Toupeirinho 2 O melhor vinho

Poucas certezas e muitas mais dúvidas

Texto João Barbosa

Diz um amigo que as tradições são para se quebrarem. Nesta provocação cabem verdades boas e lamentos. Já não se queimam «ímpios», como já ninguém sabe fabricar as talhas de barro, para a feitura de vinho no Alentejo – perda de conhecimento histórico e antropológico.

Esta coisa das tradições é como a do gosto. O gosto discute-se e deve ser discutido; o que não se discute é o direito à oposição e o respeito que exige. No caso do vinho, e outros alimentos, uma denominação de origem deve ser mais do que uma delimitação geográfica. De todos os factores, debruço-me no primordial: casta.

A casta e a sua ligação à terra são a herança, património transmitido aos futuros. Contudo, devem ser um travão à imaginação, gosto, etc. Se um vitivinicultor quiser fazer azul, quando a tradição é verde, deve ser livre de o fazer. O que não é correcto é chamar verde ao que é azul.

A questão está no rótulo, na palavra referente ao território e à uva que é seu emblema. Um vinho com denominação de origem controlada não é melhor nem pior do que um regional; são coisas diferentes e separadas se devem manter.

Discutir as castas da Bairrada é uma tradição. Quanto a mim, no topónimo não cabem as cabernet sauvignon, merlot, chardonnay, etc. Como não cabem apenas a baga e a maria gomes.

É verdade que, nessa região, a presença de variedades estrangeiras não é propriamente recente. A partir de que tempo se pode considerar como «autêntica»: dez anos, 20, 30, 100?

Reconheço alguma xenofobia. Tanto mais que há castas estrangeiras em Portugal há séculos, como a malvasia ou a moscatel de alexandria. Essas são portuguesas, e o que dizer da alicante bouschet que encontrou o seu habitat no Alentejo?

Há outra questão, a da transumância interna. A touriga nacional tem tanto de alentejana quanto a syrah. Aqui sublinho a alvarinho; partilhada por minhotos e galegos. Descoberta como grande casta, tornou-se apetecível noutras paragens.

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Casta alvarinho in wikipédia.org

Num primeiro momento reinou algum provincianismo quanto à permissão do uso rótulos da região dos Vinhos Verdes, que não da sub-região de Monção e Melgaço. Podia haver alvarinho num rótulo alentejano, mas não num de Ponte de Lima. Chegou-se a um acordo, a 13 de Janeiro, muito feliz. Todos podem usar o nome da casta, mas a sub-região de Monção e Melgaço vê reconhecida a sua especialidade através de selo de garantia exclusivo.

Ao problema da autenticidade acrescento os factores enológicos … com a padronização dos processos, será que Regional Alentejano, Regional Tejo, Dão ou Douro não ficarão parecidos? A tecnologia não esbate o território e casta?

No afã de diferenciar acontecem coisas como as verificadas na Beira. Não entendo o mapa. O problema não é haver muitas denominações de origem, mas sítios sem valor-acrescentado ou especialização, «lugares inexistentes».

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Folha de alvarinho in wikipédia.org

Isso, o consumidor não percebe, mas entende escalas. Devia existir uma tabela de classificação: Primeira Classe, Segunda Classe, etc. Lá estou eu a complicar e já basta o que é – dirão muitos. Complicado é andar sempre a mexer na toponímia e tratar por igual o que é diferente.

O que pensa um consumidor estrangeiro ao ver um Douro a três euros e outro a 80 euros? Mais caro não é melhor, é sabido. Não é mais claro assumir diferença e/ou especificação de terroir?

Explicar a um estrangeiro que Portugal existe e faz vinho há milénios é tarefa vivida por muitos. Colocar a diferenciação numa casta – que se pode cultivar até em Marte – é preferível a dizer a verdade?! Que fazemos lotes? O trabalho de explicar touriga nacional e blend não é o mesmo? Antes mais cedo do que depois ter de dizer que o Pai Natal não existe.

Não me considero analfabeto, pelo que opto pelo princípio da incerteza. Tenho preferência, não sou peremptório. Daqui por uns 300 anos a merlot não será – pelos meus argumentos – tão bairradina quanto a baga? Vencido, mas não convencido! Por paixão e pouca lógica.

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