Texto Sarah Ahmed | Translation Bruno Ferreira
Há algum derradeiro teste que comprove melhor o que é delicioso e de grande valor do que o que os membros do trade do vinho compram? Ao abastecerem-se no aeroporto de Lisboa, o grupo de sommeliers que eu levei em excursão pelo Sul de Portugal esbanjou o dinheiro em Moscatel de Setúbal. Espero realmente que o entusiasmo demonstrado se traduza nas suas cartas de vinho quando voltarem a casa. Ao passo que o vinho do Porto se vende a ele próprio, este fortificado, Moscatel, poderia beneficiar se tivesse mais embaixadores de “bem comer e beber” que espalhassem os elogios que bem merece.
No Decanter World Wine Awards, o meu painel é igualmente enamorado pelos seus charmes – não há melhor maneira de terminar um dia de avaliações do que nos perdermos sobre um copo de um irresistível Moscatel de Setúbal. Tal como as medalhas de ouro que regularmente lhe atribuímos demonstram (já para não mencionar a presença assídua na ribalta do Muscat du Monde awards), são puro ouro em todos os sentidos da palavra. E a realeza sabia-o. Aparentemente, o brinde das cortes de Richard II de Inglaterra e de Loius XIV de França foi feito com Moscatel de Setúbal. Suspeito que teria bastante menos valor naquela altura, por isso não somos nós os sortudos? – hoje em dia podemos beber como reis e pagar como plebeus.
Encontrará, mais abaixo, as minhas escolhas relativamente aos vinhos que provei na visita que fiz à Península de Setúbal no mês passado. Mas primeiro vale a pena perder um pouco de tempo a explorar o que faz o Moscatel de Setúbal tão especial. Naturalmente começaremos pela matéria-prima – a casta Moscatel de Setúbal (a.k.a. Muscat de Alexandria), que deve compor pelo menos 67% do vinho (85% se for Moscatel Roxo). Apesar de ser considerada inferior à sua mais famosa parente, a Muscat à Petits Grains, os produtores de Setúbal extraem habilmente o máximo de aroma e sabor da Moscatel de Setúbal, macerando o vinho fermentado e fortificado em peles durante 6 meses. É a melhor maneira para libertar o seu perfume de hortelã, floral, cascas cítricas e gengibre; chá de pêssego no caso da rosada e rara casta Moscatel Roxo.
Para serem uma pura delícia, os vinhos de topo são envelhecidos em barris de modo a permitir a caramelização dos açúcares, e também para concentrar os néctares resultantes da evaporação. No passado, os barris eram amarrados aos conveses de navios altos e enviados pelo equador para optimização do paladar e do carácter. António Soares Franco, CEO da José Maria da Fonseca, disse-nos que, como resultado da brisa do mar, da ondulação e das temperaturas altamente oscilantes no convés, os moscatéis denominados “Torna-Viagem” são altamente equilibrados, suaves e um pouco salgados. Há uns anos atrás tive a sorte de provar um exemplar do séc. XIX e, apesar de não me recordar de salinidade, lembro-me perfeitamente do seu estonteante equilíbrio e do seu paladar polpudo e suave. Parecia extraordinariamente jovem tendo em conta todas as aventuras que passou no mar.
Empolgantemente, desde 2000, que A José Maria da Fonseca vem experimentado a técnica Torna-Viagem com a marinha portuguesa e, como podem ver, esses barris que estiveram no mar parecem ter envelhecido mais rapidamente (as amostras Torna-Viagem à esquerda são mais escuras). Na Bacalhôa Vinhos de Portugal, outra grande produtora de Moscatel de Setúbal da região, a enóloga de fortificados Filipa Tomaz da Costa disse-me que desenvolveram condições especiais de armazenamento “para recriar o ambiente de um navio”. Por outras palavras, “sem qualquer controlo sobre a temperatura, humidade ou secura”. Durante o verão, o vinho que está dentro dos barris pode chegar aos 28ºC! Apesar de a evaporação ser consequentemente alta, Tomaz da Costa não enche os barris, isto porque, mais espaço no topo, em combinação com o calor ajuda a melhorar a complexidade e riqueza dos perfis râncio dos seus vinhos; talvez também um pequeno toque de “vinagrinho” (acidez volátil).
Estes elementos são essenciais para pura delícia do Moscatel de Setúbal, mas os melhores vinhos são distinguidos pelo seu equilíbrio e finesse. E é por isso que são provenientes de solos argilosos e calcários dos morros da região, em especial das encostas mais frias da Serra da Arrábida, viradas a norte (que costumava ser uma ilha há muitos anos atrás). Estes vinhos são marcantemente mais frescos e mais detalhados do que aqueles das planícies arenosas da região.
Adega de Pegões Moscatel de Setúbal 2012 – feito a partir de Moscatel 100% proveniente de solos arenosos e envelhecido em barris de carvalho francês e americano durante 3 anos. Este é um estilo mais leve e abordável com buttermint (menta), pouco doce, suave, laranja caramelizada e pêssego. Bom perfume e frescura. 17.5%
Casa Ermelinda Freitas Moscatel de Setúbal 2010 – Tal como o Pegões Moscatel, provém de solos arenosos, mas é bastante mais complexo. É envelhecido pelo menos dois anos, sendo que o normal são 4 a 5 anos, em barris usados num armazém sem qualquer controlo sobre a temperatura. E suspeito que seja isso que faz a diferença, porque é bastante mais concentrado e complexo no nariz e na boca, com deliciosas notas de râncio nogado e um toque de carvalho maltado no seu paladar a laranja caramelizada. Embora generoso, tem uma boa frescura para equilibrar. Digamos apenas que este foi particularmente popular no aeroporto. 17,5%
José Maria da Fonseca Alambre Moscatel de Setúbal 2010 – Este Moscatel de Setúbal de grande valor, de gama de entrada, figurou a maior parte das minhas noites durante as minhas férias na Costa Vincentina há um par de anos atrás. Para facilitar a abordagem, a fruta é proveniente de um local arenoso e argilo-calcário virado para sul. Ao contrário de alguns vinhos de gama de entrada, foi envelhecido em cascos velhos, o que confere um rebordo delicioso e nogado ao seu palato delicioso de laranja caramelizada; bom equilíbrio e longevidade. 127g/l de açúcar residual; 17,5%
José Maria da Fonseca Colecção Privada Moscatel de Setúbal 2004 – este vinho é o resultado directo de ensaios com aguardente. O enólogo Domingos Soares Franco descobriu que gostava mais de utilizar Armagnac e o Colecção Privada tem uma fluidez (boa acidez) e persistência encantadoras na sua fruta madura, cítrica e pêssego mais redondo. Com uma excelente integração da aguardente, o final continua, e continua, lentamente revelando amêndoas tostadas, caramelo, nogado e um toque mais levantado de buttermint. As uvas são provenientes apenas de solos de argila e calcário. 106g/l de açúcar residual; 17,5%
José Maria da Fonseca 20 anos Moscatel de Setúbal – O mais antigo produtor de vinhos de Portugal tem uma enorme carta de trunfo no que toca a produzir complexos e concentrados Mosctéis de Setúbal – muitas colheitas de Moscatel. Estão armazenadas na climatizada Adega dos Teares Velhos, lugar onde os vinhos mais velhos, com mais de 100 anos, estão guardados a cadeado! António Soares Franco diz-nos que os vinhos mais novos deste blend não-colheita de 20 anos têm 21-22 anos, ao passo que o mais velho tem 60 anos. Reconhece que é um blend de “aproximadamente 14 colheitas diferentes”. Isso é perceptível no seu longo, persistente, muito concentrado e complexo palato que revela casca de laranja caramelizada, substância, notas de marmelada picante e um pouco de marmelada amarga acabadinho de se juntar ao bouquet. Muito refinado, com um corte vivo de toranja a equilibrar o final. 182g/l de açucar residual; 18,4%
José Maria da Fonseca Roxo 20 anos Moscatel de Setúbal – feito a partir de uma Moscatel Roxo rosa muito mais rara, tem uma cor bastante mais escura do que o seu antecessor, e, apesar de ter bastante mais açúcar residual, parece mais fresco, seco (menos saboroso) e mais leve. Doce, aguçado mas sabores exóticos de tangerina, toranja rosa e chá de pêssego misturam-se na boca; grande linha e comprimento. A minha escolha dos 4 da JMF (mas devo ressalvar que sou uma grande fã do Roxo). 217.8g/l açúcar residual; 18%
SIVIPA Moscatel de Setúbal 1996 – de solos argilosos/calcários, este vinho foi envelhecido durante 10 anos em barris de carvalho francês. É um vinho complexo e concentrado, com um toque de aguardente no final mas que flui naturalmente e suavemente, xaroposo, pêssego, damasco seco mais concentrado, amêndoas tostadas e caramelo. 180g/l açúcar residual ; 17%
Casa Agrícola Horácio Simões Roxo Moscatel de Setúbal 2009 – Sou uma grande fã de Horácio Simões, um produtor de boutique de terceira geração. Este longo e duradouro Roxo mostra o porquê. Textura sedosa, concentrado e rico em laranjas caramelizadas, mostra sinais de madeira maltada e deliciosas notas de praline final (foi envelhecido em barricas de carvalho francês). Generosidade espectacular e palato equilibrado.
Bacalhôa Vinhos de Portugal Moscatel Roxo Superior 2002 – o meu painel no Decanter World Wine Awards premiou este incrível Roxo com um medalha de ouro e um troféu regional. Eu teria oferecido o troféu novamente neste alinhamento! As uvas são provenientes de solos argilosos/calcários do norte da Serra da Arrábida. Ainda assim, foi envelhecido durante 10 anos em pequenos barris franceses de 200ml de whisky (do qual beneficia por causa dos poros limpos) e em condições de simulação de embarcação, com grande variação térmica, tem uma frescura e pureza surpreendentes. Referindo-se aos “choques de temperatura, evaporação e concentração do ácido e do açúcar e a libertação de aromas ligados ao açúcar”, o enólogo responsável, Vasco Penha Garcia, diz que “é incrível que quando envelhecemos vinhos nestas condições eles fiquem mais frescos, mais florais”. Sem dúvida que o Bacalhôa Roxo Superior 2002 tem grande intensidade, toque e camada de água de rosas, mentol e aromas de chá de pêssego, que seguem na boca juntamente com pureza bonita de laranjas caramelizadas, tangerina suculenta, casca de toranja rosa e delicadas amêndoas tostadas e notas mais ricas de marzipan. Embora tenho um sabor agradável e rico, é muito persistente (boa acidez) e fino, o final, muito equilibrado. 190.2g/l acúcar residual; 19%
Leave a Reply