Quinta do Francês, o médico que sonhou ser enólogo image Herdade de Vale Barqueiros

Hexagon Tinto 2009 e Hexagon Branco 2013 (Seis é número de saber) – Colecção Privada Domingos Soares Franco Touriga Francesa 2013

Texto João Barbosa

Ao contrário do sete, para quem é supersticioso, o seis não é um algarismo mágico. Para os chineses, o oito é fantástico, de excelente augúrio. Por isso o seis é quase… mas há seis e «seis».

Escrita a graçola numerológica, os vinhos Hexagon (branco e tinto) são a prova de que o «seis» é de sabedoria e não de acaso. Seis porque se fazem com esse número de castas, provenientes de parcelas diferentes.

A primeira colheita apresentou-se em 2006, referente à vindima de 2000, apenas tinto. Lembro-me de o ter levado para um jantar com amigos e da reacção de contentamento dos festejantes. O Alexandre, um regular involuntário reactivo, ficou, literalmente de boca aberta e a proferir palavrões, no sentido elogioso: F***-**, GANDA VINHO! Cum c******!

Felizmente, os Hexagon são sempre diferentes. Para quem gosta da expressão da natureza, é uma mais-valia – muito embora implique que uns sejam melhores que outros. Para quem prefere uma fórmula que dê uniformidade, colheita após colheita, não os beba. Não critico, para mim são escolhas igualmente defensáveis e legítimas.

Tendo-os todos num elevado patamar de qualidade, é-me difícil não expressar algum gosto pessoal. Provavelmente serei um pouco «infantil»: o primeiro e o último são os melhores. A memória pode trair, evidentemente.

O mais recente tinto é referente a 2009 e fez-se com touriga nacional (35%), touriga francesa (touriga franca – Domingos Soares Franco, o enólogo-mor, prefere a denominação antiga – 17%), syrah (15%), trincadeira (13%), tinto cão (10%) e tannat (10%).

Desta formulação, a descrição aromática torna-se extensa – é que não levou «betume» que descaracteriza a expressão dos bagos. Extensa, complexa e maçadora. Aliás, os cheiros evoluem, substituem-se e regressam. Os enófilos que se entretenham numa brincadeira.

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Hexago tinto 2009 – Foto Cedida por José Maria da Fonseca | Todos os Direitos Reservados

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Hexagon branco 2013 – Foto Cedida por José Maria da Fonseca | Todos os Direitos Reservados

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Colecção Privada Domingos Soares Franco Touriga Francesa 2013 – Foto Cedida por José Maria da Fonseca | Todos os Direitos Reservados

O exame oral obedece sensivelmente as mesmas características organolépticas. Acrescente-se elegância, enchimento da boca, fundura e longo final.

Também gosto muito do quatro. O Hexagon Branco 2013 é, na verdade, um quadrado. Tal como o oito, gosto muito do quatro. Do que não gosto é da casta antão vaz. Repito o que digo sempre: uma coisa é gosto e outra é qualidade. Por isso, não se veja na afirmação uma sentença de castigo.

O Hexagon Branco 2013 é um lote de viosinho (34%), verdelho (30,5%), antão vaz (20%) e alvarinho (15,5%). É igualmente um grande vinho, de complexidade olfactiva e excelente comportamento na boca.

Assinalando, para memória futura, a minha avaliação do «meu gosto»: Desgostou-me o antão vaz e o alvarinho. Se a primeira variedade é um golpe no barbear, a segunda é apenas um levantar de sobrancelha … a forma como esta casta do Norte da região dos Vinho Verde se manifesta no Sul não…

A touriga francesa é a grande alma da região do Douro, assim chamada (creio) por ter surgido na época em que em França se andava a fazer híbridas. Penso que o autor permanece anónimo, mas sabe-se que é filha de touriga, que à época não precisava de ser designada por «nacional», e de mourisco. A primeira porta-se bem na adega, mas é complicada no campo, e a segunda é o oposto.

Podia ter nascido com os maus genes de ambas, mas saiu uma planta extraordinária – para mim a melhor casta tinta portuguesa. Porém, são raríssimos os casos em que se mostra com a alma do Douro. Além de ser uva que gosta de ter amigos na garrafa.

Nesses casos raros, de cabeça, só me lembro de dois produtores que sabem conduzi-la como se fosse um Lamborghini – desculpem, mas é a única marca de super-automóveis desportivos de que gosto. São eles José Mota Capitão (Herdade do Portocarro) e Domingos Soares Franco.

Foi com a certeza que o enólogo-mor da José Maria da Fonseca tem «dedinhos» para conduzir o Miura e a excitação infantil – é a segunda vez neste texto que me acuso de ser criança, talvez seja grave – do brinquedo novo que abri a garrafa.

Bem, da qualidade já se sabe, nos Colecção Privada e no que referi acerca dos Hexagon é aqui também verdade. Por isso, quase não consigo fugir à classificação do «meu gosto».

Não é a touriga franca do Douro, mal seria, mas também uma excelência. Quando o provei, assaltou-me um espanto: umas notas florais, nada excessivas, de laranjeira. Comentei que nunca experimentara nada que se parecesse – até mesmo em tintos de castas diferentes.

Quando espreitei a ficha técnica percebi que «houve batota»… ou melhor, que Domingos Soares Franco estava a conduzir o Lamborghini num autódromo, com combustível preparado para competição.

A batota: touriga francesa (95%) e moscatel roxo (5%). Malandro! Grande Domingos!

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1 comment
  • manuel.giraldes@gmail.com'
    Manuel Giraldes
    REPLY

    Olá, João! Pela primeira vez li um texto seu como enólogo e fiquei rendido. Tem o sabor frutado do humor e o saber encorpado de quem escreve muito muito bem a pátria língua — que neste momento já nem parece de Camões, mas mais de camones. Parabéns. Manel

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