Texto João Barbosa
Vinho é festa! Seja com o néctar mais plebeu ao estratosférico, no Ocidente costumamos festejar e brindar com vinho. Nem toda a gente gosta, nem todos têm um gosto sofisticado, instruído, esclarecido. Muitos não têm dinheiro para cumprir o desejo.
Além do vinho, da sua qualidade e preço, há a questão dos copos; um problema no universo dos meus amigos, pois nem todos têm uma relação tão profunda com o vinho, desconhecendo a importância que têm os vasos. Há os renitentes, por teimosia ou incredulidade ou por ignorância ou inexperiência, mas quem bebeu vinho por bons copos…
É um bocado como os talheres. Até muito tarde, os europeus comeram à mão. Um espeto com lâmina era comum nas mesas, fazendo as vezes de garfo e de faca. Apesar de o garfo ser um instrumento muito antigo, de muito antes do nascimento de Cristo.
Hoje, o garfo é tão comum e tão logicamente útil que pode parecer estranho como andaram os europeus a comer à mão até ao século XVI… XIX… XX. Consta que terá entrada na mesa do Rei de França através de Catarina de Medicis, casada com Henrique II.
O garfo substituiu o espeto de lâmina, mas não se lhe juntou a faca. Documentação fiável não há, não lhe deram importância à época, mas reza a lenda que foi no restaurante parisiense La Tour d’Argent que o par se fez.
A data da fundação não é certa, mas esta casa – ainda hoje existe, apesar da mudança de local – é tida como estabelecida em 1582. Terá sido aí que Henrique IV, consorte de França e Rei de Navarra, aprendeu a usar os talheres, o primeiro monarca a utilizá-los.
Luís XIV, seu neto, frequentava o La Tour d’Argent e já seria comum o uso dos talheres na corte. Porém, os faqueiros só começaram a surgir, nas casas abastadas, a partir de meados do século XIX.
Diz-se que o Rei Sol disse do Champanhe que era o «Rei dos Vinhos e o vinho dos Reis», um néctar nascido, em 1670, pela mão de Dom Pérignon. Este espumante não mais saiu de ao pé dos monarcas, que o bebiam por copos indiferenciados e obviamente disfuncionais.
Há duas versões para o nascimento do primeiro copo lhe dedicado. A primeira taça de Champanhe terá sido moldada num seio da Rainha Maria Antonieta ou de Josefina de Beauharnais, mulher de Napoleão Bonaparte.
A ciência e o engenho provaram que a taça é inadequada para um vinho espumante. Como qualquer instrumento, a função é mais importante que a forma. Assim se criou a flute, flauta.
Se a flauta, com o seu timbre cristalino, combina com a delicadeza dos espumantes e mantém viva a alma do vinho… a taça, nascida na intimidade da realeza, é muito mais bela.
Com snobismo – assumida provocação, sem vontade de ofender – a flauta é burguesa, tem de se mostrar. A taça é fidalga, o ouro-velho da nobreza, discreto e recatado.
Se não convenci, volto aos talheres. A prata – com seu odor característico, requerendo cuidado no preparo para a mesa – nunca será derrotada pelo christofle, um material que ganhou o nome do joalheiro que o criou.
Uma taça é muito mais sensual do que uma flauta… e quem consegue manter num copo, por largo tempo, um delicado vinho espumante?
Leave a Reply