Texto João Barbosa
Uma conversa recorrente cá em casa é acerca da memória. Um tema teimoso, discussão bizantina… é quase um cerimonial para sorrisos, pois já todos disseram e explicaram o que pensam. O meu partido é o de que não são necessárias fotografias para se construírem memórias.
Já colocaram um livro, estrategicamente posto para nele tropeçar com os olhos, em que o autor garante a necessidade das fotografias ou imagens para se fazerem memórias. Ora, em milhares de anos de evolução, o ser humano sempre teve memórias e a fotografia data do século XIX, à década de 20. Mesmo os retratos pintados têm «alguns» séculos, mas são segundos na escala da vivência do Homo sapiens sapiens. Além de que quer a fotografia, quer a pintura – sobretudo esta – não estavam acessíveis à grande maioria da população. Além de que a memória também se falseia e reinventa, até se inventa.
Isto tudo para falar sobre o Dão, de três dos seus vinhos. A minha recordação da zona do Dão limita-se a uma fotografia em que eu e os miúdos de Campo de Besteiros fizemos um comboio com as cadeiras lá de casa. Porém, a recordação mais clara é a da centopeia – que coisa estranha – que se afogara na bacia do lavatório.
Para mim o Dão – Viseu – tem uma má memória, uma chatice num «restaurante» em que o bife veio com cabelos. Ainda hoje não gosto de Viseu, com todo o respeito pelos seus habitantes, nascidos e apreciadores.
O Dão diz-me quase nada. Porém, o vinho está numa prateleira à parte. O meu pai comprava, muitas vezes, tinto dessa região. Tenho 45 anos e na minha infância o Douro «não existia», o Alentejo «não existia»… da Bairrada não me lembra… havia Vinho Verde e umas marcas de vinhos provenientes de videiras superprodutivas, provavelmente da Estremadura e do Ribatejo.
Como o meu pai bebia quase sempre tinto, o vinho do Dão é encarnado. Ainda hoje! O Doutor Freud explicaria. Porém, é muito mais do que isso. É uma região com néctares maravilhosos, com um bom número de produtores com esmero. O problema do Dão é a dimensão da propriedade e uma característica típica portuguesa – ali talvez sublimada – que é a desunião.
Há dois momentos especiais quando descobri o Dão. Uma garrafa e um evento. O primeiro episódio causou-me o espanto da descoberta do que é um Chuck Norris de salão e outro foi conhecer um grupo de oficiais de alta patente, envergando uniformes de gala.
Chuck Norris pela sua força e capacidade de resistência, mas com elegância… poderá pensar que James Bond seria «adjectivo» mais correcto, só que o 007 é urbano. Passo a contar: na casa dos meus pais havia uma garrafa de Porta de Cavaleiros, referente à colheita de 1983. Não sei como não foi abatida ao efectivo, mas, como sobreviveu, o meu pai deu-ma, em Fevereiro de 1994, quando passei a ter casa própria e vida de solteiro. Todavia, a garrafa ainda viveu mais de uma década. Um dia, em 2007, resolvi que tinha de ir para dentro. Que espanto! Espanto! Uma jovialidade, elegância… o que tem a ver com Chuck Norris? É que a garrafa (o vinho) apanhou calores, viveu com luz, não se deitou e movimentou-se algumas vezes. Colossal em todos os aspectos!
Não perca o próximo episódio.
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