image Restaurante Mendi – 18 anos a servir bem De Paradoxo e Património: Uma Entrevista com Marta Soares, Casal Figueira

Sangue na Adega

Texto João Barbosa

Alguém disse – um famoso… político, escritor ou militar… – que um homem sem inimigos não tem préstimo, mais coisa menos coisa. Que saiba, não tenho inimigos, pelo que vou tentar arranjar alguns com esta crónica. O mote tem a cor do sangue!

O Vinho Verde tinto é um «produto» – detesto o termo aplicado a coisas bonitas como o vinho, pelo que aqui é mero recurso e não ofensa – vínico que muitos apreciam, muitos julgam que apreciam (provavelmente não beberam), outros afirmam gostar para serem simpáticos e outros abominam.

Estou no grupo dos que abominam o Vinho Verde tinto!

Atenção a este aspecto: a tradição merece-me todo o respeito, tal como a vertente étnica, verdade regional e carácter. O Vinho Verde tinto consegue todos estes pontos.Carácter é coisa que não falta a este vinho do Entre Douro e Minho. Enquanto enófilo, espero que perdure por muitos e longos anos, guardando as características que os seus amantes apreciam. Mas dispenso-o.

O pior que poderia acontecer – a este «produto» como a qualquer outro com autenticidade – é a perda de identidade, para se moldar ao gosto da moda ou da multidão. Peço aos vitivinicultores que deixem o Vinho Verde tinto continuar como até aqui, não cedendo nessa virtude que é a «verdade».

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Uvas de Vinho Verde na Vinha – Foto de Feliciano Guimarães | Todos os Direitos Reservados

 

Tenho 45 anos e faço parte duma geração, talvez na última urbana, que teve vinho à mesa: o copo ao almoço (durante a semana de trabalho e no fim-de-semana), o copo ao jantar, nas festas… Em criança não bebia, obviamente. Porém, as pândegas faziam-se com vinho e não com shots ou destilados – que apenas se bebiam nas discotecas.

Alexandre Dumas (Pai) foi, além de romancista de excepção, um gastrónomo de renome, com trabalho publicado, e ainda hoje o deve ser lido por quem gosta dos assuntos da comida, e defendeu que a comida dum local deve ser acompanhada com vinho da mesma proveniência.

A gastronomia é cultura, como as artes ou como os hábitos de trabalho ou os trajes. Para mim faz todo o sentido. Por isso, compreendo que alguns pratos do Entre Douro e Minho devam ser acertados com o seu vinho.

Outra coisa é gostar ou considerar como bom. Mesmo o «bom» é às vezes discutível. O Vinho Verde tinto tem uma grande acidez, é pujante e marca a boca. Este é um daqueles casos em que «bom» se traduz numa grande personalidade, que leva a paralaxes de entendimento. Heterodoxia não é só virtude nem só defeito. Não é consensual: há apaixonados, quem aprecie como acompanhamento preciso e lógico da comida da sua região de origem, e quem não lhe dê afecto, como é o meu caso… não gosto da casta vinhão e mesmo no Douro, onde lhe chamam sousão, a sua presença não me é simpática. Porém, defendo que se mantenha como é, porque autêntico. Bebe quem gosta e/ou percebe, dispensa quem sente comichões.

A tradição é o que é e também as características do que a natureza dá. Um dia queixei-me, a um amigo gastrónomo, dum café célebre que se serve numa, não menos famosa, «cafetaria» de Lisboa. Fui repreendido, porque aquele é «o melhor» café de montanha que há. Ora, ora… de que me serve ser «o melhor» se é desagradável?

O que é isso de «o melhor»? O que diz a «academia» ou o saber ancestral do povo ou o gosto pessoal? É tudo relativo. O meu amigo tem razão, num determinado ponto de vista: é preciso saber o que é para se poder compreender.

O Vinho da Madeira sofre todos os castigos que se podem infligir a um vinho. Quem o prova, desportivamente ou num concurso, deve saber que é um Madeira, pois o padrão tem de ser esse. Não se lhe pode exigir o que não é!

Um carro de Fórmula 1 é melhor do que um de WRC ou doutro que corre o Dakar? Cada um é melhor na sua categoria, são incomparáveis. Porém, há bons e maus Fórmula 1, WRC ou Dakar. Como no vinho. Há bons vinhos jovens e cheios de garra, como o Vinho Verde Tinto.

Nos últimos tempos, têm surgido vitivinicultores de referência a dedicarem-se à produção de Vinho Verde tinto. No entanto, mantenho o «desgosto». Nada a fazer! Serei sempre um herege, para os apreciadores.

As afirmações peremptórias – sempre, nunca, tudo, nada, etc. – são perigosas para quem as profere, pois há-de surgir uma, duas ou 20 excepções só para chatear a sentença. Pode ser o caso.

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2 comments
  • Antonio.gama13@gmail.com'
    António Gama
    REPLY

    Não há melhor vinho como o Vinhão para acompanhar a Lampreia e terá muito mais charme servido numa malga de cerâmica. Experimente e verá. É claro que também poderá não gostar de Lampreia…

    • jjbbarbosa@gmail.com'
      João Barbosa
      REPLY

      Olá, António Gama

      sou levado a concordar parcialmente consigo, o que não desmente o que escrevi. Sou defensor que as comidas dum local «devem» ser acompanhadas por vinhos da mesma proveniência.Isso aplica-se, obviamente, ao Vinho Verde tinto e à lampreia.
      Ainda assim, penso que cada um é livre de fazer as «maridagens» que entenda. Como penso que cada qual gosta do que gosta.
      Pessoalmente – só posso falar por mim – o Vinho Verde tinto não me dá qualquer prazer. Nos casos dum produto com um claro e vincado carácter, as posições podem extremar-se, do «adoro» ao «detesto».
      Sou um defensor da preservação das identidades, da preservação das características «étnicas» (ou regionais, locais). Fico feliz por existir Vinho Verde tinto e que haja muita gente que o aprecie e assim permita a sua existência. Infelizmente, outros vinhos étnicos não tiveram ou não têm uma existência tão feliz quanto o Vinho Verde tinto.
      Porém, não faço parte dos apreciadores de Vinho Verde tinto. Tal como não faço parte dos amantes da lampreia.

      Saudações enófilas,
      João Barbosa

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