Texto Sarah Ahmed | Tradução Teresa Calisto
Quando se trata de fazer vinho, excluindo o Vinho do Porto, a aliança comercial Anglo-Portuguesa parece andar em torno do nome Richard. Por exemplo, os Richardsons of Mouchão de Sir Cliff Richard da Adega do Cantor.
O mais recente Britânico a continuar com esta tradição, é o escritor de vinhos Richard Mayson, que publicou vários livros sobre os vinhos portugueses do Porto e da Madeira. Não satisfeito com o facto de ter entrado, por casamento, para a famosa família madeirense Blandy, adquiriu a sua própria propriedade, Quinta do Centro, em 2005 na sub-região Alentejana de Portalegre (que ligação é esta dos escritores de vinho a Portalegre?!?).
Os vinhos são feitos em parceria com o conhecido enólogo e consultor Rui Reguinga com o revelador nome de marca Sonho Lusitano (‘Lusitanian Dream’). Falei com Mayson sobre viver o sonho, neste segundo de três artigos sobre escritores de vinho que fazem vinho em Portugal. A seguir, Tiago Teles.
Como surgiu este interesse por vinho?
Em Portugal: a minha família era fabricante de têxteis e tinha ligações comerciais lá. As férias e as viagens de negócios eram muitas vezes associadas. Os meus pais tinham uma casa em Portugal e apresentaram-me ao vinho era eu ainda muito jovem.
Quando foi mordido pelo bichinho do vinho – quando é que passou a ser um hobby a sério?
O meu primeiro emprego fez-me ficar com o bichinho do vinho. Tinha acabado de sair da escola aos 18 anos e estava a desfrutar de um ano sabático em Portugal, quando arranjei trabalho num restaurante. Os donos tornaram-me responsável pela lista de vinhos, na realidade apenas tinha que me certificar que a adega estava abastecida com os vinhos da lista e fazer as encomendas. Mas lembro-me de ter pensado que este era um tema realmente interessante, e fui até Lisboa para comprar alguns livros sobre vinho, que li na praia nas minhas tardes de folga. Durante os meses de Inverno, comecei a visitar as vinhas e através de alguns contactos profissionais dos meus pais, fui convidado para almoçar com Jorge Ferreira do despachante de vinho do Porto homónimo. Foi no dia 24 de Março de 1980 e lembro-me de ter pensado “isto é que é vida”. O bichinho tinha mordido!
O que o levou a uma carreira na escrita de vinhos?
Quando estava na Universidade, tive que escrever uma dissertação como parte do meu curso. Usando os contactos que tinha feito em Portugal durante o meu ano sabático, passei os meses de Julho e Agosto de 1982 a pesquisar o micro clima das vinhas do Douro. A nossa empresa familiar de têxteis tinha acabado de fazer um grande número de despedimentos na recessão do início dos anos 80 e não havia emprego para mim, pelo que decidi candidatar-me a empregos no comércio de vinhos. Tive a sorte de ter sido acolhido pela The Wine Society, onde uma das minhas tarefas era escrever, tanto ofertas, como notas de prova, para incluir nas caixas sortidas. Mas sempre tive a ideia de querer escrever um livro sobre vinhos Portugueses e, com a pressão dos compromissos profissionais familiares, quando surgiu a oportunidade em 1989, deixei a Wine Society para me tornar escritor de vinhos freelancer. O livro “Portugal’s Wines and Wine Makers” (“Vinhos e Vinhas de Portugal”) foi publicado em 1992 pela Ebury Press.
Na sua escrita, que vinhos o inspiraram mais e porquê?
A resposta tem que ser o Douro e especificamente o Vinho do Porto Tawny de 20 anos. Há algo de verdadeiramente mágico e misterioso no equilíbrio melífluo e na postura destes vinhos que não se baseiam apenas num ano ou colheita. Acho que fui inspirado também pelo Sherry (tendo tido uma visita alargada a Jerez por ter ganho a Bolsa Vintner em 1987) e pelo Madeira, tendo visitado a ilha pela primeira vez em 1990.
Na sua escrita, que vinhos o inspiraram menos e porquê?
É um grande desafio responder a essa pergunta, uma vez que me interesso por todos os vinhos. No entanto, sou menos inspirado por algumas das marcas maiores e pelos vinhos mais comerciais vendidos a níveis de preço chave pelos supermercados. Na realidade, acho estas promoções “menos de metade do preço” deprimentes.
Alguma das duas últimas respostas mudou desde que começou a fazer os seus próprios vinhos?
Não, acho que fazer vinho apenas consolida a nossa opinião. Enquanto produtor de vinho é frustrante ver os consumidores serem enganados com vinhos fracos, por vezes a preços altos e muitas vezes pensamos “Eu consigo fazer muito melhor que isto!”
O que o motivou a fazer o seu próprio vinho? Houve algo em particular?
Eu sempre tive em mente transformar as minhas palavras em acções. Eu andava a escrever há anos sobre o potencial que Portugal tinha e tem, enquanto país produtor de vinhos e queria ser eu a mostrar isso mesmo. Há alguma satisfação em “passar de caçador furtivo a guarda de caça”.
Dada a sua especialidade ser o Vinho do Porto, o Madeira e os vinhos do Douro, porquê o Alentejo?
Duas razões principais: o Douro é um sítio complicado e, quando finalmente me decidi a avançar, estava cada vez mais superlotado de actores, muitos deles a fazer vinhos excelentes. Para além disso os preços do imobiliário tinham perdido a ligação com a realidade. O meu Alentejo não é um Alentejo qualquer, mas um canto de Portugal que eu tinha debaixo de olho há anos. Primeiro a região de Portalegre é espectacularmente linda e mais parecida com o Norte de Portugal do que com o Sul, com pequenos minifúndios em montanhas de granito e xisto. Tem um terroir fabuloso e eu queria mostrar isso mesmo e colocar este lugar no mapa.
Depois de ter decidido fazer o seu próprio vinho, quanto tempo demorou até ter o seu primeiro vinho?
Qual o comprimento de um pedaço de fio? Demorou-me bastante tempo a encontrar o sítio certo e nunca se tem a certeza se se vai avançar até se encontrar o sítio certo. Creio que demorou cerca de cinco anos desde começar a procurar a sério até produzir o nosso primeiro vinho em 2005.
Qual era a sua visão para o seu vinho e ela mudou de alguma maneira?
Quando enveredei por este projecto disse, meio a sério, meio a brincar, que queria ser o “Petrus de Portugal”! Agora percebo que para ser Petrus (ou qualquer outro grande vinho icónico) é necessário ambicionar ser perfeito a todos os níveis. A perfeição vem, não só, a enorme custo, tanto financeiro como emocional, e como resultado, a maioria dos vinhos são um compromisso, moldado para o mercado. Eu acredito que temos as condições naturais na Serra de São Mamede para fazer vinho realmente bom e de qualidade mundial, mas que demora tempo a chegar lá e que o preço que se recebe por todo o nosso trabalho árduo, depende do que o mercado irá aceitar. Comprar uma vinha e fazer e vender os nossos próprios vinhos traz uma forte dose de aspectos práticos ao nosso sonho inicial. Fazê-lo durante uma das mais sérias crises financeiras da história, apenas serve para testar ainda mais o nosso sonho.
Teve desde o início uma ideia sólida sobre quem iria comprar e degustar o seu vinho e isso é importante?
Sim, eu tinha planeado desde o início fazer três vinhos tintos diferentes. Começando com um vinho, Pedra Basta em 2005, chegamos aos três (Duas Pedras e Pedra e Alma) em 2009. Antes de lançarmos o nosso primeiro vinho Pedra Basta em 2007, testamos o mercado para ter a certeza que nos encontrávamos na categoria certa de preço/qualidade, tanto em Portugal como, mais essencialmente, a nível internacional. É também importante encontrar o nome e imagem certos para o nosso vinho. Basicamente conhecíamos o nosso mercado e continuamos a tê-lo como alvo, apesar desse alvo estar em constante movimento.
Quão envolvido está no processo de cultivo da uva, produção do vinho, desenvolvimento da marca/embalagem e marketing?
No início tentei estar envolvido em todos os níveis, mas com três crianças pequenas em casa e outros trabalhos para fazer, isso não é possível. No entanto, eu gosto de saber o que está a acontecer e tomo as decisões estratégicas nas vinhas, sobre a mistura dos lotes e sem dúvida, sobre o desenvolvimento da marca/embalagem e marketing. Tenho muita sorte em ter uma equipa excelente e de confiança, incluindo o brilhante enólogo Rui Reguinga que é também o meu sócio. Pensamos dentro das mesmas linhas e gostamos dos mesmos tipos de vinhos, o que ajuda!
Tinha alguma experiência na produção de vinhos ou fez alguns estudos em enologia antes de fazer o seu próprio vinho?
Eu passei uma vida no vinho, que incluiu trabalhar num conjunto de casas vinícolas tanto em Portugal como na Austrália, portanto eu sabia no que me estava a meter. Mas se tenho uma formação formal? Não. Eu não confiaria em mim para ser responsável por uma colheita dia a dia, hora a hora, mas eu sei o que se passa.
Tem um mentor ou herói do vinho que o inspire?
Essa é difícil de responder porque eu tenho tantos bons amigos no negócio do vinho cuja influência me contagiou ao longo dos anos. Para nomear apenas alguns, diria Rick Kinzbrunner da Giaconda, em Victoria, Austrália, a família Roquette da Quinta do Crasto no Douro e Dirk Niepoort que reinventou o negócio da família ao longo dos últimos 25 anos.
De que forma a sua experiência enquanto escritor de vinhos, influenciou o estilo de vinho que faz, a região e/ou as variedades a partir das quais obtém as suas uvas, e como desenvolve a marca e vende os seus vinhos?
Eu diria que ser escritor de vinhos tem tido uma influência a todos os níveis. Enquanto escritor de vinhos vê-se tanto deste mundo; o óptimo, o bom e o mau e o feio. Isto quer dizer que formamos ideias bastante claras sobre o que funciona para nós. Obviamente, em termos de estilo, antes de mais, temos que respeitar o terroir. Eu costumava ser um céptico do terroir mas agora sou um fanático. Obtemos as nossas uvas das minhas vinhas, pelo que os nossos vinhos são específicos do local. As uvas que tenho são, em parte, aquelas que têm um historial de se dar bem na nossa área, mas também aquelas de que gosto e sobre as quais tenho um palpite, como Syrah e Touriga Nacional. Por muito que goste da variedade, nunca plantaria Pinot noir em Portalegre, da mesma forma que não plantaria Syrah em Sheffield! Apesar dos nossos vinhos serem de uma única propriedade, Quinta do Centro, decidi desde cedo, criar a marca dos nossos vinhos de acordo com o terroir local, em vez de seguir o caminho, tantas vezes repetido, da propriedade única. “Pedra” é o nosso tema comum e reflecte a minha crença no nosso terroir predominantemente granítico.
Escrever sobre vinhos dá-lhe uma compreensão do processo, do mercado, etc. mas fazer o seu próprio vinho envolveu algum desafio/dificuldade imprevisto? Se sim, quais são?
Sim, há alturas em que o sonho se transforma em pesadelo, especialmente quando as coisas correm mal no meio da vindima, quando toda a gente está a trabalhar ao máximo e há bastante tensão. Eu passei uma vindima, enterrado até aos joelhos em efluente, quando o sistema de esgotos deixou de funcionar. Não pensamos nestas coisas quando estamos a provar vinho, mas para fazer bom vinho é preciso muita água e ela tem que ir para algum lado.
Reciprocamente, fazer o seu próprio vinho ultrapassou as suas expectativas de alguma forma? Há alguns aspectos do processo que considere particularmente agradáveis?
Adoro tudo (com excepção dos esgotos, obviamente) mas acho que promover e vender o nosso vinho me trouxe mais satisfação do que estava à espera.
Estar envolvido no processo de produção mudou a sua perspectiva sobre o mundo do vinho em alguma forma?
Sim, eu diria que produzir vinho mudou a maneira como penso sobre praticamente tudo o que tem a ver com vinho. Enquanto escritor de vinho, estamos do lado de quem recebe muita hospitalidade e não vemos com frequência a angústia comercial que faz parte da enologia, a quase todos os níveis. A regulamentação vitivinícola é particularmente frustrante.
Está satisfeito com a sua gama – em termos do próprio vinho (coincide com a sua visão), as vendas e o nível de preço?
Sim, estou muito satisfeito com a nossa gama. Pedra Basta é o nosso vinho principal e vende no Reino Unido por cerca de £12.50, com o Duas Pedras a £8.50 e o Pedra e Alma a cerca de £20. Acredito que todos os nossos vinhos oferecem um bom valor pelo dinheiro e isso é importante. Temos que acreditar nos nossos produtos.
E a seguir (alguns planos para expandir a gama)?
Possivelmente um Pedra Basta branco, possivelmente um rosé. Está sempre sob discussão.
Qual é a coisa mais excitante que está a acontecer com os vinhos Portugueses hoje em dia?
Acho que os vinhos brancos provaram e estão a provar que são incrivelmente emocionantes em Portugal. Mais ainda, gosto da reabilitação da uva Baga que está a acontecer.
Vinho é um luxo, não uma necessidade – o que faz com que valha a pena e qual é o valor mínimo que os consumidores devem esperar pagar por um vinho interessante de qualidade?
É a variedade que dá sabor à vida e não há nada mais variado que o vinho, em estilo, carácter, história e embalagem. Veja-se a gama média dos supermercados. Não encontra nada parecido com esta variedade em sumos de laranja ou feijão enlatado! Quanto é que os consumidores devem pagar, depende do mercado, mas no Reino Unido, grande parte do custo do vinho está a ser fixado sob a forma de taxas e despesas gerais. Eu diria que £7.50 seria a regra geral, tendo sempre em conta que quanto mais se paga, mais vinho se obtém pelo dinheiro.
Há tanta competição por espaço de prateleira – porque é que os retalhistas e os consumidores devem escolher Portugal?
Portugal redescobriu o seu terroir nos últimos vinte anos e é um sítio muito emocionante para se estar. Dentro de Portugal há um espectro enorme de vinhos, tinto, branco e fortificado, mais do que em qualquer outro país de tamanho comparável, atrever-me-ia a dizer. Portugal oferece uma gama de sabores única, a partir de uvas fascinantes, bem como óptima relação custo/benefício. Qualquer pessoa com um interesse genuíno por vinho, deve ter mais que um interesse superficial por Portugal. Pode não ser o país mais fácil de compreender, mas traz recompensas enormes para aqueles que despendam do tempo e do esforço.
E porque deveriam escolher um dos seus vinhos? Qual é a história?
Pedra Basta 2010. Este é o vinho que sempre quis fazer.Acabamos de lançar a colheita de 2010 e apesar de ter sido um ano bastante difícil, o Rui Reguinga fez um óptimo trabalho e acho que o vinho é o nosso melhor até à data. Nós aliviamos deliberadamente o carvalho, para permitir que a fruta se expressasse mais. O vinho é uma verdadeira reflexão do nosso terroir de montanha, fruta madura combinada com frescura e subtileza. As uvas são Trincadeira, Aragonez e Alicante Bouschet com um toque de Cabernet Sauvignon. Não vou encher esta resposta com a prosa púrpura do escritor de vinho, pelo que bastará dizer que eu estou muito, muito orgulhoso dele. Prove-o e veja se concorda.
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