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A pintura de Goya é um “terroir”

Texto João Barbosa

O que tem a pintura de Goya a ver com vinho? Possivelmente nada, mas serve de ilustração para leitura distanciada.

Antigamente, poupavam-se os fotogramas, porque os rolos só tinham 24 ou 36. Custavam dinheiro e era necessário pagar a revelação e a ampliação, esperar. Uma chatice!

– Ai, que não fiquei nada bonito nesta foto…

– Que pena, está tremida.

Hoje temos telefones que fotografam, alguns com boa definição de imagem. Disparamos 50 vezes, «porque sim». Fotografamos a comida e um beijo em falso num centro comercial. Reinventamos os autorretratos, agora chamados de «selfies».

O talento para a fotografia não foi distribuído democraticamente. Nem a vaidade! No mínimo, é a vontade de «ficar bem» que nos leva a pedir que nos fotografem ou que façamos de modelos para nós mesmos.

Não dissertando sobre a história da fotografia, a primeira impressão terá sido conseguida por volta do primeiro quartel do século XIX. A tecnologia aperfeiçoou-se e esta arte permitiu democratizar o retrato e proporcionar mais momentos de vaidade a quem podia pagar – sim, foi um prazer para burgueses e aristocratas.

Antes disso, o retrato pintado levava (leva) semanas ou meses. A pose para o esboço, os acertos, a primeira camada de tinta, a espera para que o óleo seque, os ajustes, as vontades do retratado.

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Goya – A família de Carlos IV

A vaidade alimentou muita gente e realço a coragem da família de Carlos IV de Espanha em persistir em Francisco Goya como retratista real. Estes Bourbon eram muito feios! Veja-se como foram pintados por este génio espanhol e os salamaleques do quase obscuro Alonso de Mendoza.

Apaixonei-me tardiamente por Maria Carolina de Bourbon Duas-Sicílias, através do retrato de Thomas Lawrence. Ela tinha 27 anos… não era uma Lolita, embora as fidalgas parecessem jovens perto das plebeias, da mesma idade, com vida difícil.

É incrível como a duquesa de Berry envelheceu dum momento para o outro. Aos 29 anos, mantinha o olhar doce, ingénuo e ruborizado de menina da elite. Mas, a duquesa por quem me apaixonei é a mesma? Linda, mas notando a aproximação dos 30. Note-se que o termo «balzaquiana» se aplicava às trintonas! Benditos cremes e qualidade de vida, as balzaquianas têm mais de 55 anos.

E antes dos 27 anos, como era ela? Louise-Elisabeth Vigée-Lebrun retratou-a… Apesar do olhar cândido, o rosto tranquilo e a tez rosada, 26 anos. Terá a duquesa de Berry tido só aos 27 as suas asas de mariposa?

Onde está a verdade? Uvas excelentes darão bom vinho. E que vinho? O que um excelente enólogo cria, tirando partido das suas rugas e do olhar triste, mas verdadeiro. O que um excelente enólogo cria, escondendo precoces papadas e uma borbulhagem avermelhada.

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Vinhas © Blend All About Wine, Lda

Prefiro ver as rugas do temperamento e o sotaque do vinho, à perfeição redondinha e propositadamente gulosa. Cameron Diaz acorda estremunhada, despenteada, tem mau humor e leva horas a arranjar-se. É desse vinho que quero beber.

É disso que se fala quando se pronuncia a palavra “terroir”.

Os vinhos de Colares

Texto João Barbosa

A Revolução Agrícola permitiu à espécie humana prosperar. Posteriormente, veio domesticação de animais e convidou o gato a juntar-se à família. Impulsionou a escrita e a matemática, pela necessidade de criar inventários.

Por previsível acaso, nasceu a «agricultura inteligente», aquela em que o homem é interveniente além do trabalho de campo. Terá sido primeiro o pão e depois é provável que se tenha criado a cerveja – há quem afirme que foi o vinho, mas não creio.

O homem provou e gostou do resultado duma mistura de água e sementes de cevada, esquecidas ou negligenciadas num recipiente. Desse cereal terá experimentado outros ingredientes. Certo é (!) que foi o efeito do álcool, como indutor de alteração do estado de consciência, o impulsionador da fabricação dessas bebidas.

Até aqui está tudo bem, resumido até ao osso. Os dilemas nascem na dificuldade, quando a resposta não é óbvia – embora uma evidência possa estar errada. Um grande mistério, para mim, é o vinho tinto de Colares.

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A transportar as uvas

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Adega de Colares

A região, situada na Área Metropolitana de Lisboa, tem registo antigo, mas ganhou nomeada no século XIX. Não é de estranhar, visto a praga da filoxera ter dizimado as vinhas europeias. O pulgão não sobrevive na areia e em Colares o chão é arenoso.

O vinho tinto de Colares é produzido à base da casta ramisco. Quando jovem é incrivelmente taninoso e há uns bons anos misturava-se-lhe, muitas vezes, vinho branco, sobretudo da casta malvasia de Colares.

A junção de tinto e branco tornaria tudo mais fácil. A modernidade «criou» a pressa. Os vinhos tinham um ciclo e todos o aceitavam. Bebiam-no jovem ou sabiam que tinham de aguardar para que alcançasse o zénite.

O escritor Eça de Queiroz era viajado e cosmopolita. O campo aborrecia-o tremendamente. Foi diplomata e conheceu a luz das cidades desenvolvidas europeias. Portugal era uma parvónia. A obra queirosiana está pejada de citações vínicas e os Colares são dos mais referidos – talvez os mais destacados.

Eça de Queiroz integrou um grupo de intelectuais, os «Vencidos da Vida», que introduziu luz na «aldeia» de Lisboa e o Realismo, como forma de arte e literatura. A «Geração do 70», outra designação do «clube», refeitava-se n’ «O Leão d’Ouro», junto à Estação do Rossio, em Lisboa. Ainda hoje existe. Nele, Columbano Bordalo Pinheiro pintou o mais famoso momento dessas tertúlias.

Cultivar as vinhas de Colares é doloroso, pois são rasteiras e obrigam a trabalho de cócoras ou ajoelhado… Isso não roubava o sono aos burgueses e aristocratas da Geração de 70 – o povo trabalhava duramente e lá estava, imóvel por gerações.

Mas importa este esforço. Vou fazer uma adição: ao trabalho doloroso nas vinhas somam-se (pelo menos) dez anos para que se comece a deixar beber… Só um resultado maravilhoso explica. Porém!…

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Vinho de Colares

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Eça de Queiroz

Quem se lembrou de guardar vinho de Colares? Um doido alucinado! Um envenenador compulsivo! Um louco por vingança! Explico com uma alegada afirmação de Eça de Queiroz:

– Este vinho ou está estragado ou é Colares novo.

Quem faz vinho conhece o ciclo de evolução por que passa até chegar o momento de ser revelado. Porém, só um tresloucado guardaria uma gota de vinho de Colares acabado de nascer. Um anjo lhe terá soprado ao ouvido para que guardasse, pois um dia haveria de se beber com grande prazer.

Sou incondicional apreciador de vinho de Colares e a mordacidade de Eça de Queiroz é sublime… só quando provei um vinho novo, acabadinho de nascer, é que percebi o alcance da alegada afirmação do escritor.

Felizmente, já bebi até à colheita de 1911… e…

Veja mais sobre Colares aqui e aqui.

Pôpa Fiction – três vinhos com sedução e crime, Quinta do Pôpa

Texto João Barbosa

Boa noite, bem-vindos a minha casa. Sentem-se, que já vos sirvo o vinho. Hoje jantamos na sala. Estou com groove.

– Estamos todos!

– Na sala?! O betinho emaluqueceu!

– Cala-te, Pedro. Deixa-me acabar. Estou com groove e…

– Estamos todos!

– Bem, se agora responderam em coro…  vou amuar e dançar até à cozinha para trazer uns aperitivos. Ainda bem que a boa-onda é geral.

[Regressado à sala]

– Ainda ninguém pôs música?! Querem que me zangue? Temos três vinhos para hoje…  e têm uma lógica. Vão numa sequência… Pim! Pam! Pum!

[Todos a dançar a música «You never can tell», de Chuck Berry… Pulp Fiction].

– Ena, ainda agora começou a festa e já o tapete está todo pingado de tinto… yuuuuupiiiiiii!

– O que estamos a beber?

– Hot Lips 2012. Deixa-me mudar a música… «Why don’t  you do right», pela Katherine Turner… [«Quem tramou Roger Rabbit»].

– Roger Rabbit! Mas conta mais do vinho…

– É tinto…

– Ya!

– Isso é óbvio.

– Diz!

– Douro.

– Conta lá!

– Duh!… Ainda não percebeste que temos de ser discretos… as paredes têm ouvidos. Podemos estar a ser escutados… as castas são secretas.

– Lol.

– Olha, a garrafa acabou. O que devo abrir agora?

– Essa… essa aí. Diz In The Flesh 2012.

– Cool!

– Ora põe aí a tocar «Slave to Love», do Bryan Ferry…

– Enapá! Do «Nove semanas e meia»… ui!

– Só de pensar na Kim Basinger…

– E eu no Mickey Rourke.

– Nunca percebi o que as mulheres vêem nele…

– Azaritos! Coisas de miúdas. Esquece, azaruncho!

– O que se passa com o vinho?

– O que se passa, como?!

– Está sempre a acabar…

– Agora abre essa…, já todos estão prontos? Vamos a isto!

– Uau! Está delicioso! É o quê?

– Não vais querer saber…

– Psicopata!

– Saca esse disco e põe este a tocar, se fazes o favor.

– É o quê?.. Boa escolha.

– O quê?… o quê?

– «Push it to the limit».

– Paul Engemann?!

– Ya!

– Scarface!…

– Yes!

– Acertei! Diz-me o que estamos a comer?

– Tens de descobrir. Este jantar é um policial.

A Quinta do Pôpa, além dos vinhos «formais», tem uma vertente conceptual e, até agora, com humor, designada de Pôpa Art Projects. Primeiro surgiram o Lolita e o Milf. Para este momento, o segundo episódio, a ideia brinda ao mundo da sedução, do crime e do cinema.

As garrafas desta trilogia (Pôpa Fiction) são de litro, uma pequena provocação… ou melhor, um certo agitar das ideias. Cada vinho tem um nome e rótulo próprio, cuja arte é de Mário Belém.

Hot Lips 2012 é um vinho guloso, descontraído e por isso perigoso. Recomendo para antes do primeiro jantar a dois. … É isso! Suave e sensual.

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Hot Lips 2012 – Foto Cedida por Quinta do Pôpa | Todos os Direitos Reservados

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In The Flesh 2012 – Foto Cedida por Quinta do Pôpa | Todos os Direitos Reservados

Já o segundo é o In The Flesh 2012, mais «substancial» na boca. Mais carnudo. «Um pedaço de mau caminho», dizem os irmãos Stéphene e Vanessa Ferreira, os vinhateiros. Pois… é que também escorrega, mas pede uns acepipes. Petiscos quentes, folhados, enchidos e alguns queijos.

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Stéphane and Vanessa Ferreira – Foto Cedida por Quinta do Pôpa | Todos os Direitos Reservados

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The Grape Escape 2012 – Foto Cedida por Quinta do Pôpa | Todos os Direitos Reservados

O terceiro vinho do gangue é o The Great Escape 2012. É uma espécie de Al Capone. Impõe respeito e exige comida com força e potência. Mais rústico e aconselhável com comida.

Bebe-los num só evento tem piada e lógica, porque há uma clara evolução do estilo dos vinhos, desde o mais fácil até ao que pede um desassossego na mesa.

Basta fantasiar um bocadinho e até se «escreve» – oralmente – um enredo policial, em que cada pessoa à mesa acrescenta um parágrafo. Depois de tudo e se ainda houver disposição, jogar o Cluedo – um dos jogos que melhor prazer dá quando se está ébrio.

Contactos
Quinta do Pôpa, Lda.
E.N. 222 – Adorigo
5120-011 Tabuaço
Portugal
Email: geral@quintadopopa.com
Telemóvel: (+351) 915 678 498
Site: www.quintadopopa.com

Lagoalva Barrel Selection Tinto 2013

Texto João Barbosa

Durante a ditadura do Estado Novo (1926 a 1974) criaram-se arquétipos para identificar as províncias, entidade organizativa hoje inexistente. Havia uma redutora iconografia nacionalista, mas também regional. Valorizou-se muito o folclore, sendo aqui o fandango.

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Ribatejo

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Ribatejo

Para o Ribatejo desenharam-se toiros bravos, os nobres animais da actualmente polémica tourada, campinos e obviamente cachos de uvas. O vinho tinha uma importância crucial na economia e na alimentação, sendo que esta província produzia em grande quantidade.

A vontade de produzir muito levou a que as vinhas (generalizando) estivessem em solos ricos. Porém, a videira é masoquista. A reputação, até há poucos anos, não era das melhores. Porém, a comissão certificadora e vários produtores, em número crescente, encarregaram-se de mudar a imagem. O corolário foi a alteração da designação de Ribatejo para Tejo.

Uma das primeiras casas agrícolas a despertar para a nova realidade foi a Quinta da Lagoalva de Cima, situada junto a Alpiarça. É uma empresa que produz muito mais do que vinho, sendo o azeite outro produto identitário de qualidade. Ali lavra-se uma infinidade de bens alimentares. Em 2.500 hectares cabem muitas culturas e floresta.

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Quinta da Lagoalva – Photo Provided by Quinta da Lagoalva | All Rights Reserved

Há quatro patamares de vinhos, com diferentes preços. Existe uma linha comum, com dois ramais: qualidade e «honestidade». Esta verdade traduz-se na regularidade e consistência do que é produzido e posto à venda – tendo que se ter em conta a especificidade da climatologia dos anos.

Recuso-me em entrar na obsessiva vontade de sentenciar (quase decreto) acerca da relação entre qualidade e preço. Cada pessoa tem o seu conceito e gosto, disponibilidade financeira e avaliação de até quanto sente ser aceitável um valor. Evito referir preços, pois não tenho dados para que possa assegurar um montante. Digo apenas que estes vinhos estão bem ao alcance duma algibeira da classe média, não custam um ordenado nem uma semana de trabalho.

Uma das primeiras referências que conheci foi o branco Lagoalva Talhão 1. Não gostei! Todavia, aproximou-se (aproximei-me) e é um vinho (referência abstracta) que bebo com agrado no Verão, como aperitivo e em convívio descontraído. A gama Lagoalva tem essa característica da descontração, sendo também competente para ir à mesa.

Os vinhos são muitos e acerca deles escrevi uma súmula, que penso ter traduzido o bom trabalho que se faz nesta firma. Vou ao motivo: Lagoalva Barrel Selection Tinto 2013. As gamas são Monte da Lagoalva, Espírito Lagoalva, Quinta da Lagoalva de Cima e Quinta da Lagoalva.

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Lagoalva Barrel Selection Red 2013 – Photo Provided by Quinta da Lagoalva | All Rights Reserved

Tal como os anteriores e os olvidados, é um vinho de fácil prazer – no melhor do sentido do adjectivo. Contudo, é uma «coisa» à parte. A própria designação indica que se está presente de algo especial: uma escolha de várias barricas, que geraram 4.000 garrafas.

Trata-se dum par de syrah e touriga nacional, com a mesma percentagem. Estagiou um ano em barricas novas de carvalho francês. A madeira sente-se, mas não esmaga. Não é para se beber em tragos volumosos, antes com vagar.

A demora dos repastos do final de Outono e do Inverno, quando a mesa é rica e substancial, e as comidas mais complexas e exigentes quanto a parceiro. Concordo com o produtor quando aconselha pratos de forno. Estou a pensar no Natal.

Contactos
Sociedade Agrícola da Quinta da Lagoalva de Cima, S.A.
Quinta da Lagoalva de Cima
2090-222 Alpiarça
Tel: (+351) 243 559 070
Email: geral@lagoalva.pt
Website: www.lagoalva.pt

Vinho engarrafado era para as festas

Texto João Barbosa

Há 50 anos, um registo «não se diluía no mar de marcas que actualmente existem e não estava tão sujeito “aos gostos dos mercados” e às classificações dos líderes de opinião. Permitia, por isso, fidelidade por parte do consumidor, que fortalecia as marcas, as empresas, o negócio e o estilo do vinho» – explica Virgílio Loureiro.

«O vinho engarrafado era para dia de festa e o mais procurado era o do Dão. A fama tinha sido conquistada mais pelo pioneirismo do engarrafamento do que pela qualidade. A marca era “colectiva”, associada à origem e sobrepunha-se quase sempre à marca da empresa. Havia também marcas individuais, algumas delas lendárias, fruto da qualidade do vinho e, principalmente, da genialidade com que era publicitado» – informa Virgílio Loureiro.

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Rótulo Grão Vasco – Foto Cedida por Sogrape Vinhos | Todos os Direitos Reservados

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Rótulo Grão Vasco – Foto Cedida por Sogrape Vinhos | Todos os Direitos Reservados

Um caso emblemático é o Grão-Vasco, surgido em 1958, após a visita de Fernando Guedes (Sogrape) ao Dão. A marca escolhida foi o nome pintor Vasco Fernandes (Grão-Vasco – séculos XV e XVI), natural de Viseu.

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Buçaco Branco Reservado – Foto Cedida por Palace Hotel do Bussaco | Todos os Direitos Reservados

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Buçaco Tinto Reserva – Foto Cedida por Palace Hotel do Bussaco | Todos os Direitos Reservados

Entre o Dão e a Bairrada há o clássico Buçaco (branco e tinto), do Palace Hotel do Bussaco. Por burocracia, não tem data de colheita, mas o número do lote indica o ano da vindima. Alexandre Almeida, sobrinho do fundador, conta que tudo começou por ser o «vinho da casa» e a primeira garrafa data de 1917.

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Palace Hotel do Bussaco – Foto Cedida por Palace Hotel do Bussaco | Todos os Direitos Reservados

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Garrafas – Foto Cedida por Palace Hotel do Bussaco | Todos os Direitos Reservados

Na tradição, os vinhos são feitos com a junção de uvas da Bairrada e do Dão – eram vinhos tradicionais dos agricultores, não de enólogo. «Desde logo com a ideia de permitir ao viajante a descoberta da gastronomia local e dos seus vinhos, enquanto vivência duma genuína afirmação cultural». À mesa serviam-se pratos tradicionais, «a par da cozinha, então moderna, de Escoffier».

No ano de 1964 surgiu o Adega Cooperativa de Borba Reserva, conhecido simplesmente por «rótulo de cortiça», pelo seu uso em vez de papel.

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Adega Cooperativa de Borba Tinto Reserva – Foto cedida por Adega de Borba | Todos os Direitos Reservados

Alguns vinhos mudaram de nome: o Tinto Velho (1878) hoje é José de Sousa. O Conde d’Ervideira Reserva (cerca de 1880) existe, mas acima dele existe Conde d’Ervideira Private Selection. É um vinho ressuscitado, a produção foi abandonada em 1954 e retomada em 1991.

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José de Sousa Tinto Velho 1996 – Foto Cedida por José Maria da Fonseca | Todos os Direitos Reservados

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José de Sousa – Foto Cedida por José Maria da Fonseca | Todos os Direitos Reservados

O Gaeiras Branco, feito com a casta vital, viveu grande prestígio nas décadas de 60 e 70 – mas começou a receber prémios a partir de 1876.

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Casa das Gaeiras Reserva Vinhas Velhas – Foto Cedida por Casa das Gaeiras | Todos os Direitos Reservados

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Casa das Gaeiras tinto – Foto Cedida por Casa das Gaeiras | Todos os Direitos Reservados

Morreu durante uns anos, ressurgindo com a colheita de 2013 – o herdeiro é o Casa das Gaeiras Vinhas Velhas.

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Casa das Gaeiras – Foto Cedida por Casa das Gaeiras | Todos os Direitos Reservados

O lugar de Peramanca deu o nome a um dos mais reputados vinhos do Alentejo. Registado, no século XIX, por José António Soares, foi valorizado, mas acabou. Em 1987, a marca Pêra Manca foi doada à Fundação Eugénio de Almeida, na condição de surgir apenas em anos excepcionais. O primeiro branco é de 1990 e o tinto de 1991. O rótulo original tem por base uma aguarela de Alfredo Roque Gameiro (1864 – 1935), mas em 2003 foi redesenhado e simplificado.

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Pera-Manca Tinto 1998 – Foto Cedida por Cartuxa | Todos os Direitos Reservados

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Pera-Manca Branco 1996 – Foto Cedida por Cartuxa | Todos os Direitos Reservados

John Reynolds, neto de Thomas Reynolds que comprou a Herdade do Mouchão, decidiu plantar uma vinha da casta alicante bouschet – pela primeira vez em Portugal. O Mouchão também ressuscitou, em 1985. A adega foi erguida em 1901 e a produção decorreu até à ocupação da Reforma Agrária (marxista).

Ao contrário do que pensei originalmente, encontrei mais marcas do que esperei. É impossível lembrar todas. Enumero mais algumas: Caves do Solar de São Domingos, Colares Chitas, Viúva Gomes, Lagoa Reserva, Messias Santola, Messias Vinho Verde, Messias Rosé, Frei João, Porta de Cavaleiros, Montes Claros, Pasmados…

Três grandes marcas: Casal Garcia, Lancers e Mateus

Texto João Barbosa

Para quem é formado em história, escrever uma crónica longa sobre vinhos, em fascículos, é doce de macã para se dar a bebés. A civilização Egípcia durou quase 3.200 anos e cabe num livro… mais ou menos. Coloquei o marco nas marcas com 50 anos e escolhi as sobreviventes – vendia-se muito vinho a granel e em garrafas de litros, famosas pelas seis estrelas em relevo.

Vasco d’Avillez, hoje presidente ca Comissão Vitivinícola de Lisboa, recorda que, por essa altura, as exportações de vinho «subiam a um ritmo muito grande e em que os produtores se começaram a apetrechar com materiais de muito boa qualidade».

A seguir à Segunda Guerra Mundial, dois cidadãos norte-americanos tiveram uma influência gigantesca no negócio em Portugal. Deduziram que as tropas quando regressassem levariam recordações europeias, e o vinho estaria no topo das escolhas. Todavia, se não houvesse dois homens de visão nada teria acontecido: António Porto Soares Franco (José Maria da Fonseca) e Fernando Guedes (Sogrape).

O Conde de Vila Real, com casa na localidade de Mateus, recebeu a visita dum americano que, ao provar um vinho da casta alvarelhão, afirmou que daria um bom rosé. A Sogrape, fundada em 1942, aproveitou a dica e seguiu o conselho dado ao titular.

O pequeno palácio barroco deu o nome ao vinho e a Sogrape contratualizou com o Conde de Vila Real o uso da imagem do edifício. Porém, não há qualquer ligação entre o solar de Mateus e o vinho.

A Sul, em Azeitão, a José Maria da Fonseca produzia já um rosé. O Faísca era um sucesso comercial, com promoções, eventos, patrocínios… Em 1944, Henry Behar, que tinha uma distribuidora nos Estados Unidos, quis levá-lo, mas havia um grave problema! Faísca lembra fiasco. Lembrou-se do quadro de Diego Velázquez «A Rendição de Breda», também conhecido por «Las Lanzas» ou «Lancers».

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Lancers – Foto Cedida por José Maria da Fonseca | Todos os Direitos Reservados

Vasco d’Avillez  sublinha que cedo se produziram milhões de litros. Em 1975, o Mateus chegou aos 36 milhões de garrafas e o Lancers às 18 milhões. Outro campeão de vendas é o Casal Garcia, a marca mais antiga de Vinho Verde.

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As primeiras garrafas de Mateus – Foto Cedida por Sogrape Vinhos | Todos os Direitos Reservados

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Casal Garcia – Foto Cedida por Quinta da Aveleda | Todos os Direitos Reservados

Em 1938, o enólogo francês Eugène Hélisse «aterrou» por acaso na Quinta da Aveleda – o episódio é vasto. Embora relutante, Roberto Guedes aceitou a autocandidatura. Fizeram-se incipientes testes de consumidor, entre familiares e amigos, que ditaram o perfil vinho. Onde o pôr? Uma garrafa azul seduzia e o rótulo reproduz um lenço da senhora da casa. A Aveleda depressa apostou forte na promoção. Dos muitos aforismos de incentivo à compra, um lema ficou para a posteridade… até hoje: «Haja alegria. Haja Casal Garcia».

As duas marcas de rosés tornaram-se globais e apostaram muito na promoção, ao ponto de surgirem falsificações. A popularidade levou a que activistas políticos, em vários países, apelassem ao boicote à compra destes dois vinhos, devido ao regime político vigente em Portugal e às guerras em África.

Dois magnatas

Texto João Barbosa

Abel Pereira da Fonseca foi um próspero negociante de vinhos. Em 1906 abriu um entreposto no Poço do Bispo – fica fora dos percursos turísticos, mas o edifício é interessante de ver para quem tenha mais tempo. A avenida não existia e os barcos acostavam para descarregar o vinho vindo da margem Sul do Tejo.

À época, as tabernas costumavam ter associado o negócio do carvão. Este empresário criou a rede Val do Rio, onde se podia beber um bom vinho e em ambiente asseado. Em 1928 eram cerca de 50 estabelecimentos e em 1937 já chegavam à centena. A classe média lisboeta podia beber o seu vinho sem ter de se juntar à malta suja e pobre.

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Abel Pereira da Fonseca, Lda no Poço do Bispo – Foto Cedida por Companhia Agrícola do Sanguinhal | Todos os Direitos Reservados

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Abel Pereira da Fonseca – Foto Cedida por Companhia Agrícola do Sanguinhal | Todos os Direitos Reservados

Fernando Pessoa, um génio mundial da poesia, era uma pessoa estranha, a quem poucos conheciam amigos. A meio da tarde, levantava-se da cadeira do escritório, onde se aborrecia com a realidade, e dizia:

– Vou ter com o meu amigo Abel.

O amigo Abel era o copo na taberna Val do Rio, da firma Abel Pereira da Fonseca. Uma vez fotografado, assinou o retrato: «Apanhado em flagrante delitro».

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Fernando Pessoa “em flagrante delitro.” – Foto Cedida por Companhia Agrícola do Sanguinhal | Todos os Direitos Reservados

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A assinatura de Fernando Pessoa “em flagrante delitro” – Foto Cedida por Companhia Agrícola do Sanguinhal | Todos os Direitos Reservados

Nesse ano de 1937, Abel Pereira da Fonseca deixou o negócio – a marca ficou com outros, coisa de negócios que não vêm ao caso – e fixou-se na Quinta das Cerejeiras, no Concelho de Bombarral. Aí criou uma marca emblemática que resiste.

O Quinta das Cerejeiras tornou-se numa referência de qualidade, expostas nas cartas de vinhos dos melhores restaurantes. O gosto e o padrão de consumo mudou. Os dez anos de estágio em garrafa foram muito reduzidos. Ainda assim, os Quinta das Cerejeiras Reserva são uma referência da região de Lisboa e obrigatória para quem se interessar pelos néctares nacionais.

Outro magnata de renome foi João Camillo Alves, barbeiro na vila suburbana de Bucelas, que se pôs como intermediário entre os produtores da vila e os burgueses lisboetas que ali iam veranear. Daí a vender na capital fui num instantinho.

A empresa Caves Camillo Alves faz hoje parte do grupo Enoport, que agrupa outras grandes firmas de outrora, como as Caves Velhas ou as Caves Dom Teodósio – Teodósio Barbosa, outro magnata do vinho de há cem anos.

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Romeira Vinho Tinto – Foto Cedida por Enoport | Todos os Direitos Reservados

Obviamente que esta firma detém marcas que cruzam gerações. A mais emblemática talvez seja a Romeira. Trata-se de vinho tinto nascido numa região onde apenas as uvas brancas são elegíveis para vinho com denominação de origem.

A constituição da Quinta da Romeira, em Bucelas, remonta ao século XVII, e desde então tem conhecido diferentes proprietários, tendo há cerca de um ano voltado a ser transaccionada. A marca Romeira, pertencente às Caves Velhas, foi criada em 1912. Na década de 70, do século XX, o enólogo Manuel Viera fazia um lote com uvas da Península de Setúbal. Posteriormente passou a ser todo ele produzido em Palmela e hoje faz-se no Alentejo.

Quando se fala em vinho de Bucelas tem de se referir o Bucellas, criado pelas Caves Velhas em 1939. O consumidor tem sempre razão, conforme dita o aforismo? Não! E infelizmente, negócio é negócio e as empresas não são para dar prejuízo. Os vinhos de Bucelas viviam longos anos, excelentes. Os Bucellas Garrafeira eram «o» Bucelas. O último foi o de 1998 e bebi-o este ano. Colossal!

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Serradayres Colheita 1986 – Foto Cedida por Enoport | Todos os Direitos Reservados

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Serradayres Reserva 2013 – Foto Cedida por Enoport | Todos os Direitos Reservados

Muito antigo é o tinto Serradayres (Enoport), comercializado pela primeira vez em 1896, pelo Conde de Castro Guimarães, no Ribatejo – hoje região do Tejo. Já agora, a residência condal situa-se em Cascais e é um espaço museológico a ver.

Ainda dentro da mesma casa, o Lagosta (Enoport) é uma referência antiga, datada de 1902. Vinho leve e descomplexado, mas sem o peso histórico de outras marcas.

E eu que pensava que arrumava o assunto em poucas linhas… esperem, que já sirvo mais uma rodada.

Quando (quase) não havia marcas de vinho em Portugal

Texto João Barbosa

Estou velho! É verdade! Por mais que diga que fulano é um chavalo, a verdade é que estou como o meu pai, que faleceu aos 90 anos, que se referia aos amigos como: «um rapaz da minha idade».

Esta afirmação de estar velho nem tem a ver com a idade, mas com um país que era outro. Não por ser adolescente, mas porque era outro. Em Portugal era raríssimo, até 1986, vestir roupa de marca… sapatilhas Adidas? Dizíamos: «Devem ser… Adidas da farmácia». Os discos desalinhados com o main stream vinham da Grã-Bretanha, por encomenda ou pedido a alguém que lá fosse. As estrelas da pop apareciam na Bravo, uma revista em alemão que quase ninguém sabia ler. Quem era a Nena?! Dois ou três anos depois soubemos, quando cá chegou o hit «ninety nine red ballons».

Ia-se a Espanha comprar sapatilhas, caramelos, torrão de Alicante. Lá, cheirava aos terríveis cigarros Ducados e o café era imbebível. Eles vinham cá na Páscoa, comer bacalhau, marisco ao Alentejo, mesmo que fosse de 150 quilómetros da costa do Atlântico, e comprar toalhas e colchas.

Nesse país a preto e branco, da década de 70, ou de cores esbatidas do decénio seguinte, o vinho não tinha marca. Em Lisboa ainda havia tabernas, com pipas imundas de sarros… vinho lá da «terrinha», «purinho do produtor»… Marcas? Uma ou duas; exceptuando as de Vinho do Porto e Vinho da Madeira.

Em 2014, havia 2.067 viticultores e 4.212 vitivinicultores. Portugal, como nos restantes países da União Europeia, urbanizou-se e o sector primário perdeu peso na economia. Há 30 anos haveria muitos mais produtores, mas muitíssimo menos vitivinicultores. As cooperativas tinham um peso importante no negócio.

Foi com duas ou três marcas que resolvi escrever este texto. Porém, reparei que essas «duas ou três» eram bastante mais. Ainda assim… O número acaba por ser irrelevante. O negócio e consumo de vinho de há 30 anos, ou 25 ou até 20 anos, para cá mudou muito. Fico-me com os resistentes e com os renascidos. Pensava que caberiam nas minhas duas mãos… precisei de mais três pessoas, se calhar ainda falho o algarismo certo.

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Publicidade do Periquita em autocarro – Foto Cedida por José Maria da Fonseca | Todos os Direitos Reservados

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Publicidade Vintage Periquita – Foto Cedida por José Maria da Fonseca | Todos os Direitos Reservados

O Alentejo era conhecido pelas searas de trigo e pelas florestas de sobreiros e azinheiras. No Douro fazia-se Vinho do Porto, ponto! Dão e Bairrada tinham um peso considerável. Porém, Portugal tem marcas antigas, que em alguns casos se podem comparar às reputadas de França.

O caso mais óbvio é o do Periquita, produzido na região da Península de Setúbal. A receita tem vindo a mudar, mas basicamente era feito com uvas da casta castelão – sucesso tão grande que se alastrou a toda a volta, tornando a marca em sinónimo de variedade de fruta. Hoje, é marca registada, após batalha legal vencida pela firma José Maria da Fonseca.

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Publicidade Periquita em 2000 para o 150º aniversário – Foto Cedida por José Maria da Fonseca | Todos os Direitos Reservados

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Publicidade Periquita em 2000 para o 150º aniversário – Foto Cedida por José Maria da Fonseca | Todos os Direitos Reservados

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Publicidade Periquita em 2000 para o 150º aniversário – Foto Cedida por José Maria da Fonseca | Todos os Direitos Reservados

Quando se diz Periquita está a falar-se de 1880, embora se saiba que tenha sido transacionada uma garrafa da década anterior e indicações de 1850. Em 1886 ganhou um prémio internacional.

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Periquita 1880 – Foto Cedida por José Maria da Fonseca | Todos os Direitos Reservados

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Garrafa antiga de Periquita – Foto Cedida por José Maria da Fonseca | Todos os Direitos Reservados

Lilliput! Milhares, milhões de portugueses a fazerem o seu vinho. Poucas marcas. Duas casas se destacaram a de João Camillo Alves e de Abel Pereira da Fonseca. Colossos, à época. A diferença era tal que surgiu uma anedota, de gosto duvidoso: «No seu leito de morte, o senhor Fonseca terá dito aos seus descendentes que até de uvas se fazia vinho».

É piada (parva), porque Abel Pereira da Fonseca era homem honrado e já fora dos grandes negócios, como a firma José Maria da Fonseca, além de séria, só o fundador teve esse apelido. Seja como for, a anedota traduz a realidade.

Uma realidade que fica para a próxima crónica.

Contactos
Quinta da Bassaqueira – Estrada Nacional 10,
2925-542 Vila Nogueira de Azeitão, Setúbal, Portugal
Tel: (+351) 212 197 500
Email: info@jmf.pt
Website: www.jmf.pt

Quinta de Foz de Arouce Vinhas Velhas de Santa Maria 2005

Texto João Barbosa

O peso do vidro chateia-me. Existe alguma probabilidade de ser o primeiro a começar uma crónica vinícola desta maneira. Tem alguma coisa a ver? Tem! Não empatando: pegada de carbono e/ou respeito pela natureza. Há uns anos era sabido que, para se ter sucesso, bastava rotular uns números grandes (com um gatafunho indicador da moeda) e pôr o vinho numa garrafa com tara de 1,7 quilogramas (verídico).

O vidro é nobre, mas não se bebe. Tive de escrever isto porque o que apresento tem muito «do mundo». É um bom vinho (!), está numa boa garrafa e não pesa uma tonelada. Vidro de qualidade é fundamental para guardar um néctar pelo qual se tem a garantia que vale a pena esperar. Só isso e nem mais um grama.

A outra «metade» do «mundo» é a natureza que se encontra nos vinhos da Quinta de Foz de Arouce. Se há vinhos que merecem ser «acusados» de demonstrar terroir, este é um deles. Quanto a mim, essas sete letras são um acrónimo poético de solo, subsolo, enquadramento geofísico, agricultura e/ou vegetação próxima, casta, fauna, clima, sabedoria agrícola e de adega e… já escrevo a última componente. Não há vinho sem o homem, por isso tem de estar na equação.

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Quinta de Foz de Arouce – Foto Cedida por Quinta de Foz de Arouce | Todos os Direitos Reservados

Podem fazer-se maus vinhos tendo tudo para serem bons, mas o inverso é impossível. É também verdade que há territórios mágicos, onde nascem obras-primas, mas que o pintor compõe a «Gioconda», de Da Vinci, em vez do «Nascimento de Vénus», de Sandro Botticelli. Aí entra a última componente: o produtor – tem de exigir o seu retrato, a sua imagem e linhagem.

A Quinta de Foz de Arouce fica num não-lugar! Não fica na Bairrada, nem no Dão nem noutro sítio. Esta propriedade é única, pois se não fosse haveria, por ali, muitos vinhos desta dimensão.

Se ficasse na Borgonha, Foz de Arouce seria um «Grand Cru», um «Monopole». Aprendi na escola que se situa na Beira (Alta, Baixa e Litoral) – o não-lugar situa-se a 23 quilómetros de Coimbra.

Terei exagerado quando escrevi «Grand Cru»? Este é um vinho que não conheço irmão. Tem uma capacidade de envelhecimento notável. Estamos em 2015 e abri a de 2005. Em plena forma física, elegante, longo, fundo, complexo. Valerá a pena despejar descritores? Todo ele (o vinho) vai e vem, junta e afasta, como numa dança, com o passar do tempo no copo. Tem 14% de álcool e ninguém o diz até o ler no contrarrótulo.

A casa condal tem documentos, datados do século XVII, que referem a qualidade do vinho. Levaria tempo a contar, mas um Senhor de Foz de Arouce pregou uma partida a Filipe III de Portugal (Felipe IV de Espanha), tendo apostado barricas do seu já afamado néctar.

Este – o Quinta de Foz de Arouce Vinhas Velhas de Santa Maria 2005 – é um monumento, e duma casta que ganhou má fama. Hoje já se começam a cantar laudes à baga. Tenha origem no Dão ou na Bairrada, não é um gatinho mimado. Tem garras afiadas e prontas a espetar.

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Quinta de Foz de Arouce Vinhas Velhas de Santa Maria 2005 – Foto Cedida por Quinta de Foz de Arouce | Todos os Direitos Reservados

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João Perry à esquerda e João Portugal Ramos à direita – Foto Cedida por Quinta de Foz de Arouce | Todos os Direitos Reservados

Em termos humanos, João Portugal Ramos – genro do actual conde de Foz de Arouce – é reconhecido como um dos melhores enólogos portugueses. Ali, naquela quinta coimbrã conta com João Perry Vidal, que trata aquelas videiras por tu e conhece o nome de todas as abelhas e joaninhas.

Originalmente só havia vinhas de casta baga. Há uns anos foram cultivadas vides de touriga nacional, criando uma diferenciação entre o Foz de Arouce «normal» e o «vinhas velhas». Nasceu também um vinho branco, da casta cerceal.

Todos bons, mas há o «único».

Contactos
Quinta de Foz de Arouce
3200-030 Foz de Arouce
Lousã, Portugal
Tel: (+351) 268 339 910
Fax: (+351) 268 339 918 / 268 339 916
Email: condefozarouce@jportugalramos.pt
Website: www.fozdearouce.com

Três frescos Fiuza, cada qual com sua cor

Texto João Barbosa

Sou tradicionalista, mas não um talibã do passado. Há alterações que vêm por bem, e muitas resultam – o que, mesmo desgostando-me, me fazem engolir a prosápia. Esta coisa das tradições tem uma fragilidade: houve um dia em que se inventou e por muito tempo não foi essa herança.

Sentença sábia e desarmante coube ao meu enorme amigo Sérgio Carneiro: «As tradições são para serem quebradas». Acrescento: há obrigações para serem transgredidas – essa é outra «cumbersa».

A mudança das designações Estremadura e Ribatejo para Lisboa e Tejo são felizes e por várias razões que não vou enumerar, para não me desviar. Centro-me no Ribatejo, região que sofreu de má fama, devido à falta de qualidade de muitos dos seus vinhos.

A designação do maior rio da Península Ibérica facilita a leitura por parte dos estrangeiros e lava o antigo termo. Há talvez duas décadas que existem produtores de vinho de qualidade na região (ou reconhecidos), mas o número tem vindo a crescer. Dizer e escrever Tejo confere justiça a esses vitivinicultores.

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Fiuza Logo – Foto Cedida por Fiuza & Bright | Todos os Direitos Reservados

Uma casa antiga – sujeito deste texto – é a Fiuza & Bright, que possui cinco propriedades na região. São 25 referências, anichadas em sete famílias: Oceanus (branco, rosé e tinto), Campo dos Frades (branco, rosé e tinto); Native (branco, rosé e tinto); Três Castas (branco, tinto e espumante branco); Monocastas (e bivarietais – alvarinho, chardonnay, chardonnay e arinto, sauvignon blanc, cabernet sauvignon, merlot, merlot e touriga nacional, touriga nacional e rosé de cabernet sauvignon e touriga nacional); Premium (branco e tinto); e Ikon (branco e tinto).

Não bebi muitas vezes os Ikon, mas fiquei com boa impressão dos píncaros da Fiuza & Bright. Sou assíduo consumidor dos vinhos Fiuza em restaurantes, pois garantem qualidade, há variedade e preços «amigos», factor importante porque os comerciantes de restauração carregam nos preços. Esta opção acontece com outros vinhos da região, como os da Quinta da Lagoalva de Cima, que será tema um dia destes.

Quem me conhece, nem que seja pela escrita, sabe que me recuso a indicar vinhos com boa relação de qualidade e preço – depende da bolsa, da importância dada, do conhecimento enófilo e do momento – porém aqui arrisco. Contudo, como sei que existe uma barreira psicológica nos cinco euros, não posso deixar de referir que se trata de vinhos acima desse patamar, em preço de venda ao público.

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Fiuza Sauvignon Blanc – Foto Cedida por Fiuza & Bright | Todos os Direitos Reservados

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Fiuza Touriga Nacional – Foto Cedida por Fiuza & Bright | Todos os Direitos Reservados

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Fiuza Cabernet Sauvignon and Touriga Nacional Rosé – Foto Cedida por Fiuza & Bright | Todos os Direitos Reservados

Em apreciação estiveram três vinhos: Fiuza Sauvignon Blanc 2014, Fiuza Cabernet Sauvignon e Touriga Nacional Rosé 2014 e Fiuza Touriga Nacional 2013. Três vinhos «modernos» – comparando com os tradicionais e de perfil fácil de agradar em toda a parte – com as castas bem expressas e muito fáceis de prazer.

O Fiuza Sauvignon Blanc 2014 tem a virtude do maracujá, toranja e alguma pêra rocha não muito madura. É refrescante e tem um tempo final com nota. Só acontece – mais uma vez demonstro o meu mau feitio – não sou apreciador de vinhos tropicais, especialmente de maracujá. É uma questão pessoal, não é defeito do vinho; até antes pelo contrário, mostra a variedade de uva.

Fiuza Touriga Nacional 2013 exibe a plasticidade da casta, que vai das violetas do Dão; às cerejas, amoras, framboesas, morango e suas geleias e compotas no Douro; aos morangos, salada de frutos do bosque e suas geleias e compotas no Alentejo; à «escuridão» das ameixas quase em passa, um toque de figo, «salada» de frutos do bosque neste vinho, que foi amenizado com estágio de seis meses em barricas de carvalhos americano e francês, conferindo um toque de noz-moscada, baunilha e uma finura distante de caramelo (aguentar no copo).

O favorito, o «engraçado» Fiuza Cabernet Sauvignon e Touriga Nacional 2014. Duas grandes castas que não bulham, mas dançam. Fresco, com verdura de trincar, a evocação de pimento da casta francesa, violetas – é o que dá apanharem as uvas propositadamente para os rosados e ainda com o benefício de baixo teor alcoólico – amoras e morangos.

Contactos
Fiuza & Bright, Lda.
Travessa do Vareta, nº11
2080 – 184 ALMEIRIM
Portugal
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Fax: (+351) 243 579 247
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