Texto João Barbosa
O melhor vinho do mundo é português, da minha região, do meu concelho, da minha freguesia, da minha aldeia e, por acaso, é o meu. Este raciocínio é partilhado, no todo ou na parte, por muitos portugueses.
Obviamente que não há «o melhor vinho do mundo». O bairrismo é muito português e dá-me gozo, se não for alarve, pois gera conversa, troca informações entre divergentes. Gosto do espírito (saudável) de família, clã e de tribo.
Penso que é unânime que nunca houve tão bom vinho em Portugal como hoje. Porém, sempre se fizeram vinhos de excelência. Antes de existirem enólogos já se fabricavam néctares divinos. Mérito da natureza, certamente, mas sobretudo do produtor.
Os antigos não eram burros. Sabiam o que faziam e, certamente, conheciam coisas que hoje são desconhecidas de muitos profissionais experimentados e cultos.
Dou um exemplo que não diz respeito ao vinho. Um amigo teve, a dada altura, uma oficina de prataria, destinada a restauros de antiguidades e reproduções de qualidade. Contratou um grupo de ourives de reconhecida qualidade e tarimba. Porém, quando a peça tinha origem mais remota do que o século XVIII (inclusive) nem sempre se sabia o que fazer.
Alguns males deste país são a falta de arquivos, por desleixo, terramotos, maremotos, incêndios e pilhagens de guerra. Perante o desespero e vontade de desistência dos artífices, o meu amigo reuniu a equipa e sentenciou:
– Caros amigos, os antigos não eram estúpidos, como hoje não somos mais estúpidos do que eles. Se faziam «estas» coisas é porque era possível fazer. Se é possível fazer, vamos fazê-las. Não há outra hipótese.
Procurou e encontrou bibliografia e fontes de informação, estudou as peças. Os oficiais e mestres leram, digeriram e, passado um tempo, estavam a trabalhar reproduções ou reparações de artefactos cujo conhecimento técnico se perdera.
As romãs enxertam nas laranjeiras, com vantagens, embora o oposto não seja possível – nem dá hipótese. É estranho, porque não fazem parte da mesma família. Não conheço agrónomo que explique.
Os antigos sabiam, empiricamente, que o cultivo de leguminosas junto às vinhas era benéfico, além de fornecer alimento. Que (caso de Colares) as macieiras contrabalançam o desgaste causado pelas videiras, fazendo fé no que me disse um homem da região.
Espero nunca perder o deslumbre continuado pelas coisas do vinho e da lavoura – da natureza e do homem. O Vinho da Madeira é maravilha (sem o artigo, como diziam os medievais) de se ver, sabendo dos seus padecimentos.
Os meus 45 anos permitiram-me «ver» uma multidão vinhos novos e velhos imbebíveis, mas também de pérolas. Hoje, com todo o conhecimento e mão-de-obra qualificada, é fácil encontrar um bom vinho. O que não era verdade, por isso encanto-me com peças de arqueologia e/ou museologia enológica.
Sei que serei fustigado por só escrever alguns e dos mais recentemente revelados, mas vai: o Taylor’s Scion, o Taylor’s Single Harvest 1863 ou o Moscatel de Setúbal Superior 1911 são colossos. A Sogrape prepara-se para celebrar os 225 anos da Sandeman e é de esperar outro grande vinho, tal como foi Kopke 375, que marcou o aniversário da casa.
A vida destes vinhos, todos aguardentados, é naturalmente mais longa. Todavia, nos «normais» há, por exemplo, excelentes Bairrada, Dão e até Alentejo…
Voltando ao princípio, ao amor ao terrunho, que tolda a lógica e o bom-senso; um produtor alentejano lançou, há um ano (dois ou três) um licoroso com oito anos de estágio em barrica. O preço de saída ombreava com o de prateleira de Vinho do Porto 20 anos.
O Alentejo é o Douro – nas condições de excelência para este género como na qualidade consistente percepcionada. O preço do abafado alentejano era estapafúrdio. Que saiba, vendeu-se todo. A quem? A quem acredita que o vinho da sua região é o melhor de Portugal, quiçá do mundo.
Leave a Reply