Os tintos da Herdade da Farizoa Vinhos Tiago Cabaço – tão jovem e já…

Quando a Blend conheceu a Sip & Savour e o Fogo encontrou a Água

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Texto Sarah Ahmed | Tradução Bruno Ferreira

Blend é um nome brilhante para uma revista de vinhos portuguesa. Porquê? Porque os portugueses são exímios em blending – seja com diferentes castas ou diferentes colheitas. Ter mais de 250 castas nativas também ajuda. Estes artistas vínicos têm à sua disposição uma rica palete de aromas, sabores e texturas.

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O Menu do Evento – Foto de Sip & Savour | Todos os Direitos Reservados

O terroir é, obviamente, outra variável. Um tópico que gostei de analisar em minúcia na prova de vinhos da Sip & Savour, no início deste mês, focada nas regiões Douro e Vinho Verde. Quando pensamos no típico Vinho Verde – fresco, branco, leve e de baixo teor alcoólico – é incrível pensar que a região vizinha, o Douro, produz um dos mais famosos vinhos fortificados do mundo – Portos ricos, tintos e robustos. Como pegar fogo à água do Vinho Verde.

Diverti-me ao contrastar seis exemplares de referência destas regiões nortenhas. Como seria de esperar, os Vinho Verde eram brancos e o duo do Douro tintos (ou assim esperava) – até aqui nenhuma surpresa. Mas também joguei um bocadinho com as percepções, uma vez que não destaquei apenas a frescura, mas também a intensidade dos Verdes de topo e a elegância dos tintos do Douro, ainda que estes últimos fossem originários do Douro Superior, teoricamente a mais quente e seca sub-região. As surpresas continuaram com o vinho escolhido para a sobremesa, um Moscatel do Douro, que provou que o Douro também pode fazer fortificados elegantes.

Voltando à minha analogia fogo e água, a água é uma excelente pista para a grande diferença entre estas duas regiões vizinhas. Situada ao longo do Atlântico e recortada por rios que transportam esta influência até ao interior, a região Vinho Verde é mais húmida e fresca do que a do Douro, rodeada por terra. Saindo do Porto é necessário viajar 100km para se alcançar a região do Douro, que se estende por outros 100km para o interior, em serpenteado, rio Douro acima, até à fronteira com Espanha.

Enquanto que a região vitivinícola Vinho Verde tem um clima maritimamente influenciado (especialmente as partes mais junto à costa), o Douro está abrigado, pela cadeia montanhosa do Marão, do impacto das condições climatéricas do Atlântico. O Marão está situado entre as duas regiões e eleva-se até aos 1415m de altitude (acima do nível médio das águas do mar). A pura verticalidade e massa que apresenta têm um efeito arco-sombra e ajudam o Douro a manter as tempestades atlânticas afastadas.

O facto de o Douro estar localizado no interior também resulta num clima continental, caracterizado por temperaturas extremas. Como um enólogo vivamente apontou, o Douro tem “nove meses de inverno e três meses de inferno”. De volta ao fogo, mas não ao inferno, fogo e perdição! As temperaturas durante o Outono podem chegar acima dos 40ºC (o que é perfeito para vinificação de Porto e tintos), mas as boas notícias são que essas temperaturas não ocorrem por estação mas sim numa constante diária. Durante o Outono, mesmo estando 40ºC durante o dia, a temperatura desce drasticamente à noite.

Além disso, a elevação também tem um papel. Relembro que subimos o Marão até ao Douro – alguns dizem que subimos ao céu e não ao inferno! E, sendo o Douro, ele próprio, montanhoso, as uvas são cultivadas a altitudes, entre 100m-900m, e em todas as direcções – Norte, Sul, Este e Oeste. Uma vez que as temperaturas podem descer até 1ºC por cada 100m que se suba, e, além do facto de que a forma influencia a exposição ao sol e vento, que por sua vez causam impacto no processo de amadurecimento, o Douro pode produzir brancos e tintos elegantes tanto como tintos e Portos robustos. Foi elegância que procurei para esta prova Sip & Savour em pleno Verão.

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Sixtyone Restaurant – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Naturalmente, a escritora gastronómica da Sip & Savour, Amber Dalton, surgiu com uma excelente sugestão, o Sixtyone Restaurant. O Chefe Arnaud Stevens tempera sabores arrojados com o seu toque elegante. Disse-nos que na preparação do menu desta prova estava bem informado para harmonizar com a acidez – frescura – dos vinhos portugueses.

O que me traz ao nosso primeiro exemplar, o aperitivo, refrescante e intensamente mineral Quinta do Ameal Loureiro 2013. Escolhi deliberadamente um Vinho Verde monovarietal e sub-regional para descartar de imediato os estereótipos de que os Vinhos Verdes são demasiados diluídos e acídicos. Localizada em Nogueira, o coração da sub-região Lima, local onde a casta Loureiro prospera, a Quinta do Ameal há muito que produz exemplares de referência.

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Quinta do Ameal – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

O segredo para o sucesso da Quinta do Ameal? Aparte de estar localizada no sítio certo (em Lima, nas encostas viradas a sul), a sua incessante ambição também ajuda. Pedro Araújo, o proprietário, é descendente de Adriano Ramos Pinto, famoso no mundo do vinho do Porto, e trouxe para a Quinta do Ameal o toque mágico do seu bisavô. Por isso, no que toca a matéria prima, Pedro reduziu o rendimento das colheitas de modo a garantir que as suas uvas orgânicas sejam saudáveis e concentradas em aroma e sabor. Para a adega contratou nada mais nada menos que Anselmo Mendes, o guru do Vinho Verde, para garantir a preservação dos aromas e sabores a limão e aipo salgado, bem como da mineralidade fresca, das suas uvas no copo. Bem recebido, foi o tónico perfeito num dia tão quente e húmido em Londres.

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Carpaccio de Polvo – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Para a harmonização com Vinho Verde que apreciamos com um fenomenal carpaccio de polvo, pimentão vermelho, azedinha e sésamo, procurei por ainda mais intensidade e concentração. Assim sendo, fazia sentido apresentar a mais seca e quente sub-região do Vinho Verde, Monção e Melgaço, o epicentro da emblemática casta Alvarinho. E ainda por cima dois dos seus expoentes máximos, Quinta do Soalheiro e Anselmo Mendes.

Apesar de ser expectável que seja um lugar mais fresco do que Lima a sul, a sua localização no interior, onde as terras começam a subir e a topografia ajuda a proteger as vinhas das influências Atlânticas, conferem-lhe um clima mais continental, o que ajuda a explicar o porquê de as uvas atingirem um nível tão bom de maturidade (dias mais quentes) e manterem, no entanto, tão boa acidez (as noites são significativamente mais frias). Dá lugar aos vinhos da região com mais fruta, porém frescos, e com mais longevidade; o meu público ficou impressionado com relativa delicadeza e mineralidade do Loureiro em comparação aos dois Alvarinhos.

Quanto à harmonização que mais gostaram – nos eventos da Sip & Savour perguntamos sempre que vinho é que as pessoas mais gostaram sozinho e qual é que gostaram mais com a comida – neste caso a resposta foi a mesma. O Quinta do Soalheiro Primeiras Vinhas Alvarinho 2013 bateu o Anselmo Mendes Contacto Alvarinho 2014 em ambas as situações. Feito com uvas das vinhas mais velhas da propriedade de cultivo orgânico da família Cerdeira (plantadas em 1974, foram as primeiras de Melgaço) e com uma componente de fermentação em barril (15%), o Quinta do Soalheiro Primeiras Vinhas Alvarinho 2013 mostrou uma maior complexidade. As suas subtis nuances salgadas combinaram excelentemente com o vinagre Sherry, o óleo de sésamo e pinhões presentes no polvo marinado. Mas a diferença foi muito pouca. Também adorei o perfume de madressilva e a abundância de pêssego e damasco do mais arrojado Contacto, proveniente de vinhas mais baixas, perto do rio Minho, em Monção (Curiosamente, o nome deste vinho é derivado do facto de as suas uvas, depois de esmagadas, se manterem em contacto com as peles durante um curto período de tempo antes da fermentação. Porquê? Porque as peles contêm a maior parte dos compostos dos aromas e dos sabores, e também podem conferir um toque de textura extra ao vinho).

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Galinha d’Angola assada – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Para o prato principal, que foi Galinha-d’angola assada com sementes de cacau, tomates, ervilhas, azeitonas pretas e lima, escolhi dois tintos do Douro, o Casa Ferreirinha Vinha Grande Tinto e o Conceito Contraste Vinho Tinto. Ambos da elegante colheita 2012 e feitos por enólogos que colocam grande ênfase na frescura e no equilíbrio.

Na Casa Ferreirinha (que produz o icónico tinto do Douro, Barca Velha), Luís Sottomayor segue uma tradição de selecção de uvas de diferentes altitudes para obter um equilíbrio mais elegante. O facto de a Sogrape (proprietária da Casa Ferreirinha) ter duas propriedades no Douro Superior  – a Quinta da Leda a 150-400m de altitude e a Quinta do Sairrão que chega até aos 600m de altitude – também ajuda. Quanto a Rita Ferreira Marques, alega que a frescura dos seus vinhos Conceito é derivada do vale da Teja, o local mais frio do vale do Douro. Não só pela elevação (as suas vinhas estão situadas a 300-450m de altitude), mas também pela distância que o vale da Teja apresenta em relação ao rio Douro. Uma qualidade (frescura) que pude demonstrar com mais ênfase do que estava à espera quando recebi a informação de que o seu importador tinha enviado o Contraste branco em vez do tinto!

A inesperada harmonização do prato principal com um vinho branco e um tinto trouxe-me à memória as sábias palavras de João Pires sobre guiar-se pela cor do prato. Não é por acaso que é um Master Sommelier! Como muitos vinhos brancos portugueses, o Conceito Contraste Branco não é demasiado frutado e, com as suas notas vegetais, proporcionou uma harmonia com as notas de tomilho, alecrim e tomate, bem como com a proteína; a sua acidez também cortou com o molho cremoso. A maior parte preferiu-o com a Galinha-d’angola. Por outro lado, devido à sua excelente fruta primária, os votos foram para o Casa Ferreirinha Vinha Grande Tinto quando bebido sozinho. A fruta era um pouco intensa para os sabores delicados e texturas cremosas do prato.

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A sobremesa – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Só de olhar para esta sobremesa já dá para ganhar peso! Basta dizer que seria difícil encontrar um vinho que se conseguisse sobrepor a esta torta de chocolate e caramelo salgado com marshmallow de caramelo e gelado de caramelo salgado. O desafio era encontrar um vinho que lhe conseguisse fazer frente e, portanto, um fortificado fazia todo o sentido. Mas para a sobremesa e o vinho de sobremesa serem pronunciados como uma harmonização perfeita (como foram), o vinho tinha de ter suficiente frescura para cortar a riqueza do prato e limpar o palato depois de cada (divinal) colherada. Eis o Moscatel do Douro, o vinho fortificado menos conhecido do Douro, já para não dizer o Moscatel fortificado menos conhecido de Portugal (o Moscatel de Setúbal é o mais conhecido).

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Quinta do Portal – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Os Moscatéis do Douro são feitos com Moscatel Galego, a.k.a. Muscat à Petits Grains, uma variação diferente e mais delicada da Moscatel de Setúbal. O vinho escolhido, Quinta do Portal Moscatel do Douro Reserva 2004, é proveniente de vinhas muito altas (600m), frias e que preservam a acidez, da família Mansilha Branco, em Favaios, no topo norte do vale do Pinhão. Não só teve a frescura necessária para conferir equilíbrio ao conjunto (especialmente quando servido frio) mas, tendo sido envelhecido por vários anos em madeira (nenhuma nova), também teve a profundidade de sabor e complexidade para casar com a tarte de chocolate e todos os seus intrínsecos e texturais acompanhamentos. Tão bom que o restaurante mergulhou num silêncio reverencial durante vários minutos! Um final perfeito.

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