Texto Sarah Ahmed | Tradução Bruno Ferreira
Uma das minhas piadas varietais favoritas diz respeito à Cabarnet Sauvignon, sobre a qual o enólogo californiano Sean Thackrey entoou memoravelmente, “Defenitivamente não quereria sentar-me ao seu lado num jantar; é demasiado educada!”. Sem dúvida que esta icónica casta de Bordéus é para as uvas o que as riscas-de-giz são para os fatos – emana postura, sofisticação, poder e controle.
Caso se esteja a perguntar o que é que isto tem a ver com o Douro, fique comigo. Aliás, recue um pouco até ao meu artigo de Fevereiro sobre a vertical de Chryseia com Bruno Prats em que descrevi como este reconhecido enólogo bordalense, nado e criado um homem de Cabarnet, controla soberbamente a sua matéria-prima. Prats confessou que na sua óptica apenas a Touriga Nacional e a Touriga Franca são “interessantes”, ao mesmo tempo que demonstrou uma clara preferência pelas plantações de bloco (monovarietais) em deterimento das tradicionais plantações multivarietais field blend do Douro. Porquê? Para “ter a certeza de as estar a colher na altura certa”.
A ‘altura certa’ é um tema por si próprio (o colega escritor Andrew Jefford aborda-o aqui) mas, discursando na prova anual de Londres “New Douro”, Cristiano van Zeller da Quinta Vale D. Maria discordou sobre até que ponto é necessário manter o controlo dos recursos naturais do Douro. Ao reflectir sobre o carácter português – um carácter que, “gostou do caos durante muito, muito tempo” – afirmou “temos que fazer uso do nosso carácter – um pouco de caos. Não temos de controlar tudo. Uma pequena surpresa todos os anos, é isso temos estado a tentar fazer no Douro”. Em relação às castas sublinhou que, “as plantações são muito diferentes de qualquer outro lugar no mundo… é muito difícil para qualquer uva expressar realmente o que o Douro é e o que tem a dizer, e por isso os viticultores tentam encontrar o perfil do Douro ao juntarem umas às outras”.
Também existe um segredo local. Van Zeller revelou, “se plantarmos por bloco, claro que as uvas têm diferentes períodos de amadurecimento, mas quando estão todas aleatoriamente e razoavelmente misturadas num único talhão, verificamos que a diferença temporal entre a que amadurece primeiro e a que amadurece por último, é muito mais reduzida – apenas 3 a 4 dias.”. A cereja no topo do bolo é que as field blends envolvem necessariamente uma co-fermentação de diferentes castas, um processo que David Guimaraens da The Fladgate Partnership verificou “conferir uma maior dimensão de sabor e equilíbrio”. E é por isso que agora prefere micro-talhões monovarietais (apenas algumas linhas), que podem ser colhidas alternadamente com micro-talhões de diferentes variedades e ser co-fermentadas (pode ler o que David Guimaraens tem a dizer sobre a evolução do afastamento e retoma a uma abordagem mais multi-varietal aqui).
Esta nova abordagem pode ser descrita como um caos organizado mas, quando Van Zeller revelou que a composição varietal das field blends de vinhas velhas é adaptada para os diferentes terroirs, fez parecer que sempre houve método no meio da aparente loucura. Por exemplo, disse que o Vale do Torto tem à volta de 7-8% Rufete, enquanto que o Vale do Pinhão tem mais Sousão; a Tinta Francisca sempre foi mais importante na Quinta do Roriz.
Para David Baverstock, da Quinta das Murças, que fez a abertura do Simpósio “New Douro” e que teve lugar no mês passado, o caos organizado resume bem a vida no Douro. Explicou que os desafios da região são “o que nos move como enólogos – tentar controlar as coisas ao máximo mas sabendo que no final de contas temos de ‘ir com a corrente’. Para além das field blends e da topografia montanhosa, as condições meteorológicas também desempenham um papel importante em qualquer colheita”.
A diversidade de terroir no Douro foi o tópico do simpósio e, dos quatro oradores, Baverstock era o que estava numa posição mais priveligiada para falar do progresso que foi feito, remontando a 1990 quando deixou a região pela Esporão no Alentjo. Disse-me que “Mudou radicalmente. Era muito fácil no início dos anos 90, não exisitia grande competição na altura. O Barca Velha era reconhecido como um grande vinho mas raramente era lançado para o mercado. O Dirk e o Cristiano estavam apenas começar, a Duas Quintas também, era muito fácil avançar com projectos como a La Rosa e a Crasto. Mas agora, o nível de vinificação, a qualidade dos vinhos e o conhecimento do potencial do Douro, com os seus diferentes meso e micro climas, estão num patamar altíssimo.”.
Aprofundando o tema e passando para os tipos de solo, Baverstock falou do importante papel do xisto no Douro. Aparentemente, o Douro é uma das poucas regiões que tem o xisto alinhado verticalmente, o que permite às raízes da vinha entrarem no solo por entre as placas de rocha. O facto de as chuvas serem escassas no Douro combinado com a friabilidade do xisto permite que as vinhas se enraízem “muito fundo”. Os melhores lugares permitem mesmo que as raízes cheguem a cerca de 10 metros de profundidade, o que ajuda as vinhas a ultrapassar a difícil (quente e seca) época de crescimento. Por outro lado, o xisto (especialmente em encostas íngremes) é bem drenado, o que significa que as vinhas nunca chegam a ficar impregnadas de água. O xisto também é vantajoso porque, estando num constante estado de decomposição, proporciona às vinhas os oligoelementos que precisam para sobreviver.
As raízes das vinhas do Douro podem ser profundas mas, no que toca aos produtores, Paul Symington da Symington Family Estates confessou, “estamos apenas a começar a apalpar a superfície do que é a verdadeira história do Douro.” Contrastando-o com o terroir razoavelmente homogêneo de Bordéus, descreveu o Douro como “a região vitivinícola mais diversa das grandes regiões vitivinícolas do mundo.” As razões desta diversidade? Symington debitou uma longa lista de factores que têm impacto sobre os estilos de vinhos, incluindo a surpreendente variação de precipitação e temperatura, dependendo da localização, altitude e aspecto. Nos sítios em que as vinhas estejam viradas para pontos diferentes, e mesmo dentro da própria vinha, os Symington colhem as uvas em caixas codificadas por cores de acordo com o aspecto. O pH do solo também é muito diferente ao longo Douro, algo que tem impacto na capacidade para vinha absorver os minerais (fica comprometida se os solos forem muito ácidos).
O discurso de Van Zeller centrou-se na grande diversidade de castas do Douro e na tendência de retoma às plantações multivarietais de grande densidade, sejam os micro-talhões de Guimaraens ou a sua nova versão das plantações antigas na Quinta Vale D. Maria. “Estou a misturar tudo”, disse, pois percebeu que a qualidade e perfil não derivam da idade da vinha em si, mas sim da mistura de castas nas vinhas e da co-fermetação das uvas (isto apesar de Dirk Niepoort ter afirmado a sua crença de que as vinhas velhas “falam muito mais alto” sobre o terroir do que a casta). Trabalhar com uma ampla diversidade de castas é, também aqui, um ponto vantajoso, ao dizer “nem todas as castas são afectadas pelas mesmas doenças ao mesmo tempo ou têm a mesma produção, portanto, de uma maneira ou de outra podemos garantir uma certa capacidade de produzir excelênica a maior parte das vezes.
Dirk Niepoort da Niepoort concluiu o simpósio a enfatizar que, o “novo” em “New Douro” se refere ao facto de que até recentemente os produtores apenas pensavam em vinho do Porto – “todos nós sabemos quais são as melhores vinhas e locais para Porto, mas algo novo aconteceu, uma prioridade diferente e portanto temos de olhar para o Douro com uma prespectiva completamente diferente.”
Na opinião firme de Niepoort, as melhores vinhas para Porto não são necessariamente as melhores para vinhos DOC Douro, isto porque, “o Porto gosta de condições extremas – vinhas viradas a sul e particularmente secas e quentes. Mas para os tintos e especialmente para os brancos precisamos de algo menos extremo – vinhas viradas a norte são muito mais interessantes e, de repente, por causa do frio da noite que influencia a acidez, a altitude já interessa”. Acredita que os melhores locais para brancos estão agora a ser identificados.
No entanto, os vinhos DOC Douro já representam um terço (em termos de valor) da produção e Niepoort acredita que a procura por mais vinho de qualidade superior vai aumentar muito em breve. Embora Symington não tenha dúvidas na capacidade dos melhores vinhos do Douro competirem com os melhores das outras regiões ou sobre a perspectiva de produzir muito mais, perguntou, “estará uma pessoa normal que vemos passar na rua na disposição de pagar £20 por uma garrafa de vinho do Douro?”. Para ele, a resposta é “Ainda não chegamos lá.”.
Quer esteja na disposição de pagar £20, ou substancialmente mais ou menos, descobri muitos vinhos excitantes no meio dos últimos lançamentos mostrados na prova “New Douro”. Os brancos 2013 representam uma das melhores colheitas que já provei, enquanto que os melhores tintos de 2012 já são abordáveis, com um charme elegante. Procurem e encontrarão!
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