Adega Mãe As talhas do senhor José

Colares – A Mais “Ridícula” Região de Vinho do Mundo

Texto Ilkka Sirén | Tradução Teresa Calisto

Ou seja, ridiculamente espectacular! Tenho andado curioso sobre esta pequena região de vinho em Lisboa, desde que provei uma garrafa durante a vindima no Douro em 2008. Num jantar recheado de vinho, provei o meu primeiro golo de Colares. Foi fantástico. Não me lembrava qual o produtor, nem o ano exacto. Só me lembro que era velho. Até que encontrei uma foto, há muito perdida, de mim a segurar essa mesma garrafa na mão. Não se assustem essa foto foi tirada há 6 anos e 20 quilos atrás, mas garanto-vos que sou eu na fotografia. Mas já voltaremos a esse vinho.

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Bebendo Colares em 2008 – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

A região tem uma longa história e é a segunda região demarcada mais antiga de Portugal, datando de 1908. Mas a história da produção de vinho em Colares vem de muito, muito antes, desde os dias do Império Romano. Mas foi o Rei Afonso III de Portugal quem na realidade ordenou que se cultivassem vinhas lá. Consigo imaginá-lo como uma figura do estilo “Game of Thrones”, bêbado, a gritar “MAIS VINHO!” enquanto brandia a sua espada, como o Tyrion Lannister.

Portanto, o vinho tem sido importante para a região de Colares desde há muito tempo. Nos finais do século XIX, o insecto do vinho filoxera destruiu praticamente todas as vinhas na Europa, excepto Colares. As vinhas dessa área estavam cultivadas em dunas de areia, muito perto do mar e a filoxera, esse sacaninha manhoso, não gosta das praias, e as vinhas de Colares sobreviveram a esta catástrofe vinosa.

Enquanto o resto da Europa perdia a cabeça, enxertando e enterrando sapos debaixo das vinhas porque achavam que isso ajudaria a salvar o pouco que tinha sobrado, Colares estava a dar-se bem. Quer dizer, as pessoas andavam a combater estes insectos microscópicos com sepulturas vinícolas de anfíbios! Tempos desesperados pedem medidas desesperadas, acho eu. Mas para Colares, isto foi como ganhar a lotaria. O mundo sofria de uma escassez de vinho extrema e Colares tinha o bilhete dourado. Oferta e procura – BOOOM!! Tenho a certeza que deve ter havido um momento em que Colares estava numa boa trajectória para se tornar numa das maiores regiões de vinho no mundo. Mas isso não lhe estava destinado.

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Dunas de Areia Protegem as Vinhas dos Ventos Fortes – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

A região passou de ser quase o centro do mundo do vinho, para estar à beira da extinção, onde se encontra actualmente. Foi apenas quando tive a oportunidade de visitar Colares que compreendi porque é que nunca poderia ter sido uma região de imenso sucesso. Com certeza que a região merece muito mais atenção, mas nunca será um “vinho mainstream”. É demasiado difícil cultivar vinhas ali. É um trabalho muito intensivo.

Eu visitei uma série de vinhas durante estas vindimas que não estavam a mais de 300 metros do oceano Atlântico. Os vinhedos estão rodeados de paredes de palha e as vinhas estão plantadas em trincheiras de areia, que fazem com que pareçam uma cena do filme Dune de David Lynch. As vinhas alastram-se à vontade no chão e quando as uvas se começam a formar, elas serão levantadas com umas canas para prevenir que as uvas apodreçam.

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Canas Seguram as Vinhas Acima do Chão – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Quando a vindima finalmente chega, apenas podemos imaginar o quão árduo será apanhar aquelas uvas. Podem esquecer a mecanização, a não ser que arranjem forma de prender uns apanhadores de uvas às traseiras de um buggy das dunas, e os arrastem pelo vinhedo sem os magoar.

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As Uvas de Colares não são as Mais Fáceis de Apanhar – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Porquê complicar as coisas então? Bem, os vinhos feitos para a DOC Colares têm que vir de solos arenosos perto da praia e não podem ser enxertadas. No entanto, se quiserem algum subsídio da UE, as vinhas têm que ser enxertadas. Esta Escolha de Sofia vinícola não torna as coisas mais fáceis.

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A Carregar o Tractor – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Depois de visitar as vinhas estava na altura de provar estes vinhos. Fui a uma das caves à moda antiga: a Adega Viúva Gomes para beber um ou dois copos. Eles existem desde 1808 e os seus vinhos são procurados pelos fãs de Colares por todo o mundo.

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A Adega Viúva Gomes – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Na linda cave da Viúva Gomes, provamos um conjunto de vinhos de diferentes produtores locais. As garrafas variavam em estilo e idade, mas houve uma que realmente captou a minha atenção.

Viuva Gomes “Collares” Tinto 1934
Deixem-me começar por dizer que este não é um vinho fortificado, repito, este não é um vinho fortificado. O que torna o seu ano ainda mais surpreendente. Este é um vinho tinto, feito de Ramisco, a uva rei de Colares. Uma casta bastante desinteressante fora da região, mas que em Colares produz vinhos com grande personalidade e uma longevidade notável. O ano 1934 foi o ano em que Adolf Hitler começou o seu reinado e foi também o ano em que Bonnie e Clyde foram mortos a tiro, no meio das florestas de pinheiros do Luisiana, só para vos dar um bocadinho de contexto. É velho.

A partir do momento em que pousam os olhos neste vinho, saberão que ele não é propriamente desta década, nem deste século. O tom castanho claro promete algo amadurecido, algo que sobreviveu ao teste do tempo. No nariz tem uns bonitos aromas terrosos, com insinuações de cereja, pedra esmagada e um toque deste caracter volátil mentolado. Este é um vinho a que eu gosto de chamar um “Vinho Houdini”. Está constantemente a evoluir e a mudar no seu copo. Sempre que levar o nariz ao copo, é um pouco diferente. Quando prova o vinho, compreende porque algumas pessoas são verdadeiros fanáticos destes vinhos. Apenas pura estrutura! Acidez potente com camadas sobre camadas sobre camadas de sabor. Há também este lindo efeito salivante. Um pouco daquele chuto como sal marinho, que faz ficar de água na boca. Um vinho verdadeiramente surpreendente, que é uma grande prova do imenso potencial dos vinhos de Colares.

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Garrafa de Viúva Gomes From 1934 – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Então, de volta ao vinho que deu início a tudo isto. O vinho de Colares que provei em 2008 quando estive no Douro. Enquanto escrevia este artigo, ressurgiu uma antiga fotografia daquela noite e depois de aumentar e realçar a foto, descobri que o vinho que provei em 2008, era na realidade o mesmo Viúva Gomes Tinto de 1934. O mesmo vinho que despertou o meu interesse pelos vinhos de Colares e que reafirmou a minha crença de que os vinhos Portugueses conseguem envelhecer como os melhores.

Agora, não sei o que irá acontecer a esta regiãozinha peculiar de vinho no futuro. Não pode ficar muito mais pequena do que está sem desaparecer por completo da face da terra, e eu não acho que o fará. Parece haver um recém-descoberto entusiasmo pela produção de vinhos de Colares. Há jovens como Hélder Cunha com os seus vinhos Monte Cascas, que estão a produzir coisas bem saborosas e a trazer sangue novo para a região, por assim dizer. Enquanto houver produtores de vinho talentosos, como ele e todos os outros que estão actualmente a fazer vinho em Colares e a preservar o que só pode ser descrito como uma das mais ridículas e no entanto absolutamente fascinantes regiões de vinho no mundo, ainda há esperança.

Contactos
Largo Comendador Gomes da Silva,
2 e 3, Almoçageme
2705-041 COLARES
Tel.: (+351) 219 290 903
Email: chaodeareialda@gmail.com
Site: www.adegaviuvagomes.com

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