Posts By : Sarah Ahmed

O famoso Master Sommelier João Pires partilha alguns segredos, mas não o maior!

Texto Sarah Ahmed | Tradução Teresa Calisto

Filmado em seis países durante dois anos, o documentário americano “Somm” segue quatro potenciais Master Sommeliers, na sua tentativa de passar o “altamente intimidante” Exame Master Sommelier e de se juntar à Corte de Master Sommeliers – “uma das organizações mais prestigiadas, secretas e exclusivas do mundo.”.  Membro da Corte dos Master Sommeliers desde 2009, o lisboeta João Pires tem desfrutado de uma ilustre carreira internacional, recentemente no restaurante Londrino com duas estrelas Michelin, “Dinner by Heston”.  De momento em licença de paternidade, encontrei-me com João Pires que reflectiu sobre o que é necessário para chegar ao topo.

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João Pires – Foto cedida por João Pires | Todos os Direitos Reservados

1. Já se descreveu o Sommelier como a ligação entre o Chef e o produtor de vinho. Concorda?
Nem por isso! O Sommelier é a ligação entre o produtor de vinho e o convidado.

2. Na sua opinião, quais as qualidades de um grande sommelier
Um grande sommelier é aquele que compreende que, acima de tudo, é o convidado que importa e não o seu próprio orgulho.
 
3. E o que faz uma boa lista de vinhos?
Uma boa lista de vinhos é uma lista que vende. Se vende é porque está orientada para o convidado e portanto, o convidado compra. Não é, definitivamente, a lista desenhada para ganhar prémios, embora haja algumas listas vencedoras de prémios que são muito boas. Mas não o contrário!

4. Escolher um vinho pode ser intimidante, especialmente quando a lista de vinhos é enorme. Como podem os comensais tirar o melhor partido de um sommelier?
Fale com o sommelier, desafie-o. Eu já vi listas de vinhos pequenas, directas,das quais mal se pode comprar o que quer que seja, e já vi listas com 1000 entradas ou mais, as quais os convidados conseguem facilmente consultar, desde que bem guiados por um bom sommelier. Não é o tamanho, mas a engenharia da lista de vinhos que conta (e o sommelier, claro).

5. Qual é a sua abordagem à combinação da comida e do vinho?
Perceber o peso da comida, guiar-se pela cor principal do prato, a chave é o balanço da acidez. Perceber a ocasião e respeitar o orçamento do convidado.

6. Já se deparou com um prato que o derrotou na tentativa de encontrar uma combinação satisfatória com um vinho?
Oh sim, muitas vezes e às vezes é quase impossível encontrar o vinho que nós achamos ser a combinação certa. Bom, numa mesa de quatro pessoas há pelo menos quatro combinações de vinho possíveis, certo? E que vinho juntar a uma tábua de 6 queijos que tem desde um queijo de cabra leve a um Cheddar velho ou um queijo azul salgado? E como combinar um jantar Chinês, por exemplo, quando eles partilham tantas comidas diferentes ao mesmo tempo? O mundo do vinho tem que compreender que a combinação da comida e do vinho nem sempre é possível.

7. A combinação da comida e do vinho tem necessariamente que ser um compromisso? Acolhe de bom grado as tendências para haver cada vez mais vinhos ao copo e menus de degustação?
Sim, concordo e o vinho a copo é uma boa solução. Mas se foi pedida uma garrafa, tente recomendar algo “mesmo no meio”, como um Pinot Noir que agrade a todos, se houver um pedido de peixe e carne, por exemplo.
 
8. Com carta-branca, o que pediria (vinho/comida) como a sua última ceia?
Champagne, mais champagne e porque não ostras frescas perto do mar?

9. Os Chefs mais conhecidos transformaram os jantares luxuosos nos hotéis. O que é mais importante, a cultura do Chef ou a cultura do hotel ou são simbióticas?
São ambas importantes e colidem tantas vezes, não é fácil gerir. Os Chefs são bons “restaurateurs” (donos de restaurantes) e os hotéis gabam-se de ter boas “competências de gestão”.

10. Os hotéis de luxo têm clientes internacionais e o próprio João é bastante viajado, tendo estudado em Paris, trabalhado em salas de restaurantes em Portugal, Toronto e Londres e treinado sommeliers em Macau, Marrocos e nas Filipinas. Que diferenças culturais (internacionais) mais se destacaram para si, em termos de consumo de vinho?
Nunca nos podemos esquecer do que é trabalhar num restaurante de elevado perfil, com três estrelas Michelin em Paris. A pressão e atenção ao detalhe são tais, que é quase loucura. Relativamente ao consumo de vinhos, os vinhos Franceses dominam com a excepção daqueles países onde o vinho faz parte da cultura, como a Itália, Espanha ou Portugal onde as pessoas, compreensivelmente, bebem os vinhos locais.

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João Pires – Foto cedida por João Pires | Todos os Direitos Reservados

11. O crítico americano Robert Parker protestou recentemente contra uma moda por uvas obscuras nas listas de vinhos. Qual a importância de apresentar aos comensais novas experiências de vinho e quão fácil é persuadir os grandes gastadores a não pedir os previsivelmente prestigiosos?
Quem é o Robert Parker? E qual o significado de “obscuro”? De qualquer modo, o ABC está cada vez mais posto de lado (tudo menos o Chardonnay ou o Cabernet). Porque não persuadir os grandes gastadores com prestigiados vinhos de topo? Nós gerimos um negócio e da minha parte, não há mal nenhum em encomendar e beber um DRC (Domaine de la Romanée-Conti), um Château Pétrus ou um Champagne Salon. É uma pena que eu não o possa fazer regularmente. Apesar de, por outro lado, as castas menos conhecidas e os sabores diferentes a bons preços serem considerações supremas, porque as pessoas têm uma mentalidade mais aberta do que nunca antes, e são entusiastas por sabores diferentes.

12. O Porto e o Madeira são de rigueur numa lista de vinhos clássica, no entanto, fora de Portugal, os vinhos de mesa Portugueses têm-se debatido por deixar a sua marca. Isto está a começar a mudar. O que precisam os produtores de vinhos Portugueses de fazer para contestar esta conjuntura? 
Bom, primeiro, o Porto e o Madeira não são (infelizmente) de rigueur numa lista de vinhos clássica e neste país (Reino Unido) eles não vendem. Mas os vinhos Portugueses não fortificados estão a surgir, devagarinho. Vai demorar até que figurem em listas de vinho de topo, mas as coisas estão a melhorar. Os produtores Portugueses precisam de se juntar (alguns já o estão a fazer e com enorme sucesso).

13. Que regiões Portuguesas, uvas, estilos de vinho e produtores se destacam para si? 
Devo dizer que há bons vinhos por todo o país e melhores do que nunca. Consegue comprar em Portugal, vinhos de boa qualidade entre os 3 e os 10€, o que é extremamente difícil nos supermercados do Reino Unido. Pessoalmente adoro o Douro, o Dão e a Bairrada para os tintos e o Alvarinho para o branco. Mas, dito isto, podemos encontrar excelentes vinhos no Alentejo, Lisboa e noutras regiões.

14. Tem um currículo invejável. De que feito profissional se sente mais orgulhoso? 
Tornar-me um Master Sommelier.

15. Havendo ainda menos Master Sommeliers do que Masters of Wine (219 versus 313), é notoriamente difícil tornar-se membro da corte dos Master Sommeliers. Por que motivo o recomendaria aos outros? 
Não tenho a certeza se o recomendaria. É tão exigente e sacrificamos tantas coisas na nossa vida pessoal que é difícil dizer para avançar por este caminho. Mas apesar disto, aprende-se muito e é muito recompensador.

16. Que impacto tem para um sommelier, trabalhar num restaurante com uma, duas e três estrelas Michelin?  
Um impacto enorme. Não há nada mais sério que o vinho para as receitas e padrões de serviço elevado. E quanto mais elevada a categoria, mais exigente e mais difícil é. Muito stressante, mas extremamente recompensador (e não estou a falar de salários)!

17. Que experiência lhe ensinou mais e/ou quem influenciou mais a sua carreira?
O European Sommelier Contest (Concurso de Sommelier Europeu) em 1994 que naquela altura foi patrocinado pelo Champagne Ruinart. Eu estava a representar Portugal e foi nesse momento que decidi dedicar a minha vida a sério ao vinho. E o meu primeiro estágio em Paris em 1996 no restaurante com 2 estrelas MichelinLes Amassadeurs”, Hotel Crillon. Fiquei boquiaberto com os sommeliers e o sommelier chefe Frederic Lebel.

18. Como se sente por ter deixado a sala do restaurante? De que tem mais saudades? E de que tem menos saudades?
Eu estou a sentir-me muito bem depois de 25 anos a fazer isso. Devo dizer que não sinto muitas saudades. Do que sinto falta é do exercício diário e, acima de tudo, dos meus convidados.

19. E a seguir?
Boa pergunta, mas não lhe posso dizer neste momento. Estou a desfrutar da minha pequenina Isabella, a minha bebé de 4 meses. Tenho-me sentido extremamente feliz e abençoado.

Da escrita ao Vinho: Parte 3 – Os Vinhos de Tiago Teles

Texto Sarah Ahmed  | Tradução Teresa Calisto

Tiago Teles nasceu em Paris e apanhou o bichinho do vinho em França, enquanto estudante de Telecomunicações em Toulouse, através do programa de intercâmbio de estudantes Erasmus (os pais de Tiago regressaram a Portugal quando ele tinha dois anos de idade).
Ao aperceber-se, como diz, “do quão extraordinário pode ser o vinho”, a sua percepção do vinho mudou profundamente. Tendo sido criado com vinhos relativamente simples, como os das propriedades da família dos seus pais de Vinho Verde e Bairrada, Tiago explica que, antes de ir para França, ele via o vinho como nada mais do que algo “naturalmente presente na dieta… algo nutritivo.”

Depois do seu percurso de Erasmus, Tiago regressou a Portugal. As provas na sua loja de vinho local, em Campo de Ourique – “uma velha loja de vinho” – despertaram ainda mais o seu interesse pelos vinhos. Na realidade, não demorou muito até que Tiago aliasse as suas competências técnicas à sua paixão pelo vinho, co-fundando o fórum online sobre vinho, Os5às8.

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Tiago Teles & Vinhas – Foto cedida por Tiago Teles | Todos os Direitos Reservados

Entre 2002 e 2006, Os5às8 permitiu-lhe praticar e consolidar as suas competências como crítico de vinho. Foi também o co-autor de quatro edições de um guia anual de vinho. De seguida, Tiago co-fundou o site NovaCrítica-vinho, para o qual trabalhou como crítico de vinho entre 2007 e 2009 e co-autorou o guia “Portal Portugal Guia de Vinhos Portugueses e Estrangeiros” 2008 e 2009.

Quando ele descreve a prova de vinhos como “uma busca incessante de equilíbrio entre “nós” e a experiência de vida”, seria talvez inevitável que o próximo passo de Tiago fosse produzir o seu próprio vinho. Juntamente com o seu pai, um co investidor, o escritor de vinhos autodidacta/futuro produtor, embarcou numa viagem de descoberta que envolveu visitar vinhas durante vários anos e culminou no Gilda, um vinho tinto. Gilda ganhou o seu nome do barco de madeira retratado no rótulo, que o avô de Tiago construiu e ao qual deu o nome da sua mulher.

Durante estas viagens, diz o Tiago, “nós observamos e provamos inúmeros estilos de vinho e castas”, acrescentando “eu precisava mesmo de amadurecer e me tornar humilde em relação ao vinho, provando muito, observando, libertando-me do desejo humano de controlar e disciplinar a natureza do vinho”, principalmente quando “vinhos sem natureza são os menos inspirados.” Os vinhos de Tiago são feitos com leveduras indígenas, sem enzimas, acidificação, filtragem ou clarificação, para que não se “distorça” o vinho.

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Tiago Teles na Adega – Foto cedida por Tiago Teles | Todos os Direitos Reservados

Claro que é impossível escapar por completo ao desejo de controlar e disciplinar a natureza do vinho, porque os seres humanos dão necessariamente forma ao conceito ou estilo do vinho. Para Tiago e seu pai, o conceito é “produzir bom vinho, com um carácter popular… os vinhos devem ser bebidos por qualquer pessoa” e “transmitir a simplicidade do vinho criado para o seu propósito histórico, que é refrescar e acompanhar refeições a qualquer momento, em qualquer lugar.” “Fazer vinhos caros não é um objectivo,” afirma Tiago; em Portugal, o Gilda é vendido por 9€.

Quanto ao que ele quer dizer com “bom vinho”, Tiago define-o como elegante, digestível, vinho puro. Na sua opinião, as castas são menos importantes, na verdade “não relevantes”.

Antes, está convencido que a melhor maneira de expressar a localização é através de álcoois equilibrados e de extracções suaves, “caso contrário, o açúcar irá simplesmente remover a expressão mineral e vegetal.”

É uma afirmação provocadora, quando o seu vinho é produzido numa região que tem vivido alguma controvérsia relativamente a que castas obtêm o selo de garantia oficial e podem usar a indicação de origem Bairrada. Tiago afirma que “a Bairrada é uma região, não uma uva” e mantém que “as castas, independentemente de quais sejam, devem transportar o local” nomeadamente “transmitindo exactamente o calcário e o perfil fresco da Bairrada.”

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Gilda – Foto cedida por Tiago Teles | Todos os Direitos Reservados

Apesar de ser fã da velha vinha Baga (a casta tinta tradicional da Bairrada), na sua opinião “devido à sua diversidade de solo e influência atlântica, a Bairrada é uma região que tipicamente beneficia de blends e é também apropriada para uvas que amadureçam cedo.” Motivo pelo qual ele está “bastante feliz” com o Merlot que obteve do coração da Bairrada e misturou com Castelão e Tinto Cão para a primeira colheita de Gilda 2012. Diz, “respeitamos as pessoas que plantaram Baga há 80 anos e respeitamos as pessoas que plantaram Merlot há 25 anos. Contextos diferentes, convicções diferentes. Mas certamente, um bom legado para a Bairrada.”

É, portanto, curioso que o Gilda não esteja rotulado Bairrada, mas antes Vinho de Portugal? Tiago admite que, por um lado, tinha medo de desapontar os fãs do estilo robusto, tradicional da Bairrada (Baga). Por outro lado, tinha receio de alienar as pessoas que procurassem o seu estilo preferido (elegante, digestível). No entanto, em 2013 ele terá a coragem das suas convicções e o Gilda (nesta colheita um blend de Merlot, Tinta Barroca e Tinto Cão) será rotulado Bairrada. Estão também em movimento, planos para recuperar uma velha propriedade na região dos Vinhos Verdes, pertencente à mãe de Tiago e fazer um vinho branco. E assim, a viagem

Contactos
Tiago Teles Vinhos de Portugal
Campolargo 3780-180 S. Mateus – S. Lourenço do Bairro – Portugal
Email: tiagoteles@outlook.pt
Site: www.tiago-teles.pt

Beber sem preconceitos? A Ascensão do Rosé “a sério”

Texto Sarah Ahmed  | Tradução Teresa Calisto

Se existe um estilo de vinho firmemente associado com o Verão e o espírito das férias é sem dúvida o Rosé. Será coincidência que o Brasil, um país sinónimo de sol e espírito de férias, tenha sido o público-alvo do Mateus Rosé quando este foi lançado pela primeira vez em 1942?

Quanto a nós Britânicos, quando entrevistei o Sir Cliff Richards há uns anos atrás, ele disse-me que é fã de, adivinhem, Mateus Rosé desde que comprou a sua primeira casa no Algarve, nos anos 60. Parece portanto que o espírito das férias da estrela de “Summer Holliday” chegou em força, e na realidade talvez seja o elixir da juventude do cantor ainda com ar de rapaz.

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Mateus Expressions – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Mas ao longo da última década, tem havido uma grande mudança entre os consumidores que, nos dias de hoje, estão a disfrutar do rosé o ano inteiro e não apenas durante as férias ou no Verão. Na realidade, no ano passado no Reino Unido, uma em cada oito garrafas de vinho compradas em supermercado eram Rosé, quando no ano 2000 eram apenas uma em cada 40. A base das vendas de vinhos tem sido as opções agora populares e até na moda, de vinhos correntes mais doces.

Apesar do Mateus Rosé continuar a ter um desempenho acima da média nesta categoria, as marcas californianas, como a Blossom Hill, Gallo e Echo Falls, têm sido sem sombra de dúvida os maiores beneficiários do fenómeno Rosé. Como foi prova o meu painel no Decanter World Wine Awards, regra geral os rosés de baixa gama Portugueses, falharam miseravelmente em construir o seu sucesso a partir da fama do Mateus Rosé, graças ao uso grosseiro de açúcar residual e à falta de frescura.

Contudo, estando na moda, há uma nova tendência: o rosé “a sério” e, vejam lá, o Brad Pitt e a Angelina Jolie produzem um: Chateaux Miraval de Provence! Até o Mateus se tornou mais sofisticado, com o lançamento de uma nova gama alta, Mateus Expressions (na imagem). E fico muito contente de dizer que encontrei recentemente fortes provas que sugerem que Portugal poderá apresentar melhores resultados com esta nova tendência, focada na qualidade e na complexidade. Aqui ficam as minhas escolhas de Rosés “a sério” de entre as opções Portuguesas:

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Principal Rosé Tête de Cuvée 2010 – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Principal Rosé Tête de Cuvée 2010 (Bairrada)

“Tête de Cuvée” é um vinho produzido a partir da primeira prensagem das uvas, o que quer dizer que normalmente é mais puro e de qualidade superior. Principalmente quando, como este vinho, é feito no Rolls Royce das prensas – uma Coquard Champagne – a partir da primeira prensagem (600 lt.) de Pinot Noir, destinado aos vinhos espumosos (comentados abaixo). O sumo prensado passa ao ritmo da gravidade para pequenos tanques (suavemente, mais uma vez), o que também explica a sua tonalidade de um bege rosado super pálido e palato subtil, salino e apetitoso. Cremoso, mas fresco e suavemente frutado (ruibarbo/morango), é muito longo e persistente. Um Rosé seriamente gastronómico – muito provavelmente o melhor que provei de Portugal. Excelente. 12.5% apv (álcool por volume)

Colinas Espumante Bruto Rosé 2009 (Bairrada)

Uma efervescência muito impressionante, salmão, 100% Pinot Noir, que envelheceu durante 3 anos sobre as borras. Tem muita energia e tensão. Apenas uma alusão a arrastamento verde, sobre a impressão geral de aridez e constrição. Um final longo, focado e seco, com uma lágrima fina, muito persistente. Uma estrutura adorável. Excelente. 12.5% apv

Casa de Saima Rosé 2013 (Bairrada)

Cingindo-se às uvas portuguesas desta vez (Baga com apenas um toque de Touriga Nacional) este Rosé da Bairrada, pálido mas brilhante, é fabulosamente salino, fresco e seco. O centro firme e ácido da Baga traz grande energia e linha à sua delicada e crocante fruta vermelha (arando) 13% apv.

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Casa Ferreirinha Vinha Grande Rosado 2012 – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Casa Ferreirinha Vinha Grande Rosado 2012 (Douro)

As marcas Casa Ferreirinha e Mateus pertencem à Sogrape. Enquanto o Mateus Expressions de alta gama é ainda bastante comercial (doce), este rosé seriamente pálido e seco, é ao mesmo tempo, de qualidade e complexo. Com origem 100% Touriga Nacional (que parece funcionar muito bem para os rosés) e do ponto mais alto da Quinta do Sairrão (a 650m) é delicadamente frutado, com um palato texturado (suavemente cremoso), com especiarias, apetitoso (nozes) e mineral. Um rosé adorável, nada pomposo, mas ao mesmo tempo sofisticado, com uma acidez finamente equilibrada. Muito bom. 12% apv

Quinta do Perdigão Rosé 2013 (Dão)

José Perdigão, arquitecto e produtor de vinhos orgânicos a tempo inteiro, está habituado a dar 300% a tudo e, quando ele me disse que este era o Rosé mais sério que já tinha produzido, eu sabia que estava prestes a provar um deleite raro. Comparado com as minhas outras recomendações, tem uma tonalidade rosa muito profundo – parecido com a cor dos notáveis rosés Australianos Grenache! Também é similarmente muscular no palato. A razão? Em 2013, o Dão passou por condições desafiantes na altura da colheita, com momentos de chuva intensa e explosões de tempo quente. Alguma da fruta para este vinho chegou com Baumé muito elevado (com potencial teor alcoólico de 15.5 a 16%!). Consequentemente, Perdigão introduziu, pela primeira vez e muito astutamente, caules de uva à fermentação, o que trouxe perfume, frescura e ajudou a baixar o grau alcoólico. Assim, no final de contas, obteve uma situação win-win: fruta fabulosamente exuberante (baga vermelha, groselha e cereja) e um bom corpo com equilíbrio. Quanto à complexidade, as notas minerais e florais de assinatura do Dão estão bem presentes neste blend de Touriga Nacional, Jaen e Alfrocheiro. Como diz Perdigão “não é um rosé de piscina”. Recomenda ainda que acompanhe atum seco e wasabi. Muito original (talvez até único dado o ano de produção). Muito bom. 13.5% apv

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José Perdigão – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Julia Kemper Elpenor Rosé 2013 (Dão)

O rosé de Kemper também é feito a partir de fruta orgânica, mas não podia ser mais diferente. Feito de 100% Touriga Nacional é pálido e ultra delicado, com suaves notas a fruta vermelha e a flores (violetas). Deliciosamente estaladiço e seco com acidez fresca e mineral.

Muxagat MUX Rosé 2012 (Douro)

Este é um rosé realmente interessante – estou tentada a dizer intelectual, mas tenho receio que isso seja ir longe de mais! Bom, o que quero dizer é que tem pouca semelhança aos vinhos cor-de-rosa adocicados, baratos e alegres que podem ser encontrados em qualquer esquina e supermercado. Tudo isto tem lógica, tendo em conta que MUX vem de uma vinha muito elevada, a 700m. Além disso, é influenciado pelo tipo de rosés secos e apetitosos, que os amigos franceses de Mateus Nicolau de Almeida gostam de beber num dia de Verão (pense em Provence, Bandol, Tavel). Um blend de Tinta Cão e Tinta Barroca, que é fermentado e envelhecido parcialmente em tanque, parcialmente em barril (velho). Este vinho de um bege Rosado é cremoso mas seco e apetitoso com boa acidez, notas florais elevadas e de especiarias secas e um toque de chocolate no seu final duradouro. Muito melhor do que soa! Muito bom. 13% apv

Da escrita ao vinho: Parte 2 – Os Vinhos do Sonho Lusitano de Richard Mayson

Texto Sarah Ahmed  | Tradução Teresa Calisto

Quando se trata de fazer vinho, excluindo o Vinho do Porto, a aliança comercial Anglo-Portuguesa parece andar em torno do nome Richard. Por exemplo, os Richardsons of Mouchão  de Sir Cliff Richard da Adega do Cantor.

O mais recente Britânico a continuar com esta tradição, é o escritor de vinhos Richard Mayson, que publicou vários livros sobre os vinhos portugueses do Porto e da Madeira. Não satisfeito com o facto de ter entrado, por casamento, para a famosa família madeirense Blandy, adquiriu a sua própria propriedade, Quinta do Centro, em 2005 na sub-região Alentejana de Portalegre (que ligação é esta dos escritores de vinho a Portalegre?!?).

Os vinhos são feitos em parceria com o conhecido enólogo e consultor Rui Reguinga com o revelador nome de marca Sonho Lusitano (‘Lusitanian Dream’). Falei com Mayson sobre viver o sonho, neste segundo de três artigos sobre escritores de vinho que fazem vinho em Portugal. A seguir, Tiago Teles.

 

Escultura de Cavalo – Foto cedida por Richard Mayson | Todos os Direitos Resrvados

Como surgiu este interesse por vinho?

Em Portugal: a minha família era fabricante de têxteis e tinha ligações comerciais lá. As férias e as viagens de negócios eram muitas vezes associadas. Os meus pais tinham uma casa em Portugal e apresentaram-me ao vinho era eu ainda muito jovem.

Quando foi mordido pelo bichinho do vinho – quando é que passou a ser um hobby a sério?

O meu primeiro emprego fez-me ficar com o bichinho do vinho. Tinha acabado de sair da escola aos 18 anos e estava a desfrutar de um ano sabático em Portugal, quando arranjei trabalho num restaurante. Os donos tornaram-me responsável pela lista de vinhos, na realidade apenas tinha que me certificar que a adega estava abastecida com os vinhos da lista e fazer as encomendas. Mas lembro-me de ter pensado que este era um tema realmente interessante, e fui até Lisboa para comprar alguns livros sobre vinho, que li na praia nas minhas tardes de folga. Durante os meses de Inverno, comecei a visitar as vinhas e através de alguns contactos profissionais dos meus pais, fui convidado para almoçar com Jorge Ferreira do despachante de vinho do Porto homónimo. Foi no dia 24 de Março de 1980 e lembro-me de ter pensado “isto é que é vida”. O bichinho tinha mordido!

O que o levou a uma carreira na escrita de vinhos?

Quando estava na Universidade, tive que escrever uma dissertação como parte do meu curso. Usando os contactos que tinha feito em Portugal durante o meu ano sabático, passei os meses de Julho e Agosto de 1982 a pesquisar o micro clima das vinhas do Douro. A nossa empresa familiar de têxteis tinha acabado de fazer um grande número de despedimentos na recessão do início dos anos 80 e não havia emprego para mim, pelo que decidi candidatar-me a empregos no comércio de vinhos. Tive a sorte de ter sido acolhido pela The Wine Society, onde uma das minhas tarefas era escrever, tanto ofertas, como notas de prova, para incluir nas caixas sortidas. Mas sempre tive a ideia de querer escrever um livro sobre vinhos Portugueses e, com a pressão dos compromissos profissionais familiares, quando surgiu a oportunidade em 1989, deixei a Wine Society para me tornar escritor de vinhos freelancer. O livro “Portugal’s Wines and Wine Makers” (“Vinhos e Vinhas de Portugal”) foi publicado em 1992 pela Ebury Press.

Na sua escrita, que vinhos o inspiraram mais e porquê?

A resposta tem que ser o Douro e especificamente o Vinho do Porto Tawny de 20 anos. Há algo de verdadeiramente mágico e misterioso no equilíbrio melífluo e na postura destes vinhos que não se baseiam apenas num ano ou colheita. Acho que fui inspirado também pelo Sherry (tendo tido uma visita alargada a Jerez por ter ganho a Bolsa Vintner em 1987) e pelo Madeira, tendo visitado a ilha pela primeira vez em 1990.

Na sua escrita, que vinhos o inspiraram menos e porquê?

É um grande desafio responder a essa pergunta, uma vez que me interesso por todos os vinhos. No entanto, sou menos inspirado por algumas das marcas maiores e pelos vinhos mais comerciais vendidos a níveis de preço chave pelos supermercados. Na realidade, acho estas promoções “menos de metade do preço” deprimentes.

Foto cedida por Richard Mayson | Todos os Direitos Resrvados

Alguma das duas últimas respostas mudou desde que começou a fazer os seus próprios vinhos?

Não, acho que fazer vinho apenas consolida a nossa opinião. Enquanto produtor de vinho é frustrante ver os consumidores serem enganados com vinhos fracos, por vezes a preços altos e muitas vezes pensamos “Eu consigo fazer muito melhor que isto!”

O que o motivou a fazer o seu próprio vinho? Houve algo em particular? 

Eu sempre tive em mente transformar as minhas palavras em acções. Eu andava a escrever há anos sobre o potencial que Portugal tinha e tem, enquanto país produtor de vinhos e queria ser eu a mostrar isso mesmo. Há alguma satisfação em “passar de caçador furtivo a guarda de caça”.

Dada a sua especialidade ser o Vinho do Porto, o Madeira e os vinhos do Douro, porquê o Alentejo?

Duas razões principais: o Douro é um sítio complicado e, quando finalmente me decidi a avançar, estava cada vez mais superlotado de actores, muitos deles a fazer vinhos excelentes. Para além disso os preços do imobiliário tinham perdido a ligação com a realidade. O meu Alentejo não é um Alentejo qualquer, mas um canto de Portugal que eu tinha debaixo de olho há anos. Primeiro a região de Portalegre é espectacularmente linda e mais parecida com o Norte de Portugal do que com o Sul, com pequenos minifúndios em montanhas de granito e xisto. Tem um terroir fabuloso e eu queria mostrar isso mesmo e colocar este lugar no mapa.

Depois de ter decidido fazer o seu próprio vinho, quanto tempo demorou até ter o seu primeiro vinho?

Qual o comprimento de um pedaço de fio? Demorou-me bastante tempo a encontrar o sítio certo e nunca se tem a certeza se se vai avançar até se encontrar o sítio certo. Creio que demorou cerca de cinco anos desde começar a procurar a sério até produzir o nosso primeiro vinho em 2005.

Qual era a sua visão para o seu vinho e ela mudou de alguma maneira?

Quando enveredei por este projecto disse, meio a sério, meio a brincar, que queria ser o “Petrus de Portugal”! Agora percebo que para ser Petrus (ou qualquer outro grande vinho icónico) é necessário ambicionar ser perfeito a todos os níveis. A perfeição vem, não só, a enorme custo, tanto financeiro como emocional, e como resultado, a maioria dos vinhos são um compromisso, moldado para o mercado. Eu acredito que temos as condições naturais na Serra de São Mamede para fazer vinho realmente bom e de qualidade mundial, mas que demora tempo a chegar lá e que o preço que se recebe por todo o nosso trabalho árduo, depende do que o mercado irá aceitar. Comprar uma vinha e fazer e vender os nossos próprios vinhos traz uma forte dose de aspectos práticos ao nosso sonho inicial. Fazê-lo durante uma das mais sérias crises financeiras da história, apenas serve para testar ainda mais o nosso sonho.

Teve desde o início uma ideia sólida sobre quem iria comprar e degustar o seu vinho e isso é importante?

Sim, eu tinha planeado desde o início fazer três vinhos tintos diferentes. Começando com um vinho, Pedra Basta em 2005, chegamos aos três (Duas Pedras e Pedra e Alma) em 2009. Antes de lançarmos o nosso primeiro vinho Pedra Basta em 2007, testamos o mercado para ter a certeza que nos encontrávamos na categoria certa de preço/qualidade, tanto em Portugal como, mais essencialmente, a nível internacional. É também importante encontrar o nome e imagem certos para o nosso vinho. Basicamente conhecíamos o nosso mercado e continuamos a tê-lo como alvo, apesar desse alvo estar em constante movimento.

Richard Mayson – Foto cedida por Richard Mayson | Todos os Direitos Resrvados

Quão envolvido está no processo de cultivo da uva, produção do vinho, desenvolvimento da marca/embalagem e marketing? 

No início tentei estar envolvido em todos os níveis, mas com três crianças pequenas em casa e outros trabalhos para fazer, isso não é possível. No entanto, eu gosto de saber o que está a acontecer e tomo as decisões estratégicas nas vinhas, sobre a mistura dos lotes e sem dúvida, sobre o desenvolvimento da marca/embalagem e marketing. Tenho muita sorte em ter uma equipa excelente e de confiança, incluindo o brilhante enólogo Rui Reguinga que é também o meu sócio. Pensamos dentro das mesmas linhas e gostamos dos mesmos tipos de vinhos, o que ajuda!

Tinha alguma experiência na produção de vinhos ou fez alguns estudos em enologia antes de fazer o seu próprio vinho?

Eu passei uma vida no vinho, que incluiu trabalhar num conjunto de casas vinícolas tanto em Portugal como na Austrália, portanto eu sabia no que me estava a meter. Mas se tenho uma formação formal? Não. Eu não confiaria em mim para ser responsável por uma colheita dia a dia, hora a hora, mas eu sei o que se passa.

Tem um mentor ou herói do vinho que o inspire?

Essa é difícil de responder porque eu tenho tantos bons amigos no negócio do vinho cuja influência me contagiou ao longo dos anos. Para nomear apenas alguns, diria Rick Kinzbrunner da Giaconda, em Victoria, Austrália, a família Roquette da Quinta do Crasto no Douro e Dirk Niepoort que reinventou o negócio da família ao longo dos últimos 25 anos.

De que forma a sua experiência enquanto escritor de vinhos, influenciou o estilo de vinho que faz, a região e/ou as variedades a partir das quais obtém as suas uvas, e como desenvolve a marca e vende os seus vinhos?

Eu diria que ser escritor de vinhos tem tido uma influência a todos os níveis. Enquanto escritor de vinhos vê-se tanto deste mundo; o óptimo, o bom e o mau e o feio. Isto quer dizer que formamos ideias bastante claras sobre o que funciona para nós. Obviamente, em termos de estilo, antes de mais, temos que respeitar o terroir. Eu costumava ser um céptico do terroir mas agora sou um fanático. Obtemos as nossas uvas das minhas vinhas, pelo que os nossos vinhos são específicos do local. As uvas que tenho são, em parte, aquelas que têm um historial de se dar bem na nossa área, mas também aquelas de que gosto e sobre as quais tenho um palpite, como Syrah e Touriga Nacional. Por muito que goste da variedade, nunca plantaria Pinot noir em Portalegre, da mesma forma que não plantaria Syrah em Sheffield! Apesar dos nossos vinhos serem de uma única propriedade, Quinta do Centro, decidi desde cedo, criar a marca dos nossos vinhos de acordo com o terroir local, em vez de seguir o caminho, tantas vezes repetido, da propriedade única. “Pedra” é o nosso tema comum e reflecte a minha crença no nosso terroir predominantemente granítico.

Escrever sobre vinhos dá-lhe uma compreensão do processo, do mercado, etc. mas fazer o seu próprio vinho envolveu algum desafio/dificuldade imprevisto? Se sim, quais são?

Sim, há alturas em que o sonho se transforma em pesadelo, especialmente quando as coisas correm mal no meio da vindima, quando toda a gente está a trabalhar ao máximo e há bastante tensão. Eu passei uma vindima, enterrado até aos joelhos em efluente, quando o sistema de esgotos deixou de funcionar. Não pensamos nestas coisas quando estamos a provar vinho, mas para fazer bom vinho é preciso muita água e ela tem que ir para algum lado.

Adega – Foto cedida por Richard Mayson | Todos os Direitos Resrvados

Reciprocamente, fazer o seu próprio vinho ultrapassou as suas expectativas de alguma forma? Há alguns aspectos do processo que considere particularmente agradáveis? 

Adoro tudo (com excepção dos esgotos, obviamente) mas acho que promover e vender o nosso vinho me trouxe mais satisfação do que estava à espera. 

Estar envolvido no processo de produção mudou a sua perspectiva sobre o mundo do vinho em alguma forma?

Sim, eu diria que produzir vinho mudou a maneira como penso sobre praticamente tudo o que tem a ver com vinho. Enquanto escritor de vinho, estamos do lado de quem recebe muita hospitalidade e não vemos com frequência a angústia comercial que faz parte da enologia, a quase todos os níveis. A regulamentação vitivinícola é particularmente frustrante.

Está satisfeito com a sua gama – em termos do próprio vinho (coincide com a sua visão), as vendas e o nível de preço?

Sim, estou muito satisfeito com a nossa gama. Pedra Basta é o nosso vinho principal e vende no Reino Unido por cerca de £12.50, com o Duas Pedras a £8.50 e o Pedra e Alma a cerca de £20. Acredito que todos os nossos vinhos oferecem um bom valor pelo dinheiro e isso é importante. Temos que acreditar nos nossos produtos.

E a seguir (alguns planos para expandir a gama)? 

Possivelmente um Pedra Basta branco, possivelmente um rosé. Está sempre sob discussão. 

Qual é a coisa mais excitante que está a acontecer com os vinhos Portugueses hoje em dia? 

Acho que os vinhos brancos provaram e estão a provar que são incrivelmente emocionantes em Portugal. Mais ainda, gosto da reabilitação da uva Baga que está a acontecer.

Vinho é um luxo, não uma necessidade – o que faz com que valha a pena e qual é o valor mínimo que os consumidores devem esperar pagar por um vinho interessante de qualidade? 

É a variedade que dá sabor à vida e não há nada mais variado que o vinho, em estilo, carácter, história e embalagem. Veja-se a gama média dos supermercados. Não encontra nada parecido com esta variedade em sumos de laranja ou feijão enlatado! Quanto é que os consumidores devem pagar, depende do mercado, mas no Reino Unido, grande parte do custo do vinho está a ser fixado sob a forma de taxas e despesas gerais. Eu diria que £7.50 seria a regra geral, tendo sempre em conta que quanto mais se paga, mais vinho se obtém pelo dinheiro.

Pedra Basta – Foto cedida por Richard Mayson | Todos os Direitos Resrvados

Há tanta competição por espaço de prateleira – porque é que os retalhistas e os consumidores devem escolher Portugal?

Portugal redescobriu o seu terroir nos últimos vinte anos e é um sítio muito emocionante para se estar. Dentro de Portugal há um espectro enorme de vinhos, tinto, branco e fortificado, mais do que em qualquer outro país de tamanho comparável, atrever-me-ia a dizer. Portugal oferece uma gama de sabores única, a partir de uvas fascinantes, bem como óptima relação custo/benefício. Qualquer pessoa com um interesse genuíno por vinho, deve ter mais que um interesse superficial por Portugal. Pode não ser o país mais fácil de compreender, mas traz recompensas enormes para aqueles que despendam do tempo e do esforço.

E porque deveriam escolher um dos seus vinhos? Qual é a história?  

Pedra Basta 2010. Este é o vinho que sempre quis fazer.Acabamos de lançar a colheita de 2010 e apesar de ter sido um ano bastante difícil, o Rui Reguinga fez um óptimo trabalho e acho que o vinho é o nosso melhor até à data. Nós aliviamos deliberadamente o carvalho, para permitir que a fruta se expressasse mais. O vinho é uma verdadeira reflexão do nosso terroir de montanha, fruta madura combinada com frescura e subtileza. As uvas são Trincadeira, Aragonez e Alicante Bouschet com um toque de Cabernet Sauvignon. Não vou encher esta resposta com a prosa púrpura do escritor de vinho, pelo que bastará dizer que eu estou muito, muito orgulhoso dele. Prove-o e veja se concorda.

Da Escrita ao Vinho: Parte 1 – Os Vinhos de João Afonso

Texto Sarah Ahmed  | Tradução Patrícia Leite

Eu adorei as minhas três curtas, mas doces, participações em vindimas, particularmente na Cullen Wines, em Margaret River, Austrália. Estive lá na altura certa: as uvas chegavam à adega inteiras e rapidamente.

A natureza ditava o que se fazia e quando se devia fazer, o que, apesar de ser fisicamente exigente, era mentalmente relaxante – não valia a pena programar as coisas! E como é delicioso provar os frutos do nosso trabalho! Ainda fico entusiasmada ao lembrar-me que fui eu que fiz a “batônnage” do Cullen 2007 Chardonnay, um vinho que recebeu o prémio de Melhor Chardonnay do Mundo nos Decanter World Wines Awards em 2010.

E confesso que, se o tempo voltasse atrás, eu ficaria extremamente tentada a voltar a fazer vinho, em vez de apenas escrever sobre ele. Talvez devesse seguir as intrépidas pisadas de três produtores de vinho Portugueses que estão a fazer isso mesmo. As suas estórias são inspiradoras. Aqui fica a primeira. As de Richard Mayson e Tiago Teles virão a seguir.

João Afonso nasceu em Coimbra em Fevereiro de 1957. Estudou Educação Física na Universidade de Lisboa e apaixonou-se pela sua primeira carreira, o ballet, quando uma bailarina apresentou a dança ao estudante de desporto. Dois anos depois, dançava pelo mundo fora com o célebre Ballet Gulbenkian, onde passou 15 anos.

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João Afonso – Foto cedida por João Afonso | Todos os Direitos Reservados

 

Afonso diz que se apaixonou pelo vinho mais lentamente já que “os bailarinos falam sempre e (quase) exclusivamente sobre port de bras, cou-de-pie, pirouettes, grand jete… e performances de dança. Comem e bebem pouco, porque têm que estar em boa forma física todas as manhãs”.

No entanto, a semente da ideia de fazer vinhos foi plantada quando em 1983, a mulher de Afonso lhe deu uma cópia do livro “Conhecer e Trabalhar o Vinho” do aclamado professor de Enologia da Universidade de Bordéus, Émile Peynaud. Acrescenta ele “a minha avó era uma pequena produtora de vinho na Beira Alta e, de certa forma, eu estava com saudades dos velhos tempos quando tudo o que comíamos e bebíamos era feito em casa e as coisas tinham outro sabor e outro gosto (nem sempre o melhor, mas mais genuíno, sem sabores sintéticos e fáceis …)”.

Embora tenha frequentado um curso intensivo de uma semana sobre fazer vinho na Escola da Anadia, Bairrada, em 1987 (Afonso tinha desde há muito, uma paixão pelos vinhos maduros da Bairrada), a sua carreira itinerante e de grande notoriedade como o bailarino principal da companhia, impediu-o de perseguir seriamente o seu interesse pelos vinhos. Foi apenas quando a sua carreira na dança terminou em 1993 que, tanto o conhecimento como o interesse floresceram, especialmente depois de ter conhecido o Professor Virgílio Loureiro do Instituto Superior de Agronomia de Lisboa (na altura, enólogo na Quinta dos Roques e Quinta das Maias no Dão) e João Paulo Martins (o jornalista de vinhos).

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João Afonso – Foto cedida por João Afonso | Todos os Direitos Reservados

 

Em 1994, Afonso tinha começado a fazer vinho, a partir dos dois hectares da vinha envelhecida Ribeiro na Beira Alta. Foi plantada no início do século XX quando a sua avó era ainda uma criança. Primeiro, surgiu um tinto, no ano seguinte, um vinho branco, usando barricas antigas fornecidas por Dirk Niepoort da Niepoort.

Apesar de Afonso estar muito contente com os vinhos, que ele descreve como “extraordinários (na minha modesta opinião)”, o princípio do fim da sua primeira aventura na produção de vinhos, veio quando o seu irmão mais velho arrancou a vinha envelhecida.

Por sorte, Niepoort e Loureiro já tinham apresentado Afonso a Luís Lopes, o director da, na altura, recentemente lançada, “Revista de Vinhos” e, segundo as suas palavras, “como a produção de vinho era um assunto familiar melindroso (eu tenho mais quatro irmãos), comecei com o fantástico e mais fácil assunto da escrita de vinhos, em Maio de 1994”. Ele ainda escreve para a Revista de Vinhos e, entre 2000 e 2008, escreveu o seu próprio guia para vinhos no mercado português. Também escreveu dois livros sobre vinhos “Entender de Vinho” e “Curso de Vinho”. No entanto, ele admite, “escrever não é de todo o que prefiro fazer. Também é uma forma de arte, mas às vezes (muitas vezes) não tem nada a ver com “o lado bom da vida”. Para Afonso, o lado bom da vida é “ver e sentir a beleza e a felicidade”. Uma sensação que ele experimentou vividamente em 2009, quando descobriu uma velha e pequena vinha (3.9 hectares) em Reguengo, Portalegre, à venda e decidiu que a sua missão era protegê-la e recuperá-la.

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João Afonso – Foto cedida por João Afonso | Todos os Direitos Reservados

 

Porquê Portalegre? Afonso responde: “Eu escolho o Norte do Alentejo por três razões: a paisagem é semelhante à da Beira Alta (mais bonita e eu sinto-me em casa); é mais perto (de Lisboa) que a Beira Alta; e, acima de tudo, tem vinhas antigas com materiais envelhecidos (sem selecções de cultivadores de viveiros): castas envelhecidas, todas misturadas no mesmo enredo de vinho. Se podemos falar de “terroir” em Portugal, a Quinta das Cabeças, ou seja, o Reguengo pode ser um”. De facto, e como um bom presságio, depois de ter comprado a quinta, ele soube que o altamente respeitado enólogo alentejano Colaço do Rosário (criador do Pêra-Manca) identificou a encosta da Quinta das Cabeças como o melhor sítio para criação de uvas em todo o Alentejo.

Oito meses depois, Afonso tinha feito os seus primeiros vinhos: Equinócio (branco) e Solstício (tinto), parcialmente fermentado em ânfora de barro, como tinha sido a tradição regional durante séculos). No entanto, ele afirma nunca ter tido uma visão para o vinho: “Eu não sou um enólogo” diz, “Eu só tento proteger a minha vinha e colher as uvas para deixá-las tornar-se vinho”. A confiança de Afonso em deixar que as vinhas falem, advém da sua crença na vinha: “Eu gosto de a ver. Gosto de me sentir dentro dela. Eu não faço vinho, a vinha é que o faz. Eu deixo que os meus olhos escolham por mim”.

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Foto cedida por João Afonso | Todos os Direitos Reservados

A abordagem não intervencionista começa com a vinha, que é organicamente certificada e cultivada de forma biodinâmica. Para Afonso “perceber a nossa propriedade, seguir o calendário lunar de Maria Thun e aplicar as preparações biodinâmicas em doses homeopáticas, resulta em vinhas ainda mais genuínas e intensas”. Para além disso, ele jurou nunca voltar a usar químicos, depois de ter pulverizado os seus olivais em 1999 contra as traças: “o cheiro era tão terrível que achei que, se as oliveiras tivessem pernas, teriam fugido rapidamente!”.

Então, o idílio rural corresponde às expectativas? “Sim. Completamente” é a resposta de Afonso. Uma vez que ele é pouco inspirado pelos “vinhos globalizados ou em voga” (vinhos com Syrah, Merlot, Cabernet Sauvignon, Petit Verdot, Viognier, Sauvignon Blanc, Touriga Nacional…) que ele acredita terem resultado numa perda enorme da tradição vitivinícola, ele orgulha-se intensamente do facto de Cabeças ter “dado provas que é possível fazer bom vinho com uvas que toda a gente despreza”.

Para além disso, a experiência de Afonso implica que ele nunca tenha tido ilusões sobre os desafios inerentes à venda do seu próprio vinho. Ele explica “escrever sobre vinhos ensinou-me a dificuldade de vender vinhos, mesmo vinho muito bom, e eu já tinha tido essa experiência na Beira Alta”. Escrever implicou que Afonso compreendesse bem a importância de ter uma história diferente e genuína e não fazer apenas algo semelhante a outros vinhos: “Teria morrido à partida”, diz.

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Vinhas – João Afonso – Foto cedida por João Afonso | Todos os Direitos Reservados

Afirma ainda “A única hipótese é fazer algo completamente diferente, algo bom e algo difícil de encontrar”. Entrando neste tema e olhando para o quadro geral, ele observa “Portugal é diferente. Não existe isso [as castas e os terroir] em mais nenhum lado senão aqui. E nós fazemos mesmo vinhos muito bons… Eles são puros, bons e falam uma língua simples, sumarenta e fantástica com aqueles que os sabem perceber”. Então por que motivo devemos escolher o seu vinho, pergunto? Porque, responde ele, “é o sabor de uma vinha alentejana de 1920, através dos olhos e das mãos de um crítico de vinhos – um ex-bailarino”. Esta é uma proposta verdadeiramente única. E para reforçar, posso acrescentar que Equinócio e Solstício são também excelentes propostas para amantes de vinhos excitantemente autênticos com uma sensação palpável de lugar.

Simplesmente Vinho 2014: O evento vínico holístico no Porto

Texto Sarah Ahmed  | Tradução Patrícia Leite

Como escritora, particularmente como escritora de vinhos, parece-me impossível que eu não soubesse que há duas definições para a palavra wine, vinho em Inglês!?! De acordo com o Dicionário de Oxford “wine” não é só “uma bebida alcoólica feita a partir de sumo de uva fermentado” (o substantivo), mas é também um verbo: “uma dança com movimentos giratórios rítmicos da região pélvica”. Pensei imediatamente no Elvis, mas depois reparei que a etimologia é da Índia Ocidental!

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Photo by Sarah Ahmed | All Rights Reserved

A vida está cheia de surpresas. Tomemos como exemplo o evento Simplesmente Vinho , o ajuntamento de 22 rebeldes produtores de vinho portugueses onde o “wine” – o substantive e o verbo – colidem numa troca inebriante, holística e sinergética, entre produtores de vinho, artistas e músicos.

Eu visitei a 2ª edição da feira, que teve lugar no início deste ano, no – ou melhor por baixo do – escritório  Skrei na Baixa do Porto, um jovem atelier de arquitectos e artesãos dedicados à regeneração urbana. A seu cargo esteve a regeneração das caves, revestindo as paredes com garrafas de terras portuguesas, o meio de enraizamento dos vinhos e, com luz, a geradora de uvas e vinhos.

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Photo by Sarah Ahmed | All Rights Reserved

Quanto aos músicos: Caixa de Pandora, Bitrigode Trio e os Thee Magnets, o fundador do Simplesmente Vinho, João Roseira (Quinta do Infantado) admite “Adoro música pelo que, estar num evento de vinho onde se pode encontrar boa música, é fantástico. Também queremos pôr o vinho na realidade das pessoas e fazer com que o vinho assente os pés na terra”.

 

O co-fundador e colega produtor de vinho do Douro, Mateus Nicolau de Almeida (Muxagat) não podia estar mais de acordo: “O Simplesmente Vinho não é pretensioso. Queremos desmistificar o vinho e os seus produtores porque os vinhos especiais podem ser simples e podem ser bebidos de forma simples. É por este motivo que nós, os produtores, não estamos atrás de mesas, para que os consumidores sintam que estamos com eles”. Roseira acrescenta que tendo em consideração que em Portugal 90% dos vinhos são comprados nos supermercados, é importante encontrar os consumidores nas feiras ou à porta das caves, e também apoiar os “cavistas” que vendem o vinho directamente, “porque desta forma as pessoas vão aprender sobre o vinho”.

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Photo by Sarah Ahmed | All Rights Reserved

Esta abordagem inclusiva e centrada no consumidor também explica o modesto preço de 4€ por bilhete. Uma pechincha que dá acesso a provar vinhos de 22 quintas artesanais (incluindo muitas das minhas preferidas), juntamente com comida dos grandes chefs do Porto: Rui Paula of DOP/DOC, Luís Américo of O Mercado, e também Joana Vieira e André Antunes do Delicatum em Braga que tem nada menos do que 20 vinhos orgânicos.

Apesar de muitos dos produtores do Simplesmente Vinho trabalharem de forma orgânica, por vezes biodinâmica, Nicolau de Almeida diz que as suas filosofias e ideias sobre a agricultura e a produção de vinhos não são necessariamente as mesmas. No entanto, o traço comum nesta feira de vinhos “criada por produtores para produtores” é que todos “olham para o que a vinha, a região e as uvas dão e não para o que o mercado quer” quando criam os seus vinhos. Invariavelmente, também eles trabalham as vinhas, para além de fazer e vender os vinhos. Desta forma, observa ele, “as pessoas que vêm, sabem que tipo de produtores somos e o tipo de vinho que estamos a fazer”, o que se torna mais produtivo do que visitar uma das grandes feiras de vinho mais conhecidas, onde os pequenos produtores se perdem. Toda a gente – produtores e consumidores – tem mais contacto pessoal no Simplesmente Vinho.

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Photo by Sarah Ahmed | All Rights Reserved

Na realidade, tendo obtido inspiração da Francesa Haut Les Vins, Simplesmente Vinho o Simplesmente Vinho é um salão off que acontece ao mesmo tempo que a Essência do Vinho, uma feira muito maior na qual cerca de 350 produtores mostraram as suas mercadorias este ano. O que não significa que o Simplesmente Vinho seja divisionista. Longe disso! Como Roseira entusiasticamente frisa, embora seja “muito difícil juntar pessoas em Portugal uma vez que não somos um povo muito colaborativo, a Essência do Vinho proporcionou a oportunidade a que aconteçam mais eventos de vinho, o que ajuda a elevar o perfil do Porto como a capital do vinho de Portugal”. Palavras estimulantes sobre a cidade que para Roseira “respira vinho” e à qual eu aconselho a visita durante o próximo mês de Fevereiro ou Março, quando o Simplesmente Vinho e a Essência do vinho voltarão a acontecer.

Este ano, estiveram no Simplesmente Vinho, os seguintes produtores:

Minho: Fernando Paiva – Quinta da Palmirinha | Tony Smith – Quinta de Covela | Vasco Croft – Aphros.

Douro: João Roseira – Quinta do Infantado | Joaquim Almeida – Quinta Vale de Pios | Mateus Nicolau de Almeida – Muxagat | Rita Marques – Conceito | Tiago Sampaio – Olho no Pé.

Dão: Álvaro e Maria Castro – Quinta da Pellada | António Madeira – António Madeira | João Tavares de Pina – Terras de Tavares | José Manuel e Carlos Ruivo – Lagar de Darei.

Bairrada: Dirk Niepoort – Quinta de Baixo (Niepoort Projectos) | Filipa Pato – Filipa Pato | Luís Pato – Luís Pato | Mário Sérgio Nuno – Quinta das Bágeiras.

Tejo e Lisboa: Paulo Saturnino Cunha – Pinhal da Torre | António Marques da Cruz – Quinta da Serradinha | Marta Soares – Casal Figueira.

Alentejo: Miguel Louro – Quinta do Mouro | Vitor Claro – Dominó.

Contactos

Simplesmente Vinho
vinhosimplesmente.2013@gmail.com
simplesmenteVinho

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Insaciável: Rita Ferreira Marques com sede de Conhecimento & A Busca da Excelência

Texto Sarah Ahmed  | Tradução Patrícia Leite

O meu último artigo foi sobre Filipa Pato, representante de uma nova geração de enólogos portugueses bem-viajados (ou devo dizer produtores de vinho) que se têm destacado pelos seus vinhos entusiasmantes e orientados pelo terroir.

Em contraste com Filipa Pato (que agora estreitou o seu foco para a Bairrada), Rita Ferreira Marques, um dos elementos do grupo Young Winemakers of Portugal, lançou a sua rede de uma forma bem abrangente. E bem para além das Quintas da Veiga e do Chão do Pereiro no Douro Superior, as duas propriedades da família que têm sido a fonte da sua atractiva marca Conceito desde 2005. Pode-se acrescentar que isso acontece apesar destas quintas serem as maiores propriedades do Vale da Teja. Rita faz também um Sauvignon Blanc de Marlborough, na Nova Zelândia, um blend de Cabernet Sauvignon/Merlot de Breedekloof, na África do Sul e um Alvarinho da sub-região de Monção e Melgaço dos Vinhos Verdes, tudo sob o rótulo Conceito. No ano passado, participou no relançamento da Quinta do Fojo, a famosa quinta no Cima Corgo (Rita faz os vinhos com Margarida Serôdio Borges).

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Rita Ferreira Marques – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Questionei Rita Marques sobre seu desejo aparentemente insaciável de conhecimento e auto-melhoria. De onde vem? E como é que isso influenciou a sua abordagem à produção e ao Marketing dos seus vinhos?

Quais são as lições mais importantes que tem tirado dos seus estudos de enologia?

A importância da ciência e do desenvolvimento tecnológico. O desenvolvimento e o reforço da minha própria intuição e sentido crítico, tendo como base o conhecimento técnico para a compreensão e escolha de aceitar ou rejeitar práticas que vêm da tradição, da inovação, de pressões comerciais, etc. A importância decisiva das aprendizagens baseadas na prática que encontrei em Bordeaux, incluindo inúmeras provas de vinhos.

Quais são as lições mais importantes que tem tirado de suas viagens (visitas e trabalho no estrangeiro)?

Compreender a enologia em vários contextos, desde o quase industrial às pequenas adegas artesanais, onde tudo é feito à mão. Ser capaz de dar conta de todo o trabalho que surja num longo dia, tomando consciência que o vinho vem sempre em primeiro lugar e que justifica todos os sacrifícios. Perceber que algumas vinhas têm qualidades mágicas, seja a luz ou o solo, que as pessoas que fazem esses vinhos têm um enorme respeito pelas videiras e pelas uvas e sentir-me abençoada por ser capaz de utilizar esses factores e integrá-los num grande vinho.

Quais são as lições mais importantes que tem tirado de provar tantos vinhos (estrangeiros)?

Estudar e fazer os meus vinhos faz-me concentrar mais e mais no que posso melhorar em termos de viticultura e enologia. Provar muitos vinhos faz-me querer mais para os meus vinhos, faz-me olhar para fora e tentar perceber para onde quero ir. Provei alguns vinhos que me fizeram pensar “quando eu fizer um vinho assim ficarei satisfeita.”

Como é que essas lições afectaram a sua abordagem à viticultura, à produção e ao Marketing dos seus vinhos?

Todos os anos tento respeitar o que a natureza me oferece. Este respeito é demonstrado, desde logo, no facto de eu não usar pesticidas ou herbicidas na vinha. Faço sobretudo agricultura biológica, mas não me preocupo com certificações ou certificados. Acredito apenas que isso é melhor para os meus vinhos e acho mesmo que isso se vê. A outra lição é agendar a data de colheita, uma das decisões mais importantes que cabe a um enólogo.

Numa fase inicial, tentei fazer vinhos mais fáceis de beber, embora não pondo em risco a sua longevidade. Estou cada vez mais interessada em moderação e em ter meus vinhos cada vez mais bem-recebidos na mesa, preocupando-me cada vez mais com o equilíbrio, a frescura, a pureza, em vez do poder ou do corpo do vinho. Elegância é uma palavra forte para usar aqui, já que o Douro é um lugar quente, e não quero de maneira nenhuma lutar contra a maturação ou profundidade. Mas trabalho no sentido do equilíbrio e, todos as anos, tento adaptar a quantidade e qualidade das técnicas de extracção que uso para respeitar plenamente as uvas e o design dos vinhos que apresento.

A Rita estudou em Bordeaux e na Califórnia, bem como em Vila Real – como é que as abordagens ao Estudo do vinho em Portugal, Bordeaux e Califórnia diferem entre si? Como é que estudar em Bordeaux e na Califórnia a ajudou? Como é que esses estudos trouxeram valor à sua experiência em Vila Real?

Em Bordeaux, tive o prazer de estudar e trabalhar com Denis Dubourdieu, uma grande pessoa, um grande enólogo e um grande professor. Na Universidade de Bordeaux os cursos que fiz foram muito focados na prova e de alguns dos melhores vinhos do mundo. É engraçado que, infelizmente, em Vila Real também temos disponíveis alguns dos melhores vinhos do mundo, mas eles não chegam às salas de aula da Universidade. Os cursos básicos que tirei em Vila Real (e, antes, em Coimbra) tinham um nível adequado ao que aprendi posteriormente em Bordeaux e na Califórnia. Vila Real é mais teórica do que Bordeaux ou Califórnia, não tem a parte prática suficiente. Outra grande diferença é que em Bordeaux tudo tem a ver com o vinho e com a produção de vinho. Assim, os estudantes podem trabalhar em empresas vitivinícolas durante as vindimas, o que é impossível em Vila Real, já que o calendário académico não está adaptado à realidade da produção de vinho.

O site Young Winemakers of Portugal diz que “a nova geração de enólogos portugueses adaptou sua produção a uma nova era e está a criar vinhos que já não podem ser considerados fortes demais para o gosto internacional. A Rita sente que entende o que os consumidores querem nos diferentes mercados e adaptou de alguma maneira a forma de fazer ou apresentar os seus vinhos para que se ajustem a diferentes mercados?

Sim e não. Algumas coisas ainda são um enigma para mim, por exemplo, porque é que um estilo particular de vinho é um sucesso em alguns países e não o é de todo noutros países. Tento fazer vinhos que respeitam o que a natureza oferece em todos os sítios onde os produzo. Os vinhos de que gosto não são pesados ou enjoativos e por isso é natural que tente fazer esses vinhos em todos os locais em que trabalho. Mas sinto que a minha missão (para dizê-lo “em grande”) é oferecer parte daquele lugar (designadamente, e sempre o que penso em primeiro lugar, o Douro) na mesa das pessoas. Não é tanto dar-lhes um vinho que eles possam querer mais do que outro, mas que não iria respeitar esse sentido de origem.

Haverá alguns vinhos das suas viagens que tiveram uma influência fundamental no seu trabalho? Qual o impacto que tiveram?

José Luís Mateo, de Monterey, ou Didier Raveneau, em Chablis, fazem vinhos surpreendentes, cheios de limpidez, de luz, de frescura. Ricardo Freitas, da Madeira, faz vinhos que são uma lição de intuição em enologia para uma produtora de Porto como eu. Nesses casos, a terra oferece uvas perfeitas, eles têm uma obsessão com a acidez e a frescura das uvas e, acima de tudo, fazem as coisas de forma simples e franca.

Existem vinhos de Portugal que tiveram uma influência fundamental em seu trabalho? Qual o impacto que tiveram?

Sim, claro, tanto grandes vinhos como vinhos simples. Por exemplo, ao provar colheitas antigas do Fojo fiquei encantada com a pureza, o foco e a juventude desses vinhos. Mas também ao provar as primeiras colheitas de Duorum fiquei a pensar nas técnicas que permitiriam os meus vinhos serem mais acessíveis numa fase mais jovem e esforcei-me para fazer um trabalho mais preciso na extracção. Depois, os vinhos de Mário Sérgio Alves Nuno, na Bairrada, de Álvaro Castro, no Dão, ou de Miguel Louro, no Alentejo (para citar apenas alguns), também influenciaram a maneira como eu vejo o vinho.

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Rita Ferreira Marques – Foto de Cedida por Rita Marques | Todos os Direitos Reservados

Em Inglaterra há um ditado que diz que o que importa não é o que sabemos, mas quem nós conhecemos. Que vantagens teve por ser tão bem relacionada?

Cada professor ou chefe com que trabalhamos dá-nos parte do seu conhecimento, mais experiência, ajuda-nos a corrigir alguns erros e dá resposta a algumas das nossas perguntas. Mas um professor realmente bom também nos orienta para mais perguntas, faz-nos questionar o que aprendemos e leva-nos a querer aprender mais. Assim, vamos de um lugar para outro, às vezes com uma recomendação, outras vezes só porque ouvimos dizer que os nossos ídolos falaram sobre um dos seus ídolos (ou lugares, ou vinhos). Além disso, é mais fácil voltar a um sítio e começar aí a fazer alguma coisa quando já conhecemos alguém ou temos uma recomendação [Rita está aqui a referir-se ao facto de ter trabalhado em Villa Maria, na Nova Zelândia, e com Bruce Jack de Laje, na África do Sul]. O mundo é pequeno e o mundo do vinho é muito generoso com seus habitantes.

Das pessoas que você conheceu nas suas viagens ao exterior, há alguma em especial que a tenha inspirado ou ajudado?

Já mencionei alguns nomes, mas estou a ser injusta, porque são realmente inúmeras pessoas (todos os lugares onde eu trabalhei inspiraram-me e ajudaram-me a ser uma melhor enóloga) e não apenas os professores e colegas enólogos, mas também sommeliers, clientes, colegas de curso. Podemos todos os dias ser inspirados por alguém. Faço sempre questão de ouvir o que as pessoas têm a dizer, sejam eles famosos enólogos ou o provador de vinho mais inexperiente ou o cliente. Nunca sabemos de onde pode vir uma boa ideia, e muitas vezes conhecimentos bons e preciosos podem estar escondidos nalguma velha história, ou até mesmo alguma ideia errada sobre uma casta, as barricas, um lugar.

Das pessoas que conheceu em Portugal, há alguma em especial que a tenha inspirado ou ajudado?

Jorge Serôdio Borges foi o primeiro enólogo com quem trabalhei e que me inspirou com sua enorme dedicação. Dirk Niepoort com sua paixão pelo vinho. Como disse, é impossível falar de todos eles. Recentemente conheci um produtor, António Ribeiro, que sabe muito sobre castas antigas, o seu desempenho e papel no campo e na adega, e como tudo isso influencia o vinho do Porto que faz. Às vezes, tudo se resume a ter tempo para nos sentarmos, pegarmos num copo e permitirmo-nos passar o tempo numa boa conversa.

Disse que uma das vantagens de produzir vinhos varietais, por exemplo um Sauvignon Blanc da Nova Zelândia, é que se aprende a fazê-lo rapidamente. Acha que o potencial de Portugal tem demorado um pouco a concretizar-se porque existem tantas castas diferentes para trabalhar, o que faz com que seja difícil os enólogos entenderem como podem conseguir o melhor resultado possível das suas vinhas?

Sou uma grande fã de blends de vinhos e de vinhas. Na verdade, acabei de plantar uma parcela de várias castas com cerca de 15 variedades diferentes. Isso torna a aprendizagem mais lenta, mas é uma questão de utilizar o conhecimento que já existe nas pessoas, mesmo que não esteja estruturado em livros científicos, como acontece noutros países. Não podemos ter as duas coisas. A nossa gama de castas autóctones é um dom que recebemos do passado, um milagre da nossa cultura e da nossa agricultura. Se isso torna os nossos vinhos mais difíceis de entender, isso é um pequeno preço a pagar por trabalhar com tanta variedade e por oferecer diferença, complexidade e interesse aos vinhos, o que Portugal pode e está a fazer. Ao provar vinhos velhos de todas as regiões portuguesas descobrimos que o potencial não foi criado ontem, esteve sempre lá. Os olhos do mundo talvez não estivessem focados nos nossos vinhos, mas esse factor foi talvez decisivo para a preservação do carácter dos nossos vinhos.

Como é que a Rita consegue o equilíbrio certo entre ocupar muito tempo nas suas vinhas para conhecê-las e em viajar pelo mundo a vender o seu vinho e ainda a fazer o vinho no Cabo e na Nova Zelândia?

As estações do ano separam muito bem o hemisfério norte do sul, de modo que foi fácil. O resto também é fácil: só viajo para vender e promover meus vinhos se isso não entrar em conflito com a produção dos vinhos e com o necessário acompanhamento a esse trabalho. Dois acontecimentos recentes mudaram um pouco as minhas condições de trabalho. Fui mãe, por isso tenho menos tempo para estar longe de casa e até certo ponto menos vontade de estar longe de casa. Por outro lado, o enólogo Manuel Sapage começou a trabalhar connosco e isso dá-me uma maior confiança para viajar enquanto os vinhos estão a ser bem acompanhados.

Os site Young Winemakers of Portugal diz sobre o vosso grupo que “Todos eles produzem vinhos distintos e mostram uma nova forma de produzir vinhos diferenciada e desinibida. Aprender com a tradição e trazer novos métodos”. Como é que equilibra a tradição com novos métodos e qual é o seu exemplo mais bem sucedido disso?

Falando por mim, eu diria que o exemplo mais bem-sucedido teria de ser o meu vinho tinto feito exclusivamente de Bastardo. Isto é bastante inovador, já que quase ninguém fez e engarrafou um vinho seco de Bastardo no Douro, mas também porque o vinho é feito da forma mais tradicional possível, sendo as uvas pisadas em lagares de granito sem desengaço e com levedura autóctone.
Tendo em conta a sua experiência em mercados e vinhos internacionais de todo o mundo, quais acha que são os maiores pontos fortes e pontos fracos da indústria do vinho portuguesa.

Pontos fortes: a variedade das castas, os blends, os estilos, o que é surpreendente para um país tão pequeno. Além disso, o maior know-how e a ambição que uma nova geração de produtores de vinho está a demonstrar ter. E o prestígio internacional do vinho do Porto, um verdadeiro potencial que nunca foi plenamente explorado para comercializar os nossos outros vinhos.
Pontos fracos: o contexto económico está a impedir muitos desses jovens de produzir e vender os seus vinhos. Há muita pressão para baixar os preços e isso decorre das empresas, que estando financeiramente fracas, lutam para vender em vez de manter a calma e acreditar na qualidade de seus produtos, defendendo e aumentando o seu valor. Além disso, a promoção deveria ser melhor coordenada pelas entidades públicas, porque resolver os problemas apenas com dinheiro é algo que funciona muito raramente.

Como é que acha que Portugal pode utilizar melhor esses pontos fortes e ultrapassar esses pontos fracos?

Não faço ideia. Acho que apenas temos de continuar. Os dados mais recentes mostram que a tendência é de crescimento. Ainda há muito trabalho a fazer na educação do público dos nossos vinhos e isso inclui alguns dos profissionais que desempenham um papel-chave na indústria. Quanto mais pessoas souberem sobre vinho, mais fácil é vender um bom vinho, designadamente um bom vinho português.

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Um Sensato Recém-Chegado ao Douro: Mateus Nicolau de Almeida

Texto Sarah Ahmed  | Tradução Patrícia Leite

Temo-nos correspondido por e-mail. Já provei os seus vinhos. Até já estive várias vezes com o seu pai e com a sua mulher. E, finalmente, conheci Mateus Nicolau de Almeida no “Simplesmente Vinho” no Porto no mês passado. Na semana seguinte eu já estava de volta, numa visita à quinta da família no Douro Superior, de onde Mateus obtém parte das uvas para sua marca Muxagat e de onde também faz o vinho Quinta de Monte Xisto, em conjunto com o seu pai e o seu irmão (João Nicolau de Almeida sénior e júnior), o qual é comercializado pela sua irmã Mafalda Nicolau de Almeida. Parece que esta família do vinho funciona muito bem, porque o blend é muito harmonioso!

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Photo by Sarah Ahmed / All Rights Reserved

João Nicolau de Almeida sénior tem o seu lugar na história do Douro como resultado do seu trabalho pioneiro na Quinta de Ervamoira da Ramos Pinto. Marcando o nascimento de uma nova era da viticultura no Douro, Ervamoira foi a primeira quinta do Douro a ser totalmente plantada com parcelas de castas únicas focadas no chamado “top cinco”, que o estudo-piloto de Nicolau de Almeida ajudou a identificar (as castas são Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz, Tinto Cão e Tinta Barroca). Foi também a primeira quinta a ser plantada de forma vertical (uma ruptura com a tradição de terraços de contornos horizontais).

Seguindo firmemente as pegadas do pai e do avô (o criador do Barca Velha, Fernando Nicolau de Almeida), Mateus está também a desbravar novos caminhos. Descrevendo-se como um “Douro Vigneron“, diz que a vida da cidade do Porto não é para ele. Vive efectivamente no Douro Superior, onde pode concentrar-se em tratar das suas vinhas e também fazer o vinho. Até mesmo o jardim da frente da casa onde vive com a mulher (Teresa Ameztoy, Enóloga da Ramos Pinto) é uma vinha! Diz que “não há uma cultura de vignerons no Douro – isso é muito recente. Posso contar pelos dedos de uma mão quantos enólogos vivem no Vale do Douro e não nas grandes cidades. Agora, está a começar a viver aqui uma nova geração”.

Mateus Nicolau de Almeida criou raízes no Douro Superior em 2003, no momento em que deu início ao projeto Muxagat. Adoptando a metodologia do avô para o Barca Velha (que o pai também tem usado com sucesso para a gama Duas Quintas da Ramos Pinto), Mateus obtém as uvas de vinhas velhas de várias castas situadas em altitudes mais elevadas, como Muxagata e Meda (entre 500-700 m), e ainda da Quinta do Monte Xisto que, a cerca de 300 m de altitude, é mais baixa e mais quente.

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Photo by Sarah Ahmed / All Rights Reserved

Nas áreas da Quinta do Monte Xisto que não tinham sido previamente cultivadas, Mateus e os seus irmãos plantaram a vinha de forma biológica com sucesso. A vinha foi plantada entre 2005 e 2006 e está agora certificada como Biológica. Mateus explica que “a terra era virgem, por isso, não quisemos adicionar produtos químicos”. Apesar das dúvidas do pai sobre uma abordagem não-intervencionista (“o seu background é a mecanização”), Mateus estava preparado para ter a mente aberta e tem ficado muito feliz com os resultados. O orgulho e a alegria de Mateus no projecto familiar manifestam-se num sorriso de orelha-a-orelha quando partilhei com ele o comentário do pai de que aprendeu muito a trabalhar com os filhos. Mateus acrescenta que “somos de gerações diferentes, temos ideias e perspectivas diferentes, mas chegamos sempre à mesma conclusão [grandes uvas e grande vinho], mesmo que seja de uma forma diferente”.
Então, por que é que esta abordagem não-intervencionista provou ser tão bem-sucedida? Mateus afirma, entre outras coisas, que “as vinhas são como crianças – têm de sofrer, caso contrário ficam mimadas”. Ele diz que teria sido tudo muito fácil se tivéssemos aplicado herbicida quando a relva crescia entre as vinhas, mas a concorrência tem sido boa para as vinhas. Salienta ainda a importância de viver na região “porque demora muito tempo a compreender uma vinha. Vê-se os resultados daquilo que se faz num ano apenas cinco anos depois… é preciso falar com a Natureza e estar aqui todos os dias para a sentir e conectar-se com ela”. É por isso que, embora tenha adoptado algumas práticas biodinâmicas (por exemplo, o cultivo da vinha de acordo com os ritmos planetários e a aplicação da preparação 500/composto estrume de vaca), Mateus não contratou um consultor de Biodinâmica e não anda no encalço da Certificação Biodinâmica.

Está, no entanto, convencido da importância da biodiversidade “porque com a biodiversidade podemos chegar a um momento em que já não é preciso tratar a vinha; já tratamos a vinha cada vez menos”. E quando aplicam tratamentos ou tisanas, incluem ingredientes locais naturais, como por exemplo o eucalipto (um anti-séptico) e cactos “que agem como o aloe vera na pele”, protegendo as uvas do sol. Tendo testado uvas cultivadas com e sem os cactos, Mateus verificou que esta utilização torna os vinhos mais frescos (com um pH mais baixo) e leves (com um álcool inferior).

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Em termos gerais, Mateus notou que, ao receber na adega as uvas das vinhas cuidadas por si pessoalmente, é como se já as conhecesse – “Eu sei o que vai acontecer”. É quase como se as próprias uvas fossem parte da família. Na verdade, eu diria que os vinhos são encantadores e provocantes, muitos parecidos com a família Nicola de Almeida. Aqui estão as minhas notas sobre os vinhos:

Muxagat MUX Branco 2012 (Douro)

Esta combinação de 80% Rabigato com outras castas (não especificadas das vinhas velhas) é muito mineral e tem uma frescura de estalar os lábios, com limões maduros, uma estrutura marcadamente cítrica e um toque de avelã esfumada no seu final longo e bem focado. Este vinho prensado pela gravidade é em parte envelhecido em cubas de betão subterrâneas e também em barricas de carvalho de 600 L. Muito bom – adoro a sua energia e o seu vigor.

Muxagat Os Xistos Altos Rabigato 2011 (Douro)

Este 100% Rabigato de uma vinha a 500 m de altitude teve dois anos de envelhecimento numa combinação de Foudres austríacos de 2000 L e fermentadores de betão em forma de ovo. É um vinho mais pedregoso, com mais textura e com uma ponta salgada num final longo e límpido. Menos directo e mais subtil do que o MUX, oferece-nos muito menos. Mas com mais estrutura terá tempo para desvendar os seus segredos. E eu acho que a espera vai valer a pena. Muito bom; decantar agora ou dar-lhe mais 6 meses a 1 ano.
Muxagat MUX Rosé 2012 (Douro)

Este é um rosé muito interessante – Estou tentada a dizer intelectual, mas se calhar isso é um exagero! Enfim, o que quero dizer é que ele tem poucas semelhanças com os vinhos rosados ​​mais doces, baratos e alegres, para poder ser encontrado em qualquer loja ou supermercado. O que tem toda a lógica dado que MUX provém de uma vinha muito alta, a 700 m, e, por outro lado, é influenciado pelo tipo de rosés secos e muito saborosos que os amigos de Nicolau de Almeida do Sul de França gostam de beber num dia de verão (estou a pensar em Provence, Bandol, Tavel). Um lote de Tinto Cão e Tinta Barroca, fermentado e envelhecido em parte no tanque e também em barricas velhas, este vinho bege-rosado é cremoso, mas seco e redondo, com boa acidez, notas florais e de especiarias secas e um toque de chocolate no seu final persistente. Muito mais agradável do que parece!

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Muxagat Tinta Barroca 2012 (Douro)

Para Mateus a chave deste Tinta Barroca surpreendentemente vivo (propenso a níveis elevados de açúcares / álcool) está baixos rendimentos e altitude. Como o Rosé, este vinho provém de uma vinha a 700 m. As uvas são desengaçadas e esmagadas e depois fermentadas em cubas de betão subterrâneas (fechadas), onde o vinho é envelhecido por 8 meses para maximizar os aromas e a expressão de fruta. É um trabalho bem feito, porque, embora seja um pouco fechado no nariz, este é um vin de soif vibrante e delicadamente perfumado com notas florais, chocolate, pedaços de canela picante, ameixa e bagas vermelhas. Taninos suaves mas fibrosos, leve mineralidade do sal e boa frescura contribuem para um vinho interessante, contudo fácil. Muito bem feito. 13%

Muxagat MUX Tinto 2011 (Douro)

Este vinho é um típico 2011, na sua concentração com estrutura. Tem uma adorável intensidade de bagas pretas suculentas, cerejas e groselhas. Pedaços de canela, as ervas selvagens, chocolate e alcaçuz dão-lhe poder, profundidade e intensidade no final. Taninos maduros e forte acidez contribuem para um final longo e muito vigoroso. Excelente. Carácter e classe.

Muxagat Cisne 2010 (Douro)

Mateus chamou-lhe Cisne porque, como o patinho feio do conto de fadas de Hans Christian Andersen, a principal casta deste vinho (Tinto Cão) só revela a sua beleza com a idade. Na verdade, uma semana antes eu tinha provado este vinho juntamente com um 1981 Tinto Cão da Ramos Pinto (um vinho experimental). O vinho mais velho surpreendeu-me completamente com a sua poderosa intensidade e cor incrivelmente profunda (tinta de lula) e jovem. Cisne é co-fermentado com Rabigato (7%) e envelhecido durante três anos em barricas de carvalho velhas, em esforço para domar seus excessos mais selvagens. Ainda assim, é um vinho muito intenso com notas firmes de chocolate muito amargo/floral e de especiarias, groselha preta bem definida, framboesa silvestre e também um toque vegetal. Taninos bem maturados, porém firmes, e uma acidez que faz prever uma longa vida. Como se diz em Portugal, este não é um vinho “consensual”. Beneficiará certamente do tempo em garrafa. Mas não podemos deixar de dizer que não lhe falta carácter. Singular e, como uma pessoa de personalidade forte, focado em si mesmo e reservado no início, mas depois as ideias vêm em catadupa… e são boas! 14 %

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João Nicolau de Almeida & Filhos Quinta do Monte Xisto 2011 (Douro)

A 300 m de altitude, poder-se-ia esperar que o Quinta do Monte Xisto fosse mais extenso e pesado do que os vinhos Muxagat, que são provenientes em parte de vinhas mais altas. No entanto, com duas encostas, uma voltada a norte (mais fria) e a outra ao sul (mais quente), e a retenção de água do subsolo de xisto sólido, o Quinta do Monte Xisto é surpreendentemente bom, até mesmo elevado. Para isso contribui o facto das uvas das encostas mais baixas serem pisadas em lagares, ao passo que as uvas de maior altitude são fermentada em cuba para preservar o aroma e as frutas. E ainda o facto de ser envelhecido (durante 18 meses) na sua grande parte em grandes barricas velhas e secas de carvalho francês e de austríaco de 4000 L. É muito profundo na cor e muito perfumado no nariz com pétalas de rosa sobre um exótico lokum (Manjar Turco ou Delícia Turca), que se mantém até à boca. E, com framboesa muito pura e esmagada, amoras silvestres e taninos puramente finos, surpreende levemente o paladar. Mas o que é mais notável é a sua mineralidade pronunciada. Não é por nada que o nome da quinta é uma homenagem aos seus solos de xisto. Longo e persistente com uma agradável saturação e vivacidade na boca, o seu final afinado e mineral tem uma deliciosa fluidez – tão distante dos estilos “quanto maior, melhor” do passado. Uma excelente estreia desta jovem vinha.

Contactos:

www.muxagat.pt
Facebook Simplesmente Vinho
quintadomontexisto.com

 

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Aphros: Na vanguarda da Biodinâmica em Portugal

Texto Sarah Ahmed  | Tradução Patrícia Leite

Vasco Croft coloca dinâmica na Biodinâmica, o método holístico de cultivo no qual ele tem sido pioneiro na região dos Vinhos Verdes (e sobre o qual poderá consultar toda a informação neste site.

Desde a última vez que visitei em 2010 a quinta deste anterior Designer de Mobiliário e Arquitecto, em Ponte de Lima, o portefólio ganhou uma “cara nova” com um novo nome (Aphros e não Afros) e novos rótulos.

Croft explica que a mudança do nome foi motivada por um pedido dos EUA, o seu maior mercado de exportação, onde havia preocupações sobre a possível confusão do nome com África ou com o estilo africado de penteado. Felizmente (não me parece ser pessoa de ceder em vão), diz que “o novo nome, que corresponde à escrita em Grego, mantém-se em sintonia com o nome original, que significa “a espuma mítica de onde surge Afrodite”. Tudo está bem quando acaba bem.

Quanto aos rótulos, têm um padrão de três círculos interligados, que foram desenvolvidos a partir de gravuras do seu primo José Pedro Croft, um artista plástico internacional. Não foi só a ligação à família que o fez interessar-se pela imagem. Croft explica: “Espero que esta imagem seja uma lufada de ar fresco no mundo dos rótulos de vinho e que torne a arte contemporânea e o vinho mais próximos”. A propósito, acho que a rotulagem dos vinhos portugueses tem vindo a melhorar. Os rótulos estão mais coloridos e com mais personalidade, o que ajuda os vinhos a destacarem-se nas prateleiras e dá a conhecer aos consumidores algo sobre as pessoas por trás dos vinhos. Uma coisa muito positiva.

Mas o que conta verdadeiramente é o que está na garrafa e, na Aphros, as mudanças vão muito para além da aparência. Croft tem vindo a expandir de forma sustentada o portefólio com um ambicioso Vinhão em madeira (Aphros Silenus), Aphros Rosé, Aphros “Ten” (um Loureiro com baixo teor de álcoo, 10% vol.), Daphne (um Loureiro muito interessante que teve contacto com as películas da uva) e, mais recentemente, AETHER (um lote 50:50 de Loureiro e, para minha surpresa, Sauvignon Blanc, uma casta não-nativa).

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Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

O surto de crescimento na Aphros estende-se às vinhas e também aos vinhos. Em 2009, Croft adquiriu e instalou vinha na Quinta de Casa Nova na freguesia vizinha de Refóios, que foi cultivada desde o início de forma biodinâmica. Planeia ainda transformar uma casa em ruínas num wine bar e, já este ano, deu início aos trabalhos para uma nova adega com capacidade de produzir 120.000 garrafas. Depois disso, ele irá provavelmente “brincar” com um Aphros Pinot Noir da Quinta de Valflores, uma exploração vizinha que arrendou a longo prazo à família Bossert de Oregon, EUA (o que explica a casta Pinot Noir)!

Entretanto a pequena adega original (situada, conforme a tradição, debaixo da casa) da Quinta do Casal do Paço, propriedade histórica da família Croft, continuará a ser utilizada para os lotes mais pequenos, os vinhos artesanais. Sendo pertença da família desde o século XVII, as uvas da quinta eram vendidas às cooperativas locais até Croft dar início à marca Afros/Aphros em 2005. Ele reestruturou as vinhas e começou a cultivá-las de forma biodinâmica com a colaboração de Consultores franceses da área, primeiro Daniel Noel, agora Jacques Fourès; a quinta está certificada na íntegra desde 2011 pela Demeter (Agricultura Biodinamica). É aqui que o composto (na foto) é semeado com preparações biodinâmicas feitas exclusivamente a partir de matéria orgânica, sendo depois aplicado na vinha de acordo com os ciclos dos planetas. Quantidades homeopáticas das preparações são diluídas primeiro com água da fonte, dinamizada pela forma do fluxo da corrente (na foto), e depois energizada pela agitação no tanque de cobre (na foto). São também preparados aqui bio-estimulantes experimentais (na foto).

Mas para Croft nem tudo anda à volta do vinho. Ele Salienta que “[F]azer vinhos por si só não chega”. Para ele, “ser biológico ou biodinâmico é uma questão, em primeiro lugar, de consciência, relacionada com a compreensão e respeito pela Natureza e com a criação de uma relação profunda com a Terra da qual nós somos parte”. Afirma ainda que “não é só uma técnica, muito menos uma opção de Marketing”. É por isso que a sua visão se estende “para a criação de um centro agrícola / cultural”, com um espaço de permacultura e “floresta de alimentos” na Quinta do Casal do Paço – um “santuário” para diferentes espécies de plantas.

Este tipo de aumento da biodiversidade da quinta ajuda a natureza a auto-regular-se (por exemplo, incentiva os predadores naturais que matam as pragas da vinha ou desencoraja as pragas, proporcionando-lhes algo para comer que não seja a vinha!). E a floresta de alimentos irá fornecer produtos da quinta para o wine bar previsto para a Quinta de Casa Nova.

Estou desejosa de conhecer o wine bar numa futura visita mas, entretanto, posso recomendar vivamente que procurem a gama de vinhos Aphros. No mês passado, provei os últimos lançamentos (expostos infra) com Rui Cunha, o Consultor de Enologia de Croft, e aproveitei para lhe perguntar sobre os benefícios de trabalhar de forma biológica e biodinâmica. Ele lembra-se, rindo, que “as pessoas pensavam que era um pouco de loucura no início”. Rui Cunha encontrou-se com praticantes da Biodinâmica alemães e franceses durante as suas viagens, mas a sua prova de fogo aconteceu na Quinta da Covela. Diz que “foi assustador” quando Nuno Araújo (o anterior proprietário desta quinta dos Vinhos Verdes) anunciou que iam começar a converter toda a quinta para a produção Biodinâmica. Isto aconteceu em 2004, num período em que os cursos de enologia em Portugal não faziam qualquer referência ao modo orgânico da agricultura Biodinâmica.

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Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Tal como Croft, Nuno Araújo contratou o Consultor Francês Daniel Noel e, diz Rui Cunha que “vimos um aumento imediato da qualidade das uvas. Eram menos produtivas e de repente mais equilibradas; com o tempo, tornaram-se mais consistentes no rendimento”. Acrescenta que a maturação tem sido mais lenta e a acidez maior, que provou ser particularmente útil num clima quente. Claro que, sendo o sabor o teste final, Rui Cunha diz que “as uvas sabem muito melhor”. Refere ainda que é como comparar um fruto da nossa própria árvore com um fruto comprado, que tenha sido cultivado de forma convencional (ou seja, com produtos químicos – fertilizantes, herbicidas e pesticidas). Quanto às especificidades, Rui Cunha admite que não pode explicar o motivo de algumas práticas biodinâmicas funcionarem, mas já viu em primeira mão como a preparação biodinâmica 500 (um composto de estrume de vaca) dá muito maior vitalidade ao solo e apenas 200 gramas de 501 (pó de quartzo) pode ter um impacto significativo na produção – “as folhas tornam-se mais espessas, ficando mais resistentes ao sol (a queimaduras) e insectos”.

Vasco Croft tem notado que, ultimamente, cada vez mais produtores portugueses estão a trabalhar de forma biológica ou biodinâmica, mesmo que não certifiquem os seus vinhos. De acordo com o Instituto da Vinha e do Vinho, Portugal tem agora cerca de 2.500 hectares de vinhas biológicas certificadas, que são cultivadas por 485 produtores de uva e 52 produtores de vinho certificados como Biológicos. Referindo-se a “uma tendência mundial de respeito pela terra e pela tradição e autenticidade dos vinhos”, na sua opinião, “[I]sso é bom, porque a era agro-química já desapareceu em termos éticos e científicos, pertence ao passado, mesmo que ainda permaneça por um tempo devido à inércia”.

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Aphros AETHER 2013 – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Aphros Ten 2013 (Vinho Verde)
Ten foi produzido pela primeira vez em 2011 e provém de uvas Loureiro de vinhas mais jovens. O seu nome é uma referência ao baixo teor alcoólico (claro está, cerca de 10% vol.). O vinho de 2013, uma amostra da cuba, é muito bonito – este Loureiro meio-seco é um floral clássico com notas de pó-de-talco, sabor cristalino de lima e toranja e ainda uma pitada de casca de frutas cítricas. A acidez vivaz e de fazer crescer água na boca mantém o foco e equilíbrio (melhor do que na colheita de 2011, em que faltou um pouco de vitalidade). Muito bom; um excelente vinho para se beber avidamente e com o coração. 10%

Aphros Loureiro 2013 (Vinho Verde)

Há aqui uma série de factores para fazer um vinho mais sério, concentrado e estruturado. Primeiro, a uva vem de vinhas mais velhas. Em segundo lugar, o contacto com as películas da uva durante cerca de 4-6 horas (na prensa) e, uma vez prensado, o mosto é fermentado a temperaturas ligeiramente mais elevadas. É envelhecido nas borras com batonnage, o que dá corpo e complexidade. Assim, embora liderem os sinais florais do Loureiro, o vinho é muito mais firmemente estruturado, focado e mineral. Muito fino, longo e persistente. Acho-o mais puro do que as colheitas anteriores. Rui Cunha concorda comigo, salientando que esta colheita beneficiou com a aquisição de uma prensa (antes a prensa era alugada e não estava sempre disponível no momento ideal em função da vindima). Agora, as uvas podem ser colhidas precisamente no momento certo e ir directamente para a prensa, o que explica a precisão encantadora deste vinho. Muito bom mesmo e tem potencial de envelhecimento. 11,5%

Aphros AETHER 2013 (Minho)
Este vinho é um lote 50:50 de Loureiro e Sauvignon Blanc, produzidos na quinta. Rui Cunha explica que adora a casta Sauvignon, mas também há uma lógica empresarial subjacente a este vinho. A Aphros está a usar a mais conhecida casta francesa para “abrir portas” para os mercados de exportação. Para mim, Aether é um vinho de duas metades. O Loureiro impõe-se no nariz com as suas notas encantadoras, e até celestiais, de flores e talco. O Sauvignon domina na boca, com a mineralidade do giz, notas de rebentos de groselha e um final crocante mais marcado do que os Aphros Loureiros. É agradável e limpo, com o poderoso carácter varietal do Sauvignon, mas tenho que admitir que, pessoalmente, viro-me sempre mais para o charme do Loureiro! 12%

Contactos
Quinta Casal do Paço
Padreiro (S. Salvador)
Arcos de Valdevez 4970-500 Portugal
Tel: (+351) 91 42 06 772
E-mail: info@afros-wine.com

Website: www.aphros-wine.com

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Filipa Pato: Mais do que uma Enóloga, uma Produtora de Vinhos

Texto Sarah Ahmed | Tradução Patrícia Leite

Se há uma característica que admiro particularmente nos enólogos, na verdade, na vida em geral, é a mente aberta.

A vontade de aprender e crescer – uma humildade que, na minha (humilde) opinião, é absolutamente fundamental para a verdadeira busca da excelência.

É uma qualidade típica de uma nova geração de enólogos portugueses bem-viajados, mesmo que, como Filipa Pato, estejam agora firmemente enraizados no vernáculo regional. Nada é mais tradicional do que produzir Baga na Bairrada!

Embora tenha tido a oportunidade de estudar Enologia, Filipa diz-me: “Eu preferi aprender e praticar com bons enólogos, porque, quando se estuda muito, fica-se muito técnico e não se tem experiência prática suficiente”.

Interessada nas oportunidades de viagem que o vinho proporcionava (o seu pai é o maestro itinerante/viajante da Baga da Bairrada, Luís Pato), ela aproveitou os contactos do pai em Bordeaux (Bordéus), passando algum tempo no Château Cantenac Brown, Margaux. Mordida pelo bichinho das viagens, Filipa foi então para Leeuwin Estate em Margaret River, um dos produtores de Chardonnay mais elogiados da Austrália, seguindo depois para a Argentina, onde trabalhou na empresa Finca Flichman.

Qual o resultado desta “espionagem industrial”? Filipa diz que “é importante para provar vinhos de outros países para que possamos entender as diferenças em relação a nós, comparar preços e qualidade e ver muito bem a nossa posição no mercado. Onde os nossos vinhos se situam no cenário mundial”. Especialmente onde, acrescenta, os mercados de exportação são mais exigentes. É um processo que testemunhou em primeira mão na Leeuwin Estate, onde, relembra de olhos arregalados, a equipa de enologia ia todos os dias saborear os melhores Bourgognes (Borgonhas) – “Não os vinhos da aldeia, mas do Domaine Leflaive Batard-Montrachet Grand Cru”!

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Filipa Pato – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

 

Embora esteja agora focada exclusivamente na produção de vinho para o seu rótulo homónimo de Bairrada, Filipa acredita que “é um óptimo exercício continuar a provar de outros vinhos, porque abre-me os horizontes e dá-me confiança no que estou a fazer e orgulho nas nossas próprias tradições”.

A Bourgogne (Borgonha), que visita todos os anos, tem um lugar especial no coração de Filipa. Os seus olhos brilham ao lembrar-se das conversas sobre uvas, colheitas e vinificação com eruditos de Bourgogne como Eric Rousseau (do Domaine Armand Rousseau).

Não apenas por causa de suas formidáveis capacidades , mas também, explica, “porque eles têm vindo a crescer no mesmo contexto que eu. Nasceram no meio do campo e a Bourgogne é muito semelhante à Bairrada com os seus solos [calcários argilosos], encostas e adegas no meio de aldeias, cada uma das quais produz vinhos de perfis diferentes”.

O sonho de Filipa é desenvolver para micro-climas da Bairrada um reconhecimento semelhante, para o que ela e o seu marido (o famoso Sommelier e empresário da restauração belga William Wouters) têm arrendado ou comprado todas as boas vinhas velhas que encontraram. Filipa até já começou a criar um mapa de seus melhores terroirs (na foto).

Mais importante ainda, explicando que “Não gosto de dizer que eu sou enóloga, sou uma produtora de vinho que produz uvas e faz vinho”, Filipa abraçou a cultura dos vignerons da Bourgogne (ou produtores de vinho). Estando eu impressionada com esta preocupação com vinhas velhas e grandes terroirs, Filipa diz “se for à Bourgogne, verá que os vignerons passam a maior parte do tempo na vinha”. É por isso que, quando as vinhas estão “a dormir” durante o inverno, Filipa viaja e, durante o período de produção (Março a Outubro), procura estar em casa, na Bairrada.

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Filipa Pato – Foto Cedida por Filipa Pato

 

Diz que “agora para mim é muito importante fazer vinho apenas numa região, para poder “respirar” a Bairrada todos os dias e trabalhar com as mesmas uvas e vinhas e, com experiência e foco, poder melhorar todos os anos”. E melhorar significa produzir vinhos que reflectem sua origem única ou, como dizem os seus rótulos “vinhos autênticos, sem maquilhagem”.

Embora diga que Portugal não teve de facto no passado essa cultura de produtores ou, pelo menos, não era bem vista, Filipa considera que “há um novo movimento de vignerons [bem vistos] em Portugal”. Acrescenta que o desenvolvimento é incalculável não apenas para o vinho, mas porque “precisamos de produtores de vinho e outros artesãos, ou não vamos manter nossas aldeias; estes lugares irão perder o seu encanto”. É por isso que Filipa e William estão a recuperar uma antiga adega no coração de Óis do Bairro, a aldeia onde ela cresceu. E, é claro, isso significa que ela poderá estar perto das vinhas.

Aqui estão as minhas notas sobre os últimos lançamentos de vinhos autênticos de Filipa Pato sem maquilhagem:

Filipa Pato 3B Blanc de Blancs 2013 (Vinho)
Pela primeira vez, Pato prensou este lote tradicional de Bical e Maria Gomes com engaço, lote este que, combinado com uvas de vinhas velhas provenientes de solos calcários argilosos, contribui para um vinho espumante excepcionalmente fresco e preciso. Pureza adorável e persistência de pera perfumada. Muito bom. 12,5% vol.

Filipa Pato Nossa Calcário Branco 2012 (Bairrada)
Este 100% Bical (vertido de uma magnum) é um dos meus brancos favoritos da região (e certamente de Portugal). Feito a partir de uvas provenientes da aldeia de Filipa, Óis do Bairro, este vinho complexo e com textura é envelhecido em barricas de carvalho francês de 500 litros, sobre as borras com bâtonnage. As frutas de caroço maduras e cremosas são habilmente equilibradas e despedaçadas num longo final pelo corte rápido e impulsivo da acidez mineral da toranja. Salgado, com nuances de fumo que falam de terroir Atlântico de argila calcária. Esplêndido. 13.5% vol.

Filipa Pato FP Baga 2012 (IGP Beira Atlântico)

Esta é a primeira vez o FP tinto de Filipa Pato (o tinto júnior) tem tudo de Baga (costumava ser usada uma percentagem significativa de Touriga Nacional para “suavizar” o sabor). Em 2012, a atractividade do vinho é agora alcançada por uma pitada de uvas brancas co-fermentadas (1% Bical e 1% Maria Gomes) e um “mergulho frio” nas películas, seguidos de uma maceração super-curta e suave de 2-3 dias. Além disso, o vinho não viu madeira (que aumentaria os taninos) e foi envelhecido em cubas de betão. É um vinho encantador, com algumas reminiscências de um Cabernet Franc do Loire (de que Filipa é fã), com as notas estaladiças e apimentadas de canela acabada de cortar, cereja, ameixa e bons taninos. Mais que bebível. 12% vol.

Filipa Pato Nossa Calcário Tinto 2010 (Bairrada)
Moderno na pureza e clássico na estrutura este 100% Baga (vertido de uma magnum) tem frutos vermelhos maduros, crocantes mas doces, uma mineralidade dura e fumada e excelente frescura e persistência. Intenso em vez de denso, uns reflexos ultra-finos dos taninos polvilham um final prolongado, seco mas interessante. Muito bom. 13% vol.

Filipa Pato Nossa Calcário Tinto 2011 (Bairrada)
A colheita 2011 revela frutas da floresta mais maduras (vermelhas e pretas), que são bem suportados por taninos mais doces e arredondados. No entanto, muito fiel às suas raízes, é um vinho bem estruturado e bem definido – longo e persistente com um final delicadamente trabalhado com nuances minerais controladas. Muito bom. 13% vol.

Filipa Pato Espírito de Baga Uma Saga (Vinho)
Pato recuperou uma tradição da Bairrada que foi perdida no final do século XVIII, como consequência de medidas destinadas a proteger a indústria do vinho do Porto. O que parece um bocado disparatado quando este vinho tinto fortificado tem poucas semelhanças com um Porto. Como seria de esperar dada a influência atlântica, é um vinho mais fresco e mais bem trabalhado. Verdadeiramente macio, sustentado e persistente com fruta preta carnuda, mas bem definida, notas de pimenta e um final longo de nuances minerais controladas. O segredo para a elegante integração do Espírito? Vem de uvas Baga da Bairrada. Único e excelente. 17% vol.

Contactos
F. Pato – Vinhos Unip Lda
Rua da Quinta Nova, s/n, 3780-017 Amoreira da Gândara.
Tel: (+351) 231596032
Email: filipa@filipapato.net
Site: www.filipapato.net