Texto João Barbosa
Os portugueses têm uma enorme capacidade de inventar anedotas. Ou britânicos são subtis, algo frios e certeiramente inteligentes. Os alemães parecem não ter sentido de humor, mas têm… quem não tem são os suíços, ou não fosse a Confederação Helvética um ninho de banqueiros. Os alemães têm humor sem graça, mas fazem chalaças.
Disse-me uma amiga – alemã, por sinal – que o humor português é sádico. É verdade! Rimo-nos da desgraça alheia, ainda que duma personagem inexistente. Rimo-nos de nós mesmos, o que valorizo – traduz inteligência pelo auto-conhecimento, sentido crítico e relativização.
Acontece um fenómeno qualquer, em qualquer lugar do mundo, e o português fez dez anedotas na primeira meia hora após o incidente. Somos muitas vezes cruéis e injustos. Não deve haver português que não tenha ouvido a anedota do senhor Fonseca. No seu leito de morte chamou os filhos e ensinou-lhes uma esperteza:
– Nunca se esqueçam, que até das uvas se faz vinho.
Este senhor Fonseca nunca terá existido – deverá ser fruto de galhofa de mau gosto, ao citar-se uma pessoa real, e está datada. Reflecte uma época em que se valorizava produzir muito, interessando pouco o fazer bem.
Chamamos amigo a alguém que conhecemos há um mês e ignoramos a generalidade dos seus defeitos e virtudes. Porém, como tudo tem um começo, gosto dizemos que estamos a fazer amizade com alguém que acabámos de conhecer. Travar conhecimento parece suíço.
Há uns dias fui ao Gambrinus – restaurante histórico da Baixa de Lisboa – beber umas imperiais com dois amigos. Um fugiu cedo e fiquei com o outro camarada à conversa, entre cervejas e croquetes… não hei-de estar gordo: um croquete tem praticamente as mesmas calorias diárias necessárias para um homem adulto.
A dada altura olhámos para o lado e estava um cavalheiro com um prato de ostras. Pediu para beber Moët & Chandon, o que nos deu oportunidade para encetar conversa. O meu amigo, ainda mais sociável do que eu, questionou-o por que escolhera aquele vinho.
Porque gostava, ora pois! Ah, sabe… temos belos espumantes… e coisital… que tal está? Palavra puxa conversa e ali ficámos, muito depois da hora prevista, conversando com o cavalheiro.
Um senhor simpático, de fácil conversa, educado… já disse cavalheiro?… Bem, o nosso interlocutor produz vinho na quentíssima região da Granja-Amareleja. A climatologia foi chamada para o debate, o amanho da terra naquelas paragens, história, a alimentação…
Sinceramente, não sei quantos quartos de hora durou a conversação. Sei que foram vários e tão agradáveis que foram escassos, travados pelos compromissos familiares. Ora o fazer amizade dos portugueses e a franqueza que o vinho merece proporcionaram um belíssimo momento.
À saída, o nosso bom conversador ofereceu-nos uma garrafa do seu vinho. Não conhecia. Guadelim Reserva 2009, com denominação de origem controlada de Granja-Amareleja. Potente e envolvente, com o calor daquelas paragens e muito longe de ser uma sopa ou uma compota. Nele mora ainda a madeira de azinho – obviamente inexistente – traduzindo uma boa integração e identificação.
O que ficou dessa conversa? Uma vontade de conhecer o território das vinhas donde saíram as uvas que fizeram o Guadelim e… uma noite cálida, neste Inverno bem frio, a jantar com amigos.
A propósito, Guadelim é nome duma ribeira. Pode ser Godelim, vem do árabe, quer dizer «rio da fonte», e mistura-se com língua germânica. Pois, até com dicionários se faz… água.
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