e secas de carvalho francês e de austríaco de 4000 L. É muito profundo na cor e muito perfumado no nariz com pétalas de rosa sobre um exótico lokum (Manjar Turco ou Delícia Turca), que se mantém até à boca. E, com framboesa muito pura e esmagada, amoras silvestres e taninos puramente finos, surpreende levemente o paladar. Mas o que é mais notável é a sua mineralidade pronunciada. Não é por nada que o nome da quinta é uma homenagem aos seus solos de xisto. Longo e persistente com uma agradável saturação e vivacidade na boca, o seu final afinado e mineral tem uma deliciosa fluidez – tão distante dos estilos “quanto maior, melhor” do passado. Uma excelente estreia desta jovem vinha.
Contactos:
www.muxagat.pt
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