Texto Sarah Ahmed | Tradução Patrícia Leite
Se há uma característica que admiro particularmente nos enólogos, na verdade, na vida em geral, é a mente aberta.
A vontade de aprender e crescer – uma humildade que, na minha (humilde) opinião, é absolutamente fundamental para a verdadeira busca da excelência.
É uma qualidade típica de uma nova geração de enólogos portugueses bem-viajados, mesmo que, como Filipa Pato, estejam agora firmemente enraizados no vernáculo regional. Nada é mais tradicional do que produzir Baga na Bairrada!
Embora tenha tido a oportunidade de estudar Enologia, Filipa diz-me: “Eu preferi aprender e praticar com bons enólogos, porque, quando se estuda muito, fica-se muito técnico e não se tem experiência prática suficiente”.
Interessada nas oportunidades de viagem que o vinho proporcionava (o seu pai é o maestro itinerante/viajante da Baga da Bairrada, Luís Pato), ela aproveitou os contactos do pai em Bordeaux (Bordéus), passando algum tempo no Château Cantenac Brown, Margaux. Mordida pelo bichinho das viagens, Filipa foi então para Leeuwin Estate em Margaret River, um dos produtores de Chardonnay mais elogiados da Austrália, seguindo depois para a Argentina, onde trabalhou na empresa Finca Flichman.
Qual o resultado desta “espionagem industrial”? Filipa diz que “é importante para provar vinhos de outros países para que possamos entender as diferenças em relação a nós, comparar preços e qualidade e ver muito bem a nossa posição no mercado. Onde os nossos vinhos se situam no cenário mundial”. Especialmente onde, acrescenta, os mercados de exportação são mais exigentes. É um processo que testemunhou em primeira mão na Leeuwin Estate, onde, relembra de olhos arregalados, a equipa de enologia ia todos os dias saborear os melhores Bourgognes (Borgonhas) – “Não os vinhos da aldeia, mas do Domaine Leflaive Batard-Montrachet Grand Cru”!
Embora esteja agora focada exclusivamente na produção de vinho para o seu rótulo homónimo de Bairrada, Filipa acredita que “é um óptimo exercício continuar a provar de outros vinhos, porque abre-me os horizontes e dá-me confiança no que estou a fazer e orgulho nas nossas próprias tradições”.
A Bourgogne (Borgonha), que visita todos os anos, tem um lugar especial no coração de Filipa. Os seus olhos brilham ao lembrar-se das conversas sobre uvas, colheitas e vinificação com eruditos de Bourgogne como Eric Rousseau (do Domaine Armand Rousseau).
Não apenas por causa de suas formidáveis capacidades , mas também, explica, “porque eles têm vindo a crescer no mesmo contexto que eu. Nasceram no meio do campo e a Bourgogne é muito semelhante à Bairrada com os seus solos [calcários argilosos], encostas e adegas no meio de aldeias, cada uma das quais produz vinhos de perfis diferentes”.
O sonho de Filipa é desenvolver para micro-climas da Bairrada um reconhecimento semelhante, para o que ela e o seu marido (o famoso Sommelier e empresário da restauração belga William Wouters) têm arrendado ou comprado todas as boas vinhas velhas que encontraram. Filipa até já começou a criar um mapa de seus melhores terroirs (na foto).
Mais importante ainda, explicando que “Não gosto de dizer que eu sou enóloga, sou uma produtora de vinho que produz uvas e faz vinho”, Filipa abraçou a cultura dos vignerons da Bourgogne (ou produtores de vinho). Estando eu impressionada com esta preocupação com vinhas velhas e grandes terroirs, Filipa diz “se for à Bourgogne, verá que os vignerons passam a maior parte do tempo na vinha”. É por isso que, quando as vinhas estão “a dormir” durante o inverno, Filipa viaja e, durante o período de produção (Março a Outubro), procura estar em casa, na Bairrada.
Diz que “agora para mim é muito importante fazer vinho apenas numa região, para poder “respirar” a Bairrada todos os dias e trabalhar com as mesmas uvas e vinhas e, com experiência e foco, poder melhorar todos os anos”. E melhorar significa produzir vinhos que reflectem sua origem única ou, como dizem os seus rótulos “vinhos autênticos, sem maquilhagem”.
Embora diga que Portugal não teve de facto no passado essa cultura de produtores ou, pelo menos, não era bem vista, Filipa considera que “há um novo movimento de vignerons [bem vistos] em Portugal”. Acrescenta que o desenvolvimento é incalculável não apenas para o vinho, mas porque “precisamos de produtores de vinho e outros artesãos, ou não vamos manter nossas aldeias; estes lugares irão perder o seu encanto”. É por isso que Filipa e William estão a recuperar uma antiga adega no coração de Óis do Bairro, a aldeia onde ela cresceu. E, é claro, isso significa que ela poderá estar perto das vinhas.
Aqui estão as minhas notas sobre os últimos lançamentos de vinhos autênticos de Filipa Pato sem maquilhagem:
Filipa Pato 3B Blanc de Blancs 2013 (Vinho)
Pela primeira vez, Pato prensou este lote tradicional de Bical e Maria Gomes com engaço, lote este que, combinado com uvas de vinhas velhas provenientes de solos calcários argilosos, contribui para um vinho espumante excepcionalmente fresco e preciso. Pureza adorável e persistência de pera perfumada. Muito bom. 12,5% vol.
Filipa Pato Nossa Calcário Branco 2012 (Bairrada)
Este 100% Bical (vertido de uma magnum) é um dos meus brancos favoritos da região (e certamente de Portugal). Feito a partir de uvas provenientes da aldeia de Filipa, Óis do Bairro, este vinho complexo e com textura é envelhecido em barricas de carvalho francês de 500 litros, sobre as borras com bâtonnage. As frutas de caroço maduras e cremosas são habilmente equilibradas e despedaçadas num longo final pelo corte rápido e impulsivo da acidez mineral da toranja. Salgado, com nuances de fumo que falam de terroir Atlântico de argila calcária. Esplêndido. 13.5% vol.
Filipa Pato FP Baga 2012 (IGP Beira Atlântico)
Esta é a primeira vez o FP tinto de Filipa Pato (o tinto júnior) tem tudo de Baga (costumava ser usada uma percentagem significativa de Touriga Nacional para “suavizar” o sabor). Em 2012, a atractividade do vinho é agora alcançada por uma pitada de uvas brancas co-fermentadas (1% Bical e 1% Maria Gomes) e um “mergulho frio” nas películas, seguidos de uma maceração super-curta e suave de 2-3 dias. Além disso, o vinho não viu madeira (que aumentaria os taninos) e foi envelhecido em cubas de betão. É um vinho encantador, com algumas reminiscências de um Cabernet Franc do Loire (de que Filipa é fã), com as notas estaladiças e apimentadas de canela acabada de cortar, cereja, ameixa e bons taninos. Mais que bebível. 12% vol.
Filipa Pato Nossa Calcário Tinto 2010 (Bairrada)
Moderno na pureza e clássico na estrutura este 100% Baga (vertido de uma magnum) tem frutos vermelhos maduros, crocantes mas doces, uma mineralidade dura e fumada e excelente frescura e persistência. Intenso em vez de denso, uns reflexos ultra-finos dos taninos polvilham um final prolongado, seco mas interessante. Muito bom. 13% vol.
Filipa Pato Nossa Calcário Tinto 2011 (Bairrada)
A colheita 2011 revela frutas da floresta mais maduras (vermelhas e pretas), que são bem suportados por taninos mais doces e arredondados. No entanto, muito fiel às suas raízes, é um vinho bem estruturado e bem definido – longo e persistente com um final delicadamente trabalhado com nuances minerais controladas. Muito bom. 13% vol.
Filipa Pato Espírito de Baga Uma Saga (Vinho)
Pato recuperou uma tradição da Bairrada que foi perdida no final do século XVIII, como consequência de medidas destinadas a proteger a indústria do vinho do Porto. O que parece um bocado disparatado quando este vinho tinto fortificado tem poucas semelhanças com um Porto. Como seria de esperar dada a influência atlântica, é um vinho mais fresco e mais bem trabalhado. Verdadeiramente macio, sustentado e persistente com fruta preta carnuda, mas bem definida, notas de pimenta e um final longo de nuances minerais controladas. O segredo para a elegante integração do Espírito? Vem de uvas Baga da Bairrada. Único e excelente. 17% vol.
Contactos
F. Pato – Vinhos Unip Lda
Rua da Quinta Nova, s/n, 3780-017 Amoreira da Gândara.
Tel: (+351) 231596032
Email: filipa@filipapato.net
Site: www.filipapato.net
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