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Barca Velha & Penfolds Grange

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Texto Sarah Ahmed  | Tradução Patrícia Leite

Linhas paralelas: Casa Ferreirinha Barca Velha & Penfolds Grange – A criação de dois ícones

A minha paixão pelos vinhos de Portugal e da Austrália (o foco do meu trabalho como Redactora de Vinhos) é muitas vezes motivo de espanto. As pessoas dizem que são vinhos tão diferentes, mas isso é precisamente um dos motivos do interesse!

No entanto, há também um paralelo muito marcante na evolução dos vinhos tranquilos e espumantes (vinhos de mesa) que “dividem as águas” na história da vinificação de cada país – O vinho Português Casa Ferreirinha Barca Velha e o vinho Australiano Penfolds Grange.

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Barca Velha 1952 – Foto cedida por Casa Ferreirinha | Todos os Direitos Reservados

Estes dois vinhos encorpados foram oficialmente lançados no mercado com o ano de colheita 1952. Produzidos por enólogos ousados e dotados (Fernando Nicolau de Almeida e Max Schubert), ambos entendidos na produção de vinhos fortificados, não beneficiaram nem da tecnologia nem dos equipamentos que os produtores de vinhos tranquilos e espumantes (vinhos de mesa) tomam hoje como garantidos. Estes dois homens inspiraram-se em Bordeaux (Bordéus), a capital dos vinhos “elegantes” de França (sem dúvida, do mundo), que cada um deles visitou em meados do século XX. Não é de admirar que o Barca Velha e o Grange têm sido apelidados como as “primeiras produções originais” de Portugal e da Austrália.

Ironicamente, nem o contacto inicial de Schubert com os Bordaleses nem o de Nicolau de Almeida centrou-se na produção de um vinho tinto super premium. Nicolau de Almeida conheceu o famoso professor da Universidade de Enologia de Bordéus, Émile Peynaud, quando este visitou a Casa Ferreirinha no final dos anos 40. Peynaud foi chamado para ajudar a encontrar uma solução para os elevados níveis de ácido málico do Vinho Verde tinto. Nicolau de Almeida agarrou esta oportunidade para mostrar a Peynaud os seus vinhos tintos experimentais do Douro. Diz o filho de Nicolau de Almeida, João Nicolau de Almeida (Director de Enologia da Ramos Pinto), que “quando Émile Peynaud provou os vinhos ficou surpreendido com a qualidade e aconselhou o meu pai a deixar os Vinhos Verdes e a dedicar o seu tempo aos vinhos do Douro”.

Pouco depois disso, Nicolau de Almeida visitou as principais regiões vitivinícolas de França (Bourgogne e Bordeaux), e também Rioja, em Espanha, para estudar as técnicas de fermentação desses vinhos tintos, que iriam a ajudá-lo a manter o aroma e a frescura (características que têm tendência a perder-se com o calor Douro). Mas havia um problema. Ao contrário de Bordeaux, Bourgogne e Rioja, no Douro não havia cubas de fermentação com controlo de temperatura porque muito poucas quintas tinham electricidade (os vinhos do Douro eram fermentados em lagares abertos, onde era impossível controlar a temperatura da fermentação). A solução engenhosa de Nicolau de Almeida foi construir uma cuba de madeira de paredes duplas cuja parede exterior poderia ser preenchida com gelo – tarefa nada fácil uma vez que o gelo tinha de ser transportado do Porto, a 12 horas de distância!

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Fernando Moreira Paes Nicolau de Almeida

Usando uma página mais convencional do livro Bordalês, Nicolau de Almeida também decidiu utilizar uma bomba sobre o mosto em vez de pisar o vinho, o que foi totalmente novo no Douro. Outra inovação foi o envelhecimento do vinho em barricas de carvalho, que eram armazenas numa nova (fresca) adega subterrânea, especialmente construída na Quinta do Vale Meão.

Foi aqui instalada uma equipa para controlar a fermentação maloláctica nas barricas, sendo estas depois tapadas para manter a frescura que Nicolau de Almeida tanto se empenhou em conseguir. De facto, enquanto o Meão era a fonte original dos seus poderosos vinhos experimentais, Nicolau de Almeida decidiu produzir em 1952 um lote de uvas do Meão com uvas de uma vinha mais fria do Douro Superior em Mêda. Localizada a 600 metros de altitude, a “fruta” da Mêda melhorou a frescura e também o equilíbrio do vinho final.

Quanto a Schubert, a empresa Penfolds (que, como Casa Ferreirinha, era na altura principalmente focada na produção fortificado) enviou o jovem Director de Enologia para Europa em 1950 para investigar os avanços na produção de Jerez e Porto. Mas quando chegou a Bordeaux, Schubert foi colocado sob a protecção de Christian Cruse da empresa de comércio Cruse et Fils Frères.

Cruse apresentou-lhe as primeiras produções de Bordeaux (incluindo vinhos de 40 a 50 anos, que impressionaram Schubert por estarem “ainda em bom estado e terem um bouquet e sabor magníficos”). Durante as visitas às principais quintas de Bordeaux, ele tomou conhecimento das práticas que estão por trás destes vinhos de longa vida, mas refinados, designadamente a utilização de barricas de carvalho novas para completar a fermentação e a afinação dos taninos.

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Max Schubert of Penfolds – Photo by Sarah Ahmed | All Rights Reserved

Ao voltar à Austrália, Schubert passou de imediato a utilizar estas práticas e produziu o primeiro protótipo do Grange em 1951. A sua filha Sandie Coff recorda: “o meu pai disse-me que idealizou o Grange durante a viagem de avião da Europa. Para ele, seria vinho seria um vinho verdadeiramente Australiano [que é feito a partir de Shiraz, às vezes com uns salpicos de Cabernet Sauvignon] mas capaz de competir com os magníficos vinhos Franceses [que eram sobretudo lotes de Carbernet Sauvignon e Merlot]”. Contudo, enquanto o lançamento do primeiro Barca Velha (um lote de uvas típicas do Douro) parece ter recebido aplausos imediatos, a primeira colheita do Penfolds Grange ficou muito aquém de convencer, tanto os críticos ou os consumidores, que rivalizava com melhores vinhos top de França. Numa apresentação que fez no primeiro Australian National Wine Symposium in 1979 (o qual está publicado no “Penfolds’ book, The Rewards of Patience” de Andrew Caillard MW), Schubert lembrou que a controvérsia inicial sobre o Grange “foi uma dor sem fim”.

As primeiras críticas incluíram comentários como “uma mistura de frutos silvestres e diversas bagas com sabor predominante a formigas esmagadas ” e “[um] porto seco muito bom, que ninguém no seu perfeito juízo irá comprar – muito menos beber”. Com receio do futuro, o Conselho de Administração da Penfold decidiu em 1957 terminar a produção do Grange. Felizmente, Schubert continuou em segredo até que em 1960 uma prova de exemplares das colheitas 1951 e 1955 ganhou finalmente o respeito da empresa e dos críticos. Basta dizer que, durante muitos anos, este potente vinho tem vindo a ser envelhecido durante cinco anos antes do lançamento.

Para João Nicolau de Almeida, foi fundamental para o sucesso inicial do vinho a recusa obstinada do seu pai em lançar o Barca Velha até que acreditasse que estava pronto, não obstante as “fortes demandas do Conselho de Administração e do mercado”. Na sequência deste precedente de Nicolau de Almeida, o Barca Velha é lançado apenas após um período mínimo de envelhecimento em garrafa de vários anos. Se vier a ter a sorte de participar numa prova vertical de Barca Velha ou de Grange, irá começar a apreciar verdadeiramente as recompensas de paciência.

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