Texto João Pedro de Carvalho
Fomos visitar a histórica Casa da Passarella, no Dão, com a Serra da Estrela em pano de fundo e literalmente metemos as mãos nas vinhas mais velhas deste produtor. Em plena altura das vindimas o convite foi aceite para ir conhecer as fantásticas vinhas velhas que dão origem aos melhores vinhos desta Casa, num trabalho de campo com muita aprendizagem e um almoço bem descontraido onde brilharam dois novos lançamentos. No final ainda tivemos uma vertical do tinto Vinhas Velhas ao lado de duas novidades que em breve vão chegar ao mercado.
Foi chegar, pegar na tesoura e descer as ruas do pitoresco vilarejo da Passarela até chegar às vinhas. Um cenário fantástico com três pequenas parcelas de vinha cuja idade supera já os cem anos, dispersas em três pequenos patamares, assente em solo predominantemente granítico onde cepas de uvas brancas convivem lado a lado com cepas de uvas tintas. Castas com nomes que de tão estranhos correm o risco de ficar esquecidos no tempo e por mais que se queira apenas se consegue entender toda a magia e especificidade de uma vinha como esta estando no local e reparar na enorme variedade de castas que ali moram. Pena que durante largos anos as vinhas do Dão estiveram em decadência e com isso a qualidade dos vinhos a que davam origem. Foi preciso um forte investimento por parte dos produtores em plantar nova vinha, o que de certa maneira ajudou a um afastamento ou até mesmo o arranque do vinhedo mais velho.
O blend resultante destas vinhas velhas carrega a alma da região, o Dão tem nas suas vinhas mais velhas a sua maior riqueza e temos de agradecer a todos aqueles que com esforço e bastante dedicação, lutam para as preservar e conseguir vinhos que quando educados de forma correcta na adega, atingem patamares muito altos de qualidade. Portanto não é de estranhar a forma apaixonada como o enólogo Paulo Nunes fala destas suas “meninas” com quem, segundo palavras dele, tem aprendido muito. E com o que estas vinhas velhas lhe ensinam ele na sua parte de mestre criador tem conseguido interpretar de maneira tal que os resultados falam por si. Fora de modas, sabe criar e educar grandes vinhos, nota-se que à medida que as colheitas vão passando o seu estilo “Dão da Serra” afina num misto de tradição/modernidade com vinhos de fina exuberância, muita definição da fruta que combina raça, carácter, corpo e um natural aveludado que teima em dar sinais logo desde cedo.
Foi já à mesa servido por um tradicional prato de Rancho que me fiz acompanhar da mais recente novidade, o Enxertia Jaén 2012. Um vinho perigosamente apetecível que desapareceu do copo num ápice, a combinação entre estrutura/frescura/fruta sumarenta resulta num combo perfeito à mesa. Em momento de desfrute e amena cavaqueira, foi rei e senhor este Jaén que soube pela vida e marcou mais um belíssimo momento de convívio.
Mas foi ainda com as vinhas velhas na memória que se realizou a vertical desde o primeiro exemplar Vinhas Velhas 2008 até ao mais recente 2012. Notou-se a evolução do perfil, com o 2008 a mostrar uma maior presença de baunilha e tosta ao lado de fruta muito gorda e sumarenta. O que mostrou menor prestação e mesmo mais deslocado de toda a prova foi o 2010 cujos apontamentos mais adocicados destoam por completo dos restantes. O mais calado de momento é o 2011 que se encontra na fase de arrumação e ainda pouco quer mostrar embora esteja um belíssimo vinho em perspectiva. Vencedores da prova se é que se podem considerar assim, tanto o 2009, arriscando a ser o melhor até à data com o 2012. Vinhos compactos e sedutores, bom equilíbrio com corpo médio e um pouco de maior arredondamento dado pela barrica, tudo isto sempre com uma acidez/frescura habitual dos vinhos da região.
Por último ficou a apresentação oficial dos novos vinhos que já tinham sido dados a conhecer ainda que de forma envergonhada e agora sim foram dados a provar com a roupagem definitiva. Inseridos na gama O Fugitivo, surgem o Garrafeira branco 2013 e o tinto Vinhas Centenárias 2012. A produção de qualquer um deles não supera as 2000 garrafas, são dois grandes vinhos que espelham a terra que os viu nascer. Enquanto o tinto vai buscar como foi dito lá atrás a raça, carácter e corpo com uma acidez e travo de ligeiro vegetal que lhe confere uma bonita energia no palato. Complexo, profundo e ao mesmo tempo ainda muito novo, muito no perfil do Vinhas Velhas 2012 embora todo ele com um pouco mais de tudo. Já o Garrafeira branco é um vinho de estrondo, nada fácil e fora de modas, cheira a Dão de outros tempos, cheio de garra com taninos a marcarem o final cheio de secura, o vinho grita por descanso em garrafa. Eléctrico, nervoso, tudo ainda muito novo tanto no nariz como na boca, do melhor que a região me colocou no copo nos últimos anos.
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