Texto João Barbosa
A história vitivinícola do Monte da Ravasqueira é recente. Os trabalhos na vinha datam de 1998. O primeiro plantio ocorreu em 2000 e a primeira vindima a ir para o mercado foi a de 2002, posta à venda em 2003, com o Fonte Serrana. Porém, esta propriedade, situada no concelho de Arraiolos, tem uma existência longa, além da família dos seus actuais proprietários estar intimamente ligada à história contemporânea portuguesa.
A propriedade pertenceu a Dom Nuno Álvares Pereira, condestável de Portugal e estratego que conduziu à vitória o partido de Dom João (futuro João I de Portugal) na guerra de sucessão, entre 1383 e 1385, contra Dom João I Rei de Castela e Leão. A posse da terra foi junta ao título de conde de Arraiolos, de que hoje é (25º) titular Dom Duarte Pio de Bragança, 24º duque de Bragança e herdeiro da Coroa de Portugal.
Mas com o tempo, a Herdade da Ravasqueira mudou de donos e de dimensão. Para o caso, interessa saber a partir de 1943, quando entrou na posse da família Mello, que à época era detentora dum empório empresarial, criado por Alfredo da Silva, com Companhia União Fabril.
A Revolução de 25 de Abril de 1974 causou naturalmente convulsões. A política focou-se à esquerda, sobretudo ao Partido Comunista Português, e a família Mello partiu para o exílio e os seus bens foram nacionalizados, sendo a Herdade da Ravasqueira sido ocupada por trabalhadores, no processo conhecido por Reforma Agrária.
A estabilização política e o enquadramento de Portugal na família das democracias da Europa ocidental conduziram ao regresso da família Mello, que voltou a ocupar um lugar na liderança empresarial do país, e à entrega desta propriedade alentejana aos seus antigos donos, em 1980, mas praticamente decrépita por abandono e negligência.
A Herdade da Ravasqueira tem cerca de 3.000 hectares, perto de 1.500 ocupados com florestal. A criação de bovinos, cruzados de mertolengo e limusine, ascende a 500 cabeças, e o olival também tem uma pequena parcela. A actividade maior é a do vinho, estando plantados 45 hectares de vinhas, divididos por 29 talhões.
Este domínio alentejano é formado em declive, o que permite, através das diferentes altitudes, nuances diferenciadoras. Ao mesmo tempo, o solo é muito variável, existindo dez formações diferentes, sendo dominantes os argilo-calcários, estando a vinha em zonas com afloramentos de granito e de xisto.
O teor de argila varia entre os 20% a 30%, refere Pedro Pereira Gonçalves, director de viticultura e enologia. A constituição do chão permite retenção de água em profundidade, causando algum stress hídrico e obrigando a planta a esforçar-se. Em caso de necessidade, existe sistema de rega gota-a-gota. «Mais vale ser ela [videira] a pedir água do que lhe dar-mos» – explica o técnico.
Desde 2012 que Pedro Pereira Gonçalves está neste produtor. Embora jovem, tem já currículo e reputação. A aposta tem sido na frescura, apanhando a fruta mais cedo do que acontece na generalidade do Alentejo. Assim, conseguem-se néctares com graduações alcoólicas hoje raras – embora a tendência vá nesse sentido.
«A Ravasqueira tem muitas massas de água e fica num vale, por isso consegue-se maior frescura», assinala Pedro Pereira Gonçalves. Pois, o teor alcoólico dos brancos foi atirado para uns surpreendentes 11,5%, indo até aos 12,5%. Nos tintos, o intervalo situa-se entre os 13% e os 13,5%.
Uma das decisões do jovem enólogo foi – coisa ainda rara em Portugal – mandar fotografar a propriedade, por avião, em diferentes bandas de espectro. «Permitiu que a apanha, que era feita ao talhão, passasse a ser feita à zona» – explica o técnico.
Com estas informações adicionais tem sido possível acertar os vinhos aos perfis pretendidos. A agricultura de precisão «permite fazer o vinho na vinha». Com a chegada de Pedro Pereira Gonçalves aumentou o número das propostas de maior patamar de gama, nomeadamente reservas e monovarietais. A diversidade permite a produção de sete vinhos monovarietais: alvarinho, nero d’avola, petit verdot, sangiovese, sauvignon blanc, touriga franca e viognier. No próximo ano será lançado um espumante.
A casta alvarinho é originária do Noroeste de Portugal, com clima mais fresco. Se os descuidos, na região dos Vinhos Verdes, podem resultar em laranjadas (felizmente não é a regra), no quente Alentejo podem tornar-se rebuçados, um pouco pesados e, por conseguinte, enjoativos. Nada mais diferente do que se apresenta na Ravasqueira, onde a variedade foi plantada numa zona mais arejada e fresca.
O Monte da Ravasqueira Alvarinho 2013 é um vinho com notas de tangerina, mineral e elegante, mostrando potencial de evolução em garrafa. Se fecharmos os olhos, e sonharmos um bocadinho, até nos segreda a palavra Chablis… atenção, é uma sugestão suave.
O Monte da Ravasqueira Reserva Branco 2013 fez-se com alvarinho (40%) e viognier (60%) é escorregadio… portanto: cuidado. É um vinho com textura na boca e com aromas a lima, e pêssego.
O MR Premium Branco é um vinho de homenagem ao pai da actual geração que dirige o Grupo Mello, José Manuel de Mello. É um vinho que o enólogo afirma não ser consensual, «mas que não é para ser». É um repositório de todas as castas favoritas do homenageado: alvarinho, arinto, marsanne, semillon e viognier. Na edição de 2013, Pedro Pereira Gonçalves optou por uma abordagem neozelandesa: fechar o vinho dentro das barricas durante um ano. Nasceram notas de baunilha, de bolacha maria, chocolate branco e ameixa. Muito elegante e, mais uma vez, escorregadio.
Monte da Ravasqueira Rosé 2014 é filho de uvas touriga nacional, colhidas precocemente nos diferentes talhões onde está plantada. É fresco e, em vez das violetas de a cultivar oferece no Dão, surge com um ramalhete de rosas. É um vinho falsamente doce. Um rosado muito interessante.
O Monte da Ravasqueira Vinha das Romãs é, como se percebe pela designação, produto duma só localização, onde pontuam as castas syrah e touriga nacional. Na edição de 2012, a variedade francesa forneceu 70% das uvas. É um vinho bem seco, sem ser austero. Promete vida em garrafa.
O MR Premium Tinto 2012, em virtude da variedade de cultivares, é muito rico e complexo de aromas, que se vão sucedendo, casando, separando e regressando, simples ou acompanhados com o mesmo ou diferente par. Tem um notório traço da natureza alentejana – que muito aprecio – que é o de lenha de azinho. Na boca é também um falso doce. Tem a aceleração e garra de um roadster. Penso que também poderá evoluir bem em garrafa.
O Monte da Ravasqueira Touriga Franca 2012 é para um fanático da casta – eu – uma comichão. Por capricho, proibia que fosse plantada fora do Douro. Considero que das viagens poucas conseguem alcançar o carisma daquela região do Nordeste português. Isto não significa que a qualidade não exista, apenas uma irritação intelectual.
A touriga franca revelou-se em 2012, na Ravasqueira, como alentejana, com os aromas dos restolhos e dos montados de sobro e de azinho. É seco de nariz e na boca mostra mineralidade, com evocação de giz. Tem uns taninos fantásticos, é racing e elegante, digamos o temperamento dum nobre na sua propriedade rural. Agora precisa de ser decantado com alguma violência ou aberto com antecedência. E vai aguentar-se anos. Reconheço que é uma bela touriga franca!
O Monte da Ravasqueira Syrah e Vignier (2012), em que a casta branca representa 3% do lote, é um vinho com frescura e vivacidade, que evolui bem no copo e interessante. Provei-o depois do vinho anterior. É belíssimo, mas é um menino ao pé do latagão. Definiria com a idiomática: «azar dos Távoras».
Ponto de ordem e conclusão: frescura, desalinho dos perfis face à norma, falsas doçuras (bom!), complexidade e promessa de longevidade.
Contactos
Monte da Ravasqueira
7040-121 ARRAIOLOS
Tel: (+351) 266 490 200
Fax: (+351) 266 490 219
E-mail: ravasqueira@ravasqueira.com
Website: www.ravasqueira.com
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