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Dois magnatas

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Texto João Barbosa

Abel Pereira da Fonseca foi um próspero negociante de vinhos. Em 1906 abriu um entreposto no Poço do Bispo – fica fora dos percursos turísticos, mas o edifício é interessante de ver para quem tenha mais tempo. A avenida não existia e os barcos acostavam para descarregar o vinho vindo da margem Sul do Tejo.

À época, as tabernas costumavam ter associado o negócio do carvão. Este empresário criou a rede Val do Rio, onde se podia beber um bom vinho e em ambiente asseado. Em 1928 eram cerca de 50 estabelecimentos e em 1937 já chegavam à centena. A classe média lisboeta podia beber o seu vinho sem ter de se juntar à malta suja e pobre.

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Abel Pereira da Fonseca, Lda no Poço do Bispo – Foto Cedida por Companhia Agrícola do Sanguinhal | Todos os Direitos Reservados

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Abel Pereira da Fonseca – Foto Cedida por Companhia Agrícola do Sanguinhal | Todos os Direitos Reservados

Fernando Pessoa, um génio mundial da poesia, era uma pessoa estranha, a quem poucos conheciam amigos. A meio da tarde, levantava-se da cadeira do escritório, onde se aborrecia com a realidade, e dizia:

– Vou ter com o meu amigo Abel.

O amigo Abel era o copo na taberna Val do Rio, da firma Abel Pereira da Fonseca. Uma vez fotografado, assinou o retrato: «Apanhado em flagrante delitro».

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Fernando Pessoa “em flagrante delitro.” – Foto Cedida por Companhia Agrícola do Sanguinhal | Todos os Direitos Reservados

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A assinatura de Fernando Pessoa “em flagrante delitro” – Foto Cedida por Companhia Agrícola do Sanguinhal | Todos os Direitos Reservados

Nesse ano de 1937, Abel Pereira da Fonseca deixou o negócio – a marca ficou com outros, coisa de negócios que não vêm ao caso – e fixou-se na Quinta das Cerejeiras, no Concelho de Bombarral. Aí criou uma marca emblemática que resiste.

O Quinta das Cerejeiras tornou-se numa referência de qualidade, expostas nas cartas de vinhos dos melhores restaurantes. O gosto e o padrão de consumo mudou. Os dez anos de estágio em garrafa foram muito reduzidos. Ainda assim, os Quinta das Cerejeiras Reserva são uma referência da região de Lisboa e obrigatória para quem se interessar pelos néctares nacionais.

Outro magnata de renome foi João Camillo Alves, barbeiro na vila suburbana de Bucelas, que se pôs como intermediário entre os produtores da vila e os burgueses lisboetas que ali iam veranear. Daí a vender na capital fui num instantinho.

A empresa Caves Camillo Alves faz hoje parte do grupo Enoport, que agrupa outras grandes firmas de outrora, como as Caves Velhas ou as Caves Dom Teodósio – Teodósio Barbosa, outro magnata do vinho de há cem anos.

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Romeira Vinho Tinto – Foto Cedida por Enoport | Todos os Direitos Reservados

Obviamente que esta firma detém marcas que cruzam gerações. A mais emblemática talvez seja a Romeira. Trata-se de vinho tinto nascido numa região onde apenas as uvas brancas são elegíveis para vinho com denominação de origem.

A constituição da Quinta da Romeira, em Bucelas, remonta ao século XVII, e desde então tem conhecido diferentes proprietários, tendo há cerca de um ano voltado a ser transaccionada. A marca Romeira, pertencente às Caves Velhas, foi criada em 1912. Na década de 70, do século XX, o enólogo Manuel Viera fazia um lote com uvas da Península de Setúbal. Posteriormente passou a ser todo ele produzido em Palmela e hoje faz-se no Alentejo.

Quando se fala em vinho de Bucelas tem de se referir o Bucellas, criado pelas Caves Velhas em 1939. O consumidor tem sempre razão, conforme dita o aforismo? Não! E infelizmente, negócio é negócio e as empresas não são para dar prejuízo. Os vinhos de Bucelas viviam longos anos, excelentes. Os Bucellas Garrafeira eram «o» Bucelas. O último foi o de 1998 e bebi-o este ano. Colossal!

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Serradayres Colheita 1986 – Foto Cedida por Enoport | Todos os Direitos Reservados

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Serradayres Reserva 2013 – Foto Cedida por Enoport | Todos os Direitos Reservados

Muito antigo é o tinto Serradayres (Enoport), comercializado pela primeira vez em 1896, pelo Conde de Castro Guimarães, no Ribatejo – hoje região do Tejo. Já agora, a residência condal situa-se em Cascais e é um espaço museológico a ver.

Ainda dentro da mesma casa, o Lagosta (Enoport) é uma referência antiga, datada de 1902. Vinho leve e descomplexado, mas sem o peso histórico de outras marcas.

E eu que pensava que arrumava o assunto em poucas linhas… esperem, que já sirvo mais uma rodada.

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