image Jantar da Rota das Estrelas image Justino’s – Prova de Vinhos Madeira

O Sector dos Vinhos em Portugal

Texto Patrícia Leite 

Para compreender melhor o vinho português, importa conhecer o sector: como nasceu, como se organiza, o que fazem as Entidades Certificadoras (Comissões Vitivinícolas Regionais e outras) e ainda o Instituto da Vinha e do Vinho, I.P.. 

Um pouco de História

A cultura da vinha em Portugal é ancestral. Terá alegadamente nascido com os Tartessos, em 2 000 a.C., o povo que terá cultivado a vinha pela primeira vez na Península Ibérica. Já depois do nascimento da nacionalidade, em 1143, e após a desocupação muçulmana, os monarcas doavam terras na condição de se cultivar vinha com vista à fixação das populações.

Foto 1 Vinhas 2

Arcos de Valdevez | © Blend All About Wine, Lda.

As condições particularmente favoráveis de solo e clima e o predomínio em algumas regiões de castas de manifesta tipicidade fizerem com que a viticultura fosse ganhando progressiva relevância económica e potenciaram a importância do vinho como fonte de rendimento.

Por esse motivo, Portugal foi estruturando diversas regiões vitivinícolas para permitir a regulação adequada da produção e do comércio dos vinhos de qualidade. Este trabalho inovador de estruturação do sector começou, desde logo, em 1756 com a demarcação da região de produção dos vinhos no Douro, que viria a ser uma das primeiras regiões demarcadas do mundo.

Foto 2 Marquês do Pombal

The portrait of Marquis of Pombal by Louis-Michel Van Loo

De facto, o século XVIII foi marcado pelo crescimento da viticultura em Portugal. Um dos grandes contributos para isso foi o Tratado de Methuen em 1703, através do qual Inglaterra concedia um regime especial aos vinhos portugueses importados, que impeliu grande parte dos agricultores a passar a utilizar as suas terras para a produção de vinho.

Mais tarde, em 1907, no tempo da ditadura de João Franco, retomou-se a lógica da demarcação das regiões produtoras de vinho e iniciou-se a regulação global do sector vitivinícola: foram redefinidos os limites da região demarcada do Douro e foram então demarcadas e regulamentadas outras regiões vitícolas (Vinho Verde, Dão, Colares, Carcavelos, Bucelas, Moscatel de Setúbal e Madeira). Apenas em 1979 e 1980 foram demarcadas as regiões da Bairrada e do Algarve.

Foto 3 Carta Lei 1908 4

Law of 18th September 1908 | Source: www.vinhoverde.pt

Neste processo de criação do sector, foi sendo constituída para cada uma das regiões uma Comissão Vitivinícola Regional (CVR), de natureza associativa com funções públicas de regulação da produção e comércio dos produtos vitivinícolas. Numa fase inicial, as CVR estavam sujeitas a uma forte intervenção estatal, que levou a uma progressiva perda de autonomia destas entidades a partir da década de 30 e a alguma confusão quanto ao seu estatuto jurídico.

Com efeito, no âmbito do plano económico de organização corporativa, o Estado Novo (instituído em 1926) aplicou fortes políticas intervencionistas no sector vitivinícola por este representar uma fonte vital de divisas e um mercado de trabalho para largos milhares de pessoas.

Foto 4 Mapa Wines of Portgal

Wine Regions | Source: www.winesofportugal.info

Foi então criada em 1937 a Junta Nacional do Vinho, organismo de coordenação económica com funções de actuação na produção e no comércio dos produtos vínicos (promoção do consumo de vinho no país, controlo da oferta, estabilização dos preços e armazenamento dos excedentes de produção).

Seguiu-se, nos anos 50 e 60, a criação de uma rede de adegas cooperativas para responder a problemas do mercado em termos de volume de produção e de armazenagem da produção sem escoamento possível (apenas as adegas cooperativas podiam comprar as uvas aos produtores e vinificar, pelo que as empresas privadas apenas podiam comprar vinho já produzido).

Foto 5 Pipas

Ervedosa do Douro | © Blend All About Wine, Lda.

Na década de 80, a organização do sector vitivinícola português sofreu uma importante mudança, por força das medidas de pré-adesão à então CEE, que se concretizou em 1986, e para cumprir totalmente as regras da política agrícola europeia.

Tendo por base políticas de produção de vinhos de qualidade, a legislação comunitária obrigou na altura à criação do conceito de Denominação de Origem Controlada (DOC) e à classificação qualitativa dos vinhos através das categorias V.Q.P.R.D., Vinho Regional e Vinho de Mesa. Note-se que esta lógica já foi entretanto revista, tema este que abordaremos em pormenor num próximo artigo.

Foto 6 Copos e garrafas

© Blend All About Wine, Lda.

Assim, em 1985 foi efectuada uma revisão profunda do regime do sector pela lei-quadro das regiões demarcadas vitivinícolas (Lei nº8/85, de 4 de Junho), que veio estabelecer a auto-regulação dos interesses profissionais da Produção e do Comércio de vinho representados nas CVR, tendo vigorado no sector por quase 20 anos.

Esta revisão implicou uma clarificação da natureza das CVR à luz dos novos princípios constitucionais em matéria de direito de associação, sendo estas entidades reconhecidas como associações interprofissionais, regidas pelo direito privado. Essa natureza foi, no entanto, conjugada com a presença de um representante do Estado no seu órgão deliberativo, o Conselho Geral.

Foto 7 Douro Wines of Portugal

Douro | Souce: www.winesofportugal.info

Foi também criado em 1986 o Instituto da Vinha e do Vinho, I.P. (IVV), que veio suceder à Junta Nacional do Vinho, com o objectivo de adequar a organização do sector aos princípios e regras das normas comunitárias em face da recente adesão de Portugal à CEE.

Quase duas décadas depois, ocorreu em 2004 uma profunda reforma do sector (Decreto-Lei nº212/2004, de 23 de Agosto), em termos institucionais e também regulamentares, à luz da revisão das normas comunitárias entretanto efectuada. Esta lei veio regular as Denominações de origem (DO) e as Indicações Geográficas (IG) utilizadas nos produtos do sector vitivinícola, quanto ao seu reconhecimento, protecção, controlo e certificação.

Foto 8 212 2004

Decree-Law no. 212/2014

Orientada pela experiência adquirida, pela evolução do sector e pelo reconhecimento da capacidade das CVR de autogestão dos interesses profissionais, esta reforma definiu ainda um novo modelo de relacionamento das CRV com o Estado. É criada a figura das Entidades Certificadoras (EC) e são definidas as regras da sua natureza e estrutura orgânica, tendo sido suprimida a representação do Estado no Conselho Geral e reforçadas as competências de controlo e certificação.

As Entidades Certificadoras (EC) 

Uma EC é uma associação de direito privado, de carácter interprofissional, reconhecida pelo Ministro da Agricultura para exercer funções de controlo da produção e comércio e de certificação de produtos vitivinícolas com direito à respectiva Denominação de Origem (DO) e/ou Indicação Geográfica (IG).

Foto 9 Dão Wines of Portugal

Dão | Source: www.winesofportugal.info

Conforme as regras comunitárias, uma EC deve estar acreditada pelo Instituto Português de Acreditação (IPAC), segundo a norma NP EN 45011 para o controlo e certificação dos produtos vitivinícolas com direito a DO ou IG, e o respectivo laboratório também deve estar acreditado pelo IPAC, segundo a NP EN ISO/IEC 17025 para os ensaios físico-químicos inerentes ao controlo e certificação.

Neste quadro, podem ser designadas EC as Comissões Vitivinícolas Regionais (CVR) ou outras entidades, desde que satisfaçam as condições e requisitos de carácter organizacional e de natureza técnica em respeito dos princípios de objectividade, imparcialidade e independência.

Foto 10 Vinhas

 

Provesende | © Blend All About Wine, Lda.

No caso da Região Demarcada do Douro e da Região Autónoma da Madeira, o papel das EC é desempenhado por institutos públicos (o Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, I. P. e o Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira, I.P.) e não por associações de direito privado como as CVR.

As EC têm como atribuições principais promover e defender a respectiva DO e/ou IG, efectuar o controlo e a certificação dos produtos com essa DO e/ou IG, divulgar e promover os produtos que certificam, classificar as parcelas de vinha como aptas à produção e controlar as existências, a produção, a circulação e o comércio das uvas e dos produtos vitivinícolas.

Foto 11 Bairrada Wines of Portugal

Bairrada | Source: www.winesofportugal.info

Quanto à estrutura orgânica, as EC têm os seguintes órgãos:
– o Conselho Geral – órgão deliberativo que reúne os representantes da Produção e do Comércio dos produtos certificados;
– a Direcção – órgão executivo composto por um presidente e por dois vogais, um designado pela Produção e outro pelo Comércio;
– e o Conselho Fiscal – composto por um presidente e dois vogais – ou o Fiscal Único, com competências de fiscalização.

O papel do Instituto da Vinha e do Vinho, I.P. (IVV)

O IVV é a entidade de tutela do sector vitivinícola, um instituto público sob a alçada do Ministério da Agricultura.

Com a reforma do sector 2004, foi redefinido o papel do IVV, que passou a centrar a sua actuação na coordenação e controlo da organização institucional do sector, na auditoria do sistema de certificação de qualidade, na supervisão e auditoria das EC, participando ainda na coordenação e supervisão da promoção dos produtos vitivinícolas. Enquanto entidade de contacto junto da União Europeia, o IVV efectua o acompanhamento da política comunitária e a preparação das regras para a sua aplicação.

Foto 12 IVV

Headquarters of the Instituto da Vinha e do Vinho, I.P
Source: www.facebook.com/IVV.PAGINA.OFICIAL

Em termos gerais, é assim que funciona o nosso sector dos vinhos. As EC actuam na defesa, certificação e controlo dos produtos com DO e/ou IG e o IVV na coordenação e controlo do sector.

Legenda:

Produtos vitivinícolas: vinhos, vinhos espumantes, vinhos frisantes, vinhos licorosos, vinagres de vinho, aguardentes de vinho e aguardentes bagaceiras;
Certificação de produtos vitivinícolas: processo de validação da conformidade do produto com os requisitos definidos pela Entidade Certificadora para a DO ou a IG, o qual é evidenciado, no caso dos produtos engarrafados, através do selo de garantia constante da garrafa.

Contacts

Comissões Vitivinícolas Regionais e Outras Entidades Certificadoras
www.ivv.min-agricultura.pt/np4/np4/212.html

Instituto da Vinha e do Vinho, I.P.
www.ivv.min-agricultura.pt

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About Patrícia Leite
Partner and co-founder Blend | All About Wine

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