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Quando a Blend conheceu a Sip & Savour e o Fogo encontrou a Água

Texto Sarah Ahmed | Tradução Bruno Ferreira

Blend é um nome brilhante para uma revista de vinhos portuguesa. Porquê? Porque os portugueses são exímios em blending – seja com diferentes castas ou diferentes colheitas. Ter mais de 250 castas nativas também ajuda. Estes artistas vínicos têm à sua disposição uma rica palete de aromas, sabores e texturas.

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O Menu do Evento – Foto de Sip & Savour | Todos os Direitos Reservados

O terroir é, obviamente, outra variável. Um tópico que gostei de analisar em minúcia na prova de vinhos da Sip & Savour, no início deste mês, focada nas regiões Douro e Vinho Verde. Quando pensamos no típico Vinho Verde – fresco, branco, leve e de baixo teor alcoólico – é incrível pensar que a região vizinha, o Douro, produz um dos mais famosos vinhos fortificados do mundo – Portos ricos, tintos e robustos. Como pegar fogo à água do Vinho Verde.

Diverti-me ao contrastar seis exemplares de referência destas regiões nortenhas. Como seria de esperar, os Vinho Verde eram brancos e o duo do Douro tintos (ou assim esperava) – até aqui nenhuma surpresa. Mas também joguei um bocadinho com as percepções, uma vez que não destaquei apenas a frescura, mas também a intensidade dos Verdes de topo e a elegância dos tintos do Douro, ainda que estes últimos fossem originários do Douro Superior, teoricamente a mais quente e seca sub-região. As surpresas continuaram com o vinho escolhido para a sobremesa, um Moscatel do Douro, que provou que o Douro também pode fazer fortificados elegantes.

Voltando à minha analogia fogo e água, a água é uma excelente pista para a grande diferença entre estas duas regiões vizinhas. Situada ao longo do Atlântico e recortada por rios que transportam esta influência até ao interior, a região Vinho Verde é mais húmida e fresca do que a do Douro, rodeada por terra. Saindo do Porto é necessário viajar 100km para se alcançar a região do Douro, que se estende por outros 100km para o interior, em serpenteado, rio Douro acima, até à fronteira com Espanha.

Enquanto que a região vitivinícola Vinho Verde tem um clima maritimamente influenciado (especialmente as partes mais junto à costa), o Douro está abrigado, pela cadeia montanhosa do Marão, do impacto das condições climatéricas do Atlântico. O Marão está situado entre as duas regiões e eleva-se até aos 1415m de altitude (acima do nível médio das águas do mar). A pura verticalidade e massa que apresenta têm um efeito arco-sombra e ajudam o Douro a manter as tempestades atlânticas afastadas.

O facto de o Douro estar localizado no interior também resulta num clima continental, caracterizado por temperaturas extremas. Como um enólogo vivamente apontou, o Douro tem “nove meses de inverno e três meses de inferno”. De volta ao fogo, mas não ao inferno, fogo e perdição! As temperaturas durante o Outono podem chegar acima dos 40ºC (o que é perfeito para vinificação de Porto e tintos), mas as boas notícias são que essas temperaturas não ocorrem por estação mas sim numa constante diária. Durante o Outono, mesmo estando 40ºC durante o dia, a temperatura desce drasticamente à noite.

Além disso, a elevação também tem um papel. Relembro que subimos o Marão até ao Douro – alguns dizem que subimos ao céu e não ao inferno! E, sendo o Douro, ele próprio, montanhoso, as uvas são cultivadas a altitudes, entre 100m-900m, e em todas as direcções – Norte, Sul, Este e Oeste. Uma vez que as temperaturas podem descer até 1ºC por cada 100m que se suba, e, além do facto de que a forma influencia a exposição ao sol e vento, que por sua vez causam impacto no processo de amadurecimento, o Douro pode produzir brancos e tintos elegantes tanto como tintos e Portos robustos. Foi elegância que procurei para esta prova Sip & Savour em pleno Verão.

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Sixtyone Restaurant – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Naturalmente, a escritora gastronómica da Sip & Savour, Amber Dalton, surgiu com uma excelente sugestão, o Sixtyone Restaurant. O Chefe Arnaud Stevens tempera sabores arrojados com o seu toque elegante. Disse-nos que na preparação do menu desta prova estava bem informado para harmonizar com a acidez – frescura – dos vinhos portugueses.

O que me traz ao nosso primeiro exemplar, o aperitivo, refrescante e intensamente mineral Quinta do Ameal Loureiro 2013. Escolhi deliberadamente um Vinho Verde monovarietal e sub-regional para descartar de imediato os estereótipos de que os Vinhos Verdes são demasiados diluídos e acídicos. Localizada em Nogueira, o coração da sub-região Lima, local onde a casta Loureiro prospera, a Quinta do Ameal há muito que produz exemplares de referência.

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Quinta do Ameal – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

O segredo para o sucesso da Quinta do Ameal? Aparte de estar localizada no sítio certo (em Lima, nas encostas viradas a sul), a sua incessante ambição também ajuda. Pedro Araújo, o proprietário, é descendente de Adriano Ramos Pinto, famoso no mundo do vinho do Porto, e trouxe para a Quinta do Ameal o toque mágico do seu bisavô. Por isso, no que toca a matéria prima, Pedro reduziu o rendimento das colheitas de modo a garantir que as suas uvas orgânicas sejam saudáveis e concentradas em aroma e sabor. Para a adega contratou nada mais nada menos que Anselmo Mendes, o guru do Vinho Verde, para garantir a preservação dos aromas e sabores a limão e aipo salgado, bem como da mineralidade fresca, das suas uvas no copo. Bem recebido, foi o tónico perfeito num dia tão quente e húmido em Londres.

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Carpaccio de Polvo – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Para a harmonização com Vinho Verde que apreciamos com um fenomenal carpaccio de polvo, pimentão vermelho, azedinha e sésamo, procurei por ainda mais intensidade e concentração. Assim sendo, fazia sentido apresentar a mais seca e quente sub-região do Vinho Verde, Monção e Melgaço, o epicentro da emblemática casta Alvarinho. E ainda por cima dois dos seus expoentes máximos, Quinta do Soalheiro e Anselmo Mendes.

Apesar de ser expectável que seja um lugar mais fresco do que Lima a sul, a sua localização no interior, onde as terras começam a subir e a topografia ajuda a proteger as vinhas das influências Atlânticas, conferem-lhe um clima mais continental, o que ajuda a explicar o porquê de as uvas atingirem um nível tão bom de maturidade (dias mais quentes) e manterem, no entanto, tão boa acidez (as noites são significativamente mais frias). Dá lugar aos vinhos da região com mais fruta, porém frescos, e com mais longevidade; o meu público ficou impressionado com relativa delicadeza e mineralidade do Loureiro em comparação aos dois Alvarinhos.

Quanto à harmonização que mais gostaram – nos eventos da Sip & Savour perguntamos sempre que vinho é que as pessoas mais gostaram sozinho e qual é que gostaram mais com a comida – neste caso a resposta foi a mesma. O Quinta do Soalheiro Primeiras Vinhas Alvarinho 2013 bateu o Anselmo Mendes Contacto Alvarinho 2014 em ambas as situações. Feito com uvas das vinhas mais velhas da propriedade de cultivo orgânico da família Cerdeira (plantadas em 1974, foram as primeiras de Melgaço) e com uma componente de fermentação em barril (15%), o Quinta do Soalheiro Primeiras Vinhas Alvarinho 2013 mostrou uma maior complexidade. As suas subtis nuances salgadas combinaram excelentemente com o vinagre Sherry, o óleo de sésamo e pinhões presentes no polvo marinado. Mas a diferença foi muito pouca. Também adorei o perfume de madressilva e a abundância de pêssego e damasco do mais arrojado Contacto, proveniente de vinhas mais baixas, perto do rio Minho, em Monção (Curiosamente, o nome deste vinho é derivado do facto de as suas uvas, depois de esmagadas, se manterem em contacto com as peles durante um curto período de tempo antes da fermentação. Porquê? Porque as peles contêm a maior parte dos compostos dos aromas e dos sabores, e também podem conferir um toque de textura extra ao vinho).

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Galinha d’Angola assada – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Para o prato principal, que foi Galinha-d’angola assada com sementes de cacau, tomates, ervilhas, azeitonas pretas e lima, escolhi dois tintos do Douro, o Casa Ferreirinha Vinha Grande Tinto e o Conceito Contraste Vinho Tinto. Ambos da elegante colheita 2012 e feitos por enólogos que colocam grande ênfase na frescura e no equilíbrio.

Na Casa Ferreirinha (que produz o icónico tinto do Douro, Barca Velha), Luís Sottomayor segue uma tradição de selecção de uvas de diferentes altitudes para obter um equilíbrio mais elegante. O facto de a Sogrape (proprietária da Casa Ferreirinha) ter duas propriedades no Douro Superior  – a Quinta da Leda a 150-400m de altitude e a Quinta do Sairrão que chega até aos 600m de altitude – também ajuda. Quanto a Rita Ferreira Marques, alega que a frescura dos seus vinhos Conceito é derivada do vale da Teja, o local mais frio do vale do Douro. Não só pela elevação (as suas vinhas estão situadas a 300-450m de altitude), mas também pela distância que o vale da Teja apresenta em relação ao rio Douro. Uma qualidade (frescura) que pude demonstrar com mais ênfase do que estava à espera quando recebi a informação de que o seu importador tinha enviado o Contraste branco em vez do tinto!

A inesperada harmonização do prato principal com um vinho branco e um tinto trouxe-me à memória as sábias palavras de João Pires sobre guiar-se pela cor do prato. Não é por acaso que é um Master Sommelier! Como muitos vinhos brancos portugueses, o Conceito Contraste Branco não é demasiado frutado e, com as suas notas vegetais, proporcionou uma harmonia com as notas de tomilho, alecrim e tomate, bem como com a proteína; a sua acidez também cortou com o molho cremoso. A maior parte preferiu-o com a Galinha-d’angola. Por outro lado, devido à sua excelente fruta primária, os votos foram para o Casa Ferreirinha Vinha Grande Tinto quando bebido sozinho. A fruta era um pouco intensa para os sabores delicados e texturas cremosas do prato.

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A sobremesa – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Só de olhar para esta sobremesa já dá para ganhar peso! Basta dizer que seria difícil encontrar um vinho que se conseguisse sobrepor a esta torta de chocolate e caramelo salgado com marshmallow de caramelo e gelado de caramelo salgado. O desafio era encontrar um vinho que lhe conseguisse fazer frente e, portanto, um fortificado fazia todo o sentido. Mas para a sobremesa e o vinho de sobremesa serem pronunciados como uma harmonização perfeita (como foram), o vinho tinha de ter suficiente frescura para cortar a riqueza do prato e limpar o palato depois de cada (divinal) colherada. Eis o Moscatel do Douro, o vinho fortificado menos conhecido do Douro, já para não dizer o Moscatel fortificado menos conhecido de Portugal (o Moscatel de Setúbal é o mais conhecido).

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Quinta do Portal – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Os Moscatéis do Douro são feitos com Moscatel Galego, a.k.a. Muscat à Petits Grains, uma variação diferente e mais delicada da Moscatel de Setúbal. O vinho escolhido, Quinta do Portal Moscatel do Douro Reserva 2004, é proveniente de vinhas muito altas (600m), frias e que preservam a acidez, da família Mansilha Branco, em Favaios, no topo norte do vale do Pinhão. Não só teve a frescura necessária para conferir equilíbrio ao conjunto (especialmente quando servido frio) mas, tendo sido envelhecido por vários anos em madeira (nenhuma nova), também teve a profundidade de sabor e complexidade para casar com a tarte de chocolate e todos os seus intrínsecos e texturais acompanhamentos. Tão bom que o restaurante mergulhou num silêncio reverencial durante vários minutos! Um final perfeito.

Um sabor a Alentejo no Novo Portal de Londres para Portugal

Texto Sarah Ahmed | Tradução Bruno Ferreira

Foi emocionante apresentar uma prova em nome da Comissão dos Vinhos do Alentejo num dos melhores novos restaurantes de Londres, a Taberna do Mercado. E o que é ainda mais emocionante é que, além do Chefe ser português, a comida e os vinhos também são. O que pode parecer uma coisa estranha de se dizer mas, até agora, o nome de Nuno Mendes esteve associado aos pratos inovadores e ecléticos do seu anterior restaurante estrela Michelin, o Viajante, e agora com o menu de sotaque americano no Chiltern Firehouse (onde é o Chefe principal).

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Nuno Mendes – Foto de Charmaine Grieger | Todos os Direitos Reservados

Numa entrevista com Nuno Mendes,há um par de anos atrás, deixou fugir a ideia de que tencionava abrir em Londres um restaurante “muito casual, divertido e moderno mas ao mesmo tempo rústico”. Mas havia um problema. Explicou que, apesar da “abundância de produtos únicos e de qualidade” em Portugal, era difícil de obtê-los. Porquê? A resposta foi que “a produção é muito limitada em termos de quantidade e também porque muito poucos produtores artesanais vêem potencial além do mercado local para expandir o seu projecto”.

Completamente à espera que Nuno Mendes tivesse ultrapassado estes desafios, perguntei-lhe o que tinha mudado desde a nossa última conversa. Perguntou-me “prefere a reposta simpática ou a resposta verdadeira?”. Naturalmente que respondi que queria a verdade! Admitindo “isto entristece-me”, Mendes demonstra continuar visivelmente frustrado pelo facto de, no Reino Unido, continuar a ser quase impossível obter os melhores produtos portugueses dos quais se pode sentir “super -orgulhoso”. Salientou que os importadores portugueses no Reino Unido “se destinam maioritariamente a abastecer a comunidade expatriada (em vez dos restaurantes topo de gama com clientes exigentes e viciados em comida). Fez-me lembrar de um ponto que Mendes tinha salientado quando nos conhecemos pela primeira vez, o quão importante era “estar ciente do que está a acontecer no mundo do vinho e da gastronomia de modo a conseguirmos encaixar na realidade das outras pessoas”. É por isso que, acrescenta, “tive que me afastar” de Portugal quando o Viajante abriu – a gama de produtos não se encaixava com a realidade estrela Michelin do restaurante. Não era “nada de espectacular”, e não podia contar com a consistência do fornecimento.

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Taberna do Mercado – Foto de Charmaine Grieger | Todos os Direitos Reservados

As boas notícias? Vendo a Taberna do Mercado como “um portal para chegar aos bons recursos de Portugal” diz-me que, “não vou desistir”. Mendes pode ter um discurso suave e um comportamento modesto, mas há uma determinação de aço nos seus olhos de quando revela a solução. Salientando que, “tenho muitos mais contactos que os importadores aqui sediados” (já para não mencionar a meticulosidade inerente a um Chefe Michelin em busca apenas do melhor), tenciona abrir o seu próprio negócio de importação/exportação. Afinal, a sua reputação depende disso. E está muito em jogo, ao mesmo tempo que diz que é prematuro, dados os problemas de fornecimento, apontar a comida portuguesa como a próxima grande novidade assim como sugeriu recentemente o The Daily Telegraph. É por isso que afirma que, “agora é que entra a parte da pesquisa… não podemos relaxar, temos de nos esforçar e trazer o melhor…temos de evoluir”. Não há espaço para a complacência.

Pouco depois da prova, parei para reflectir sobre os comentários de Mendes em relação ao vinho português quando um jornalista me perguntou porque é que ainda não atingiu o topo. Tenho o prazer de informar que o Reino Unido tem estado bem melhor servido em relação a importadores de vinho, em particular especialistas em vinho português, como a Raymond Reynolds e a Oakley Wine Agencies que têm ajudado os produtores seus clientes a navegar com calma no exigente mercado do Reino Unido. Mas se, como Mendes, tiver que ser uma amiga crítica de Portugal, a verdade é que ainda muitos produtores portugueses têm de encontrar maneira de encaixar nas realidades do mercado do Reino Unido, que é largamente reconhecido como o mais competitivo do mundo. Além disso, o ‘cellar palate’ (ficar demasiado habituado aos nossos próprios vinhos, incluindo as falhas) pode ser um problema. É por isso que os produtores de vinho com mais sucesso continuam a visitar o Reino Unido, para compreenderem onde os seus vinhos se encaixam melhor (e para compará-los com a concorrência). Também ajuda a certificar que continuam a ser vistos e ouvidos no nosso concorrido e barulhento mercado. Foi um desafio ao qual me predispus com gosto.

Felizmente, os oito produtores de vinhos que apresentei na minha masterclass na Taberna do Mercado estão representados no Reino Unido. Mas ainda há trabalho a ser feito já que o Alentejo construiu a sua reputação no Reino Unido numa base de tintos de grande valor, fáceis de abordar e frutados. O próximo passo é aumentar a visibilidade e valorização dos seus tintos e brancos premium, baseados no terroir, por entre os amantes de vinho de qualidade (os vinhos brancos representam agora 20% dos vinhos do Alentejo).

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Eu e Nuno Mendes a falar sobre o vinho e a gastronomia do Alentejo – Foto de Charmaine Grieger | Todos os Direitos Reservados

A minha escolha de vinhos foi acompanhada pela opinião contemporânea de Mendes sobre os petiscos (como inseri-los na realidade do mercado do Reino Unido) e seguida de uma excelente prova de azeites do Alentejo conduzida por Teresa Zacarias da Casa do Azeite. Aqui estão as minhas notas relativamente aos vinhos, juntamente com algumas informações sobre o que individualiza esta escolha diversa em termos de terroir e vinificação. Como irá reparar, o Alentejo não é tão plano e ininterruptamente quente como estereótipos regionais nos fazem acreditar. Além disso, todas as uvas foram apanhadas à mão.

Herdade do Rocim Olho de Mocho Reserva Branco 2013 (VR Alentejano)

Terroir: este monovarietal Antão Vaz vem da Vidigueira, uma das oito sub-regiões da DOC Alentejo. Apesar de ser a que fica mais a sul, tem uma longa tradição de produção de vinhos brancos. Porquê? Porque tem tudo a ver com a disposição da terra, especificamente, a falha da Vidigueira, uma escarpa de 50Km virada a oeste conhecida como a Serra do Mendro que marca a fronteira entre o Alto e Baixo Alentejo. Subindo até aos 420m de altura aprisiona os frios e húmidos ventos atlânticos que arrefecem a região com nevoeiros nocturnos. O ar frio também desce pela Serra do Mendro durante a noite. Além disso, quando os ventos do sul trazem nuvens, a escarpa causa um aguaceiro. Para a enóloga Catarina Vieira, estas são as razões pelas quais “os vinhos muito minerais, elegantes e frescos da Vidigueira envelhecem muito bem”. Acredita que os solos arenosos também melhoram a mineralidade da sua Antão Vaz, proveniente das suas melhores, cultivadas a seco (apenas água da chuva) e de baixa produção, vinhas velhas (24 anos).

Vinificação: Uvas colhidas à mão e cedo (a 3 e 4 de Setembro) de modo a preservar a frescura (sem acidificação necessária), o vinho fermentou em barris novos de Carvalho Francês de 300 litros, aproximadamente durante vinte dias. De seguida foram retiradas as borras e estagiou em barril por cinco meses. Durante esse processo, as borras foram envelhecidas durante dois meses em barris de 2ª mão com batonnage diária, aproximadamente durante um mês, e depois foram readicionadas ao vinho. Para Catarina, “este trabalho com as borras é muito importante no que toca a mineralidade, frescura e potencial de envelhecimento deste vinho”.

Notas de Prova: Graças ao trabalho com as borras, demonstra, no nariz, notas de fósforo ao ser acesso, e palato alimonado, com notas de azeitona verde, ananás verde e, ao abrir-se, pêra seca. Um final longo, firme e mineral com uma acidez atoranjada e atrevida que fez durar a minha garrafa de amostra até ao 3º dia. 13.5%

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Conservas da Casa ao estilo de Nuno Mendes – Foto de Charmaine Grieger | Todos os Direitos Reservados

Cartuxa Pêra Manca Branco 2012 (DOC Alentejo)

Terroir: Este blend de 62% Antão Vaz e 38% Arinto vem de Évora, outra sub-região da DOC Alentejo. Desta vez do Alto Alentejo. A fruta foi seleccionada de três parcelas das vinhas mais antigas da Cartuxa, situadas em encostas que se elevam até 300 metros acima do nível médio das águas do mar. Plantadas em 1980 em solos graníticos castanhos, as vinhas foram cultivadas a seco.

Vinificação: Para este branco mais encorpado e tradicional, a fruta foi colhida à mão mais tarde e em três fases, para obter mais complexidade (12, 18 e 19 de Setembro). A seguir ao desengace e ao esmagamento, uma parte das uvas foi deixada em contacto com as peles antes da fermentação. Sessenta e sete por cento do vinho foi fermentado e envelhecido em borras durante 12 meses em barris (60% novos) de carvalho francês com batonnage, para potenciar o corpo, a complexidade e o potencial de envelhecimento. O equilíbrio foi envelhecido em aço inox (para melhorar a fruta) com muita batonnage (para o corpo). Não houve qualquer acidificação.

Notas de Prova: Nariz rico e a cera de abelha, com frutos de caroço, especialmente alperce perto do núcleo, cujas notas se prolongam no palato com um nogado pronunciado (marzipan/calisson fresco) e carvalho abaunilhado. Apesar de apresentar um pouco de volume, tem um esqueleto maduro mas picante, de acidez cítrica que confere equilíbrio e provoca um final longo, saboroso e a borras, com nuances de casca de limão e laranja. Um vinho poderoso, que frequentemente me recorda um Hermitage no Norte de Rhône, França. 13.5%

Monte da Ravasqueira MR Premium Rosé 2013(VR Alentejano)

Terroir: Este Rosé, 100% Touriga Nacional, é de Arraiolos, Évora, Alto Alentejo. Para o enólogo Pedro Pereira, a chave da frescura da gama Monte da Ravasqueira reside na variação muito patente da temperatura diurna da propriedade. Mesmo nos meses mais quentes, Julho e Agosto, em que as temperaturas podem atingir os 40ºC, à noite podem descer abaixo dos 10ºC. As noites frias ajudam as uvas a reter a acidez de uma melhor maneira; também é bom para os aromas e para a estrutura. Gonçalves atribui esta forte variação de temperatura à natureza topográfica, tipo anfiteatro, da vinha (os 45 hectares estão plantados em encostas que chegam até aos 270m), bem como à floresta adjacente e às barragens. Apesar de ser necessária uma irrigação suplementar, os solos argilo-calcários têm uma boa retenção de humidade e as mais exteriores, de solo granítico, parecem melhorar a mineralidade/frescura, tal como no Dão.

Vinificação: Uma vez que o estilo de Gonçalves gira à volta de “frescura + complexidade (uma matriz de sabores) + natureza varietal + intensidade + concentração”, seleccionou a fruta a partir de cinco parcelas diferentes (por linha de orientação-exposição, tipo de solo e gestão da vinha). Fruta colhida à mão em diferentes dias, compreendidos entre 8 e 27 de Setembro. As uvas foram mantidas em contentores frigoríficos entre 2 a 20 dias, a 2ºC, para a concentração e para melhorar o potencial aromático e a fruta. Duas parcelas foram prensadas directamente para barris novos de carvalho francês e fermentadas naturalmente com batonnage em sólidos. As outras três foram primeiramente repousadas e inoculadas com levedura, antes de serem transferidas para barris novos de carvalho francês no segundo dia de fermentação. As cinco parcelas foram então envelhecidas em borras durante seis meses, com batonnage suave durante os primeiros 2 meses.

Notas de prova: A Touriga Nacional parece encaixar bem nos vinhos rosés e este é um exemplo incomum. Salgado mas frutado, encorpado mas fresco. É absolutamente delicioso com borras cremosas e salgadas, delicados morangos silvestres, bolinhos de morango e chá de pêssego refrescante. Acidez mineral confere frescura e persistência num final duradouro.

Susana Esteban Aventura Tinto 2013 (VR Alentejano)

Terroir: este primeiro tinto é do Alto Alentejo mas é um blend das sub-regiões DOC. Esteban selecciona a Aragonês e a Touriga Nacional (40% e 20% da blend respectivamente) de um vinhedo com 15 anos, em Évora, a 300m de altura em solos argilo-calcários. O equilíbrio vem da mistura de um field blend em Portalegre, a sub-região mais a norte do Alto Alentejo, com 30 anos. Não é só a localização a norte que faz com que Portalegre seja a área mais fria e húmida do Alentejo. A Serra de São Mamede – a mais de 1000m de altitude, o ponto mais alto do Sul de Portugal – confere uma considerável elevação (até 800m) e solos graníticos pobres. Uma vez que o objectivo de Esteban é “produzir um vinho fresco, com carácter mas ao mesmo tempo apelativo”, vai a Portalegre buscar a frescura e a austeridade, ao passo que Évora providencia o calor que a enóloga pensa ser necessário para que a Touriga Nacional e a Aragonês precisam para demonstrar o seu potencial (Salientando que “tenho em atenção para escolher apenas com 13% a 13.5% de álcool”).

Vinificação: as uvas são colhidas à mão e fermentadas naturalmente (sem nenhuma acidificação) em pequenos lagares de inox a temperatura controlada. Aprecio bastante o facto de Susana se ter focado apenas na fruta e na frescura – este vinho é unoaked.

Notas de prova: fantástica textura e vibração (pensem em veludo esmagado) de frutas silvestres em puré (assim parece), puras e acabadas de colher. Taninos suaves e uma jovem acidez reforçam o imediatismo encantador deste tinto jovial. Adorável. 13.5%

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Casa do Porco Preto, Alentejo na Taberna do Mercado – Foto de Charmaine Grieger | Todos os Direitos Reservados

Herdade de São  Miguel Reserva 2012 (VR Alentejano)

Terroir: A Herdade de São Miguel está situada na sub-região (DOC) Redondo do Alto Alentejo. Para Alexandre Relvas júnior, a Serra d’Ossa (que sobe até 650m) abriga as vinhas de Redondo dos ventos que sopram de norte e de este, e providencia invernos secos e frios, em contraste com os verões quentes e ensolarados. A vinha está localizada a 400m de altitude em solos de argila/xisto de baixo rendimento que produzem bagas pequenas e concentradas. Este vinho é um blend composto por 80% de Alicante Bouschet, 15% Aragonez e 5% Cabarnet Sauvignon proveniente de vinhas com 13 anos de idade.

Vinificação: fruta colhida à mão é totalmente desengaçada e sujeita a 48h de absorção antes da fermentação em lagares de inox abertos com pigeurs automáticos para uma extracção mais suave. Também é sujeito a uma pequena oxidação natural para “ajudar a corrigir logo à partida a cor e os taninos”, diz Relvas. Foi envelhecido durante 12 meses em barris de carvalho francês de 400 litros (50% novos).

Notas de Prova: nariz intenso a groselha e amora com toque de madeira abaunilhada e nuances de xisto empoeirado, que seguem durante o suculento palato com uma frescura adorável. Apesar de representar apenas 5% do blend, a Cabarnet Sauvignon é bastante evidente no perfil de sabor (groselha com notas de menta) e taninos finos, minerais e de cascalho. Não tem a concentração ou complexidade dos vinhos (mais caros) que se seguiram, mas é equilibrado e persistente. Muito bem feito, suporta bem os seus 15% de volume.

Quinta do Mouro Touriga Nacional 2010 (VR Alentejano)

Terroir: Este monovarietal de Touriga Nacional é de Estremoz, na sub-região Borba (DOC) do Alto Alentejo. Fica a norte de Redondo e da Serra d’Ossa, o que confere um pouco de protecção dos ventos quentes a sul. Uma vez que a Quinta do Mouro está situada a 420m de altitude, a elevação também tempera o clima, da mesma maneira que as descidas bruscas de temperatura durante a noite, as quais, segundo o enólogo Luís Louro, podem ser 20 graus abaixo da temperatura durante o dia, “especialmente nas últimas fases de amadurecimento, e os nevoeiros são comuns”. Solos xistados e vinhas cultivadas a seco também contribuem para o estilo muito estruturado, característico e de bom envelhecimento dos tintos da Quinta do Mouro. Proveniente de uma vinha do Douro “muito boa” de 1998, a Touriga Nacional foi enxertada em vinhas de Castelão que tinham sido plantadas em 1989.

Vinificação: uvas colhidas à mão e parcialmente desengaçadas, deixando cerca de 10% do cacho para obter um pouco mais de estrutura e sabores mais frescos. As uvas foram pisadas a pé em lagares e foram sujeitas a dois dias de absorção a frio antes da fermentação. Terminaram a fermentação em tanques inox de temperatura controlada e, após a prensa, foi envelhecido durante 12 meses em barris novos de carvalho francês de 300 litros.

Nota de prova: cor de ameixa, opaca e profunda, com perfume exótico de bergamota que eleva o concentrado palato a framboesa, ameixa e baunilha, juntamente com notas vivas e apimentadas, sálvia seca e hortelã. Taninos com uma textura acamurçada clivam os sabores no palato, ampliando a sua intensidade e a ressonância do palato. Poderoso, um pouco selvagem, mas equilibrado. Um carismático monovarietal de Touriga. 14%

João Portugal Ramos Marquês de Borba Reserva 2012 (DOC Alentejo)

Terroir: também de Estremoz, este blend compost por 30% Trincadeira, 30% Aragonês, 25% Alicante Bouschet e 15% Cabarnet Sauvignon vem da vinha original de João Portugal Ramos. As vinhas, plantadas em 1989, estão situadas à volta de sua casa e têm sido a fonte do seu vinho desde que foi feito pela primeira vez, em 1997. Localizadas a 350m em solos de xisto muito velhos.

Vinificação: As uvas foram colhidas à mão durante a noite e de manhã cedo. Parcialmente desengaçadas (50%) e início de fermentação (natural) em lagares de mármore com pisa a pé. Para Ramos, as vantagens dos lagares incluem, uma maior área de contacto entre o líquido e a parte sólida do mosto, homogeneização suave do mosto (porque é formada uma camada mais fina em comparação com os tanques normais) e a estética do mármore local (que, por acaso Nuno Mendes também utiliza nos tampos das mesas na Taberna do Mercado). O último terço da fermentação é feito em tonéis de inox, beneficiando de temperatura controlada. A maceração pós-fermentação dura, normalmente, duas semanas. O vinho estagia depois durante 18 meses em barris de carvalho francês de 225 litros (dois terços dos quais são novos).

Notas de prova: um tinto muito polido, com tabaco e caixa de charutos no nariz e no palato. Frutos vermelhos a dominar o ataque, enquanto a Cabarnet se torna mais assertiva com o desenrolar, conferindo groselha bem definida e um revestimento pulverizado de taninos finos mas em pó que ganham vida na boca. Seco, firme, focado e muito fino com uma excelente frescura a equilibrar. O mais fechado dos tintos, com um grande potencial de envelhecimento. 14.5%

Herdade do Mouchão 2010 (VR Alentejano)

Terroir: este blend com cerca de 70% Alicante Bouschet e 30% Trincadeira é de um dos produtores mais estabelecidos da região, a Herdade do Mouchão, que pertence à mesma família desde 1874. Mouchão foi a primeira vinha de Alicante Bouschet a ser plantada e os vinhos actuais denotam a sua origem genética do século 19. Mouchão fica em Sousel, a norte de Borba, no Alto Alentejo. A Alicante Bouschet é seleccionada de várias parcelas perto da adega, a cerca de 230m de altitude, com idades entre os 10 e os 30 anos. Situada num triângulo entre dois pequenos rios, os solos arenosos superiores são bem drenados mas o barro das profundezas retém a humidade que permite um amadurecimento equilibrado e confere frescura e boa acidez. A imagem de marca do Mouchão é o grande potencial de envelhecimento. A Trincadeira de peles finas beneficia por ter sido plantada mais alta, em solos bem drenados a cerca de 400m de altitude.

Vinificação: este vinho, o mais tradicional, teve as suas uvas apanhadas à mão e fermentadas nos lagares de pedra originais da adega com 100% de engace. Depois é envelhecido em grandes e velhos toneis de 5000 litros durante dois ou três anos. Estagia ainda mais dois a três anos em garrafa antes de ser lançado no mercado.

Notas de prova: uma cor muita profunda com um palato e nariz muito complexos – é quase uma refeição – mas equilibrados. O Mouchão 2010 tem camadas de figo maduro seco, azeitona preta e pele incipiente com um floral tintado, tabaco, whisky berber (chã de menta estufado) e notas de eucalipto. Robusto, picante, taninos orientados à uva ganham vida na boca, mas no entanto está tudo bem integrado – nem um pouco agressivo. Um final muito longo e envolvente com um travo do calor da terra desta propriedade. 14%