Texto José Silva
A família Reynolds, que tinha um próspero negócio de vinho do Porto, dedicou-se, no início do século dezanove, ao negócio da cortiça na região de Portalegre. E, no final desse século, adquiriu uma propriedade com cerca de 900 hectares, a Herdade do Mouchão, no lugar da Casa Branca, entre Sousel e Mora, continuando com a produção de cortiça.
Mas esta empreendedora família acabou por também ali plantar vinhas e acrescentar a produção de vinho à da cortiça.
Em 1901 construíram uma adega com as tradicionais paredes em adobe e lagares de pedra, onde a pisa era feita a pé.
Mais tarde, em 1929, foi a instalação dum alambique, para produzir outra das tradições da região, a aguardente bagaceira, aproveitando o engaço dos cachos de uvas.
A produção de vinho, então apenas tinto, tornou-se famosa, de tal forma que na década de cinquenta a família investiu no aperfeiçoamento das técnicas de viticultura e vinificação, mantendo sempre a tradição da vindima manual e da pisa a pé, o que, aliás, acontece até hoje.
E são ainda hoje utilizadas as velhas prensas manuais de madeira, para extração final, num trabalho árduo mas compensador, com os resultados conhecidos por todos.
A partir de uvas muito boas, de vinhas velhas, hoje algumas delas mesmo muito velhas, a família passou também a engarrafar o vinho na década de cinquenta, iniciando a história de um dos melhores e mais conceituados vinhos alentejanos e mesmo nacionais.
Foi no Mouchão que se fizeram as primeiras experiências com uma casta francesa mal amada no seu país de origem – o Alicante Bouschet – mas que no Mouchão e mais tarde um pouco por todo o Alentejo, se adaptou muito bem, sendo hoje uma das castas mais prestigiadas e utilizadas na região. Já lá vão mais de sessenta anos…
Alguns dos trabalhadores da herdade tinham e têm uma dedicação a esta propriedade, que passou por várias gerações, como é o caso dos adegueiros. Hoje é o João Alabaça que está à frente dos trabalhos da adega e quem provavelmente melhor conhece todos os cantos à casa, além de ser um óptimo provador e ter aquela jovialidade contagiante das gentes alentejanas. Conheci e provei muitas com o seu pai, o ti João para os amigos, e a sua mãe, ainda de boa saúde, muitas vezes me fez as contas das muitas caixas de vinho que enchiam a mala do meu carro, quando por ali passava. Que incluíam sempre a aguardente bagaceira, a mesma mas envelhecida em cascos de madeira e o soberbo licoroso, um produto simples mas fantástico. Também por ali almocei de vez em quando, as coisas simples da terra, na companhia do pão, do azeite e das azeitonas.
Dessas visitas ainda mantenho na minha garrafeira o Mouchão1974, e um interessantíssimo Dom Rafael de 1996.
Sempre que abro uma garrafa de qualquer deles, estão muito bons, mesmo excelentes, e vem-me à memória o ar bonacheirão do ti João, risonho e maroto, a levantar o copo à minha saúde.
Em recente visita ao Mouchão, fomos recebidos pelo David Ferreira, a fazer um trabalho comercial de excelência, com paixão, cá em casa mas também por esse mundo fora, e pelo João Alabaça, grande como era o pai e com o mesmo sorriso de amizade.
Demos uma volta pela adega, relembrando os recantos, os lagares agora em sossego, tranquilos, a beleza imponente do alambique e a profusão dos tonéis, alguns deles já com uns bons anos em cima.
Ali usam-se estes tonéis, a maior parte de 5.000 litros de capacidade, embora haja também barricas normais.
E lá fomos ver os célebres tonéis 3 e 4, que dão aquele néctar chamado Mouchão Tonel 3-4. E o que lhe dá maior exuberância, sabe-se hoje, é que os tampos destes dois tonéis, em vez de serem de carvalho francês e português como todos os outros, são em madeira brasileira de macacaúba. Estava explicado o mistério, e eles lá continuam a amaciar o vinho como sempre.
Lá fora, num inverno gelado, também no Alentejo, revimos as várias vinhas, agora nuas e já podadas, e a sua envolvente bucólica, com o riacho a atravessar a propriedade, e uma importante envolvente de pinheiros e imponentes eucaliptos.
O sossego do Alentejo sentia-se por todo o lado.
Como o frio apertava, fomos até ao laboratório da adega, provar alguns dos vinhos da actualidade do Mouchão, sempre um enorme prazer.
Começamos pelo D. Rafael Branco 2013, cheio de frescura aromática, algo floral, muito equilibrado.
Na boca tem boa acidez aliada à frescura, notas de fruta branca madura, atraente, sedoso mas seguro.
Depois foi o Dom Rafael Tinto 2011, um ano excelente, a dar-nos um vinho vivo, persistente, com notas de frutos vermelhos intensas e algum fumo. Na boca está ainda jovem mas já apetece bebê-lo, taninos redondos e sedosos, a dar-lhe intensidade, frutos vermelhos bem maduros, ligeiro floral e algumas especiarias, num vinho moderno. Seguiu-se o Ponte das Canas 2010, ainda um ano muito bom. Nariz já com alguma elegância, frutos vermelhos maduros, ligeiras notas balsâmicas, muito fresco. Frescura também na boca, intenso, persistente, óptima acidez, notas de tabaco, frutos vermelhos e ligeiras notas de baunilha, tudo muito bem integrado, num vinho sólido e compacto.
Finalmente veio o Mouchão 2009, um ano excelente, a dar este vinho intenso mas sedoso no nariz, frutos pretos e notas de pimentos verdes, muito fresco. Na boca tem uma deliciosa complexidade, com aromas de frutos pretos, cheio de elegância, notas vegetais de pimentos verdes, ligeiramente balsâmico, acidez muito equilibrada, algumas especiarias, fumo, um vinho ao mesmo tempo robusto e aveludado, com um final imenso. Está ali para durar ainda muitos anos.
E, quando pensávamos que já tinha acabado, o João Labaça exibiu, triunfante, três garrafinhas mais pequenas: o licoroso, a aguardente bagaceira e a aguardente velha. E foi peremptório: “Não abalam daqui sem os provarem”! Naquele momento, pareceu-me estar perante o seu pai, o ti João. E toca a provar. O licoroso continua excelente, doce mas com uma grande acidez, frutos pretos, chocolate, belo vinho.
A aguardente, desde sempre uma das minhas preferidas, tem uma enorme complexidade, notas verdes intensas, poderosa na boca, cheia de frescura e acidez, mas bastante suave, apetece sempre repetir. A bagaceira velha tem a diferença de ter estagiado em cascos velhos de madeira, a dar-lhe aquele toque de fumo, abaunilhado, perdendo as notas verdes, mais redondo, para beber pelas noites frias em frente à lareira.
Com sempre, deixei o Mouchão com relutância, contando, mal possa, ali voltar novamente…
Contactos
Vinhos da Cavaca Dourada, SA /
Sociedade Agro-Pecuária do Mouchão e Cavaca Dourada, SA
Herdade do Mouchão
7470-153 Casa Branca – Portugal
Tel: (+351) 268 539 228
Fax: (+351) 268 539 293
E-mail: mouchao@mouchao.pt
Site: mouchao.pt
Leave a Reply