Posts By : Sarah Ahmed

Pereira d’Oliveira, Madeira – Do armazenamento à venda ao balcão da adega

Texto Sarah Ahmed | Tradução Bruno Ferreira

Não devem existir muitos lugares no mundo onde se possa comprar ao balcão e directamente ao produtor, uma garrafa de vinho do século 19. Correcção, oito vinhos do século 19 ao balcão.

Photo Credit Sarah Ahmed Pereira d'Oliveira wine list

Lista de vinhos da Pereira d’Oliveira – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Pois bem, na adega da Pereira d’Oliveira no Funchal, podemos. E que tesouro escondido é, repleto de garrafas e barris, digno de um coleccionador. Como é que a Pereira d’Oliveira tem tal fantástica e abundante colecção?! Tão abundante que torna a escolha difícil.

Parte da explicação reside no facto de a Pereira d’Oliveira ser uma amalgamação de seis empresas da Madeira: João Pereira d’Oliveira, João Joaquim Camacho & Sons, Júlio Augusto Cunha & Sons, Vasco Luís Pereira & Sons, Adegas do Torreão e, muito recentemente, Barros e Sousa.

Photo Credit Sarah Ahmed Filipe & Luis Pereira d'Oliveira

Filipe & Luis Pereira d’Oliveira, 6ª e 5ª geração de produtores Madeira – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Mas essa não é a principal razão. Luís Pereira d’Oliveira, juntamente com o seu irmão Aníbal, representam a quinta geração da família à frente do negócio que em 1850 foi fundado por João Pereira d’Oliveira. Sendo o responsável pelas vendas, conta-me a história, uma história que me parece familiar (estou a falar da Caves São João’s million bottle cellar in Bairrada). Revela-me que a empresa apenas começou a exportar há 30 anos porque a terceira e quarta geração – o seu pai, tio e avô – não tinham qualquer interesse em fazê-lo. Os três preferiam vender os vinhos exclusivamente na Madeira e em Portugal Continental, o que explica o porquê de a Pereira d’Oliveira ter 1.600.000 litros de vinho Madeira com mais de 20-30 anos. Uau!

Photo Credit Sarah Ahmed Pereira d'Oliveira deformed Moscatel bottles

Garrafas de Moscatel deformadas da Pereira d’Oliveira – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Apesar de hoje em dia a empresa exportar vinho Madeira para 16 países, velhos hábitos demoram a morrer. Quando pergunto a Pereira d’Oliveira (Luís) sobre a compra da Barros e Sousa, diz-me que apenas aconteceu por uma razão – para ampliar a porta da adega/instalações de 600 metros quadrados (que já é uma das três instalações da Pereira d’Oliveira no Funchal). Com 1030 metros quadrados, a vizinha Barros e Sousa vai ajudar a aliviar a pressão do espaço e permitir à Pereira d’Oliveira manter uma longa tradição de engarrafamento on demand (não existem planos para pôr de parte novos vinhos para perpetuar a marca Barros e Sousa).

Esta prática (engarrafamento on demand) engloba uma concentração tipo elixir e intensiade por que é conhecida esta empresa da Madeira. Por exemplo o Bastardo 1927, engarrafado pela primeira vez em 2007, 60 anos depois dos 20 mínimos exigidos para um Madeira Frasqueira de topo.

Com o seu toque acelerado a “vinagrinho”, o super-complexo estilo da casa é também conhecido por outra tradição de longa duração. O Madeira da Pereira d’Oliveira é envelhecido em barris de madeira muito antigos (a maior parte com mais de 60 anos, alguns até com mais de 100). Um processo que, quando executado devidamente e durante um longo período de tempo, confere uma subtil interacção do vinho, da madeira, do calor e do oxigénio, que lentamente realça as inúmeras camadas.

O mundo moderno venera a rapidez mas aqui não há lugar para isso. Ou como Pereira d’Oliveira o diz, “Não gostamos de andar rápido porque isso pode originar algo desinteressante”. Apesar do contexto desta afirmação ser o de continuar um pequeno e independente negócio de família, espelha profundamente a filosofia de vinificação que aqui se pratica. Uma filosofia que permace intacta desde que o enólogo Filipe da sexta geração se juntou ao seu pai, Aníbal.

Photo Credit Sarah Ahmed Filipe Pereira d'Oliveira behind the counter

Filipe Pereira d’Oliveira ao balcão – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

A política de “manter o rumo sem mudanças bruscas” é também uma benção para os turistas, especialmente para aqueles que frequentemente saem dos cruzeiros e visitam a ilha sem terem carro à disposição. A Pereira d’Olivereira é absolutamente firme no que toca a estar no coração do Funchal e, situada no número 107, na rua dos Ferreiros, esta adega com atmosfera do século 17 (originalmente uma escola) está a um passo do porto, a norte da catedral da cidade..

Embora a selecção de Madeiras para prova impressione, torna-se quase insignificante quando comparado com o que se pode comprar do outro lado do balcão. Com 56 Madeiras single vintage (Colheita e Frasqueria) à venda, pode-se festejar quase qualquer aniversário que nos venha à cabeça. Mas tomem nota, devem contactar o Livro de Recordes do Guinness se o vosso ano de nascimento está compreendido entre 1850 e 1895.

Aqui estão as notas de prova do meu top 7 deste número 107 (preços de adega)

Photo Credit Sarah Ahmed A fine selection of Pereira d'Oliveira Frasqueira madeira

Uma excelente escolha de vinhos Frasqueira – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Pereira d’Oliveira Sercial 1971 (Madeira)
Mogno com reflexos vermelhos. Fantástico perfil da variedade com a sua acidez de toranja, notas doces de tangerina e goiaba. Muito enfumaçado, longo e agradável. Concentração com linha e longevidade. €94/garrafa

Pereira d’Oliveira Terrantez 1971 (Madeira)
Âmbar profundo, com um nariz e palato complexos. Mais rico que o Sercial, com uma acidez a laranja (não a toranja), mais madura e arredondada. No entanto mais seco, mais saboroso com um delicioso suporte de tabaco, cedro e especiarias secas. Muito persistente com um fundo mineral/iodo num final longo. €110/garrafa

Photo Credit Sarah Ahmed Pereira d'Oliveira Bastardo 1927

Pereira d’Oliveira Bastardo 1927 – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Pereira d’Oliveira Bastardo 1927 (Madeira)
Esta garrafa em particular foi retirada do barril em 2014; o 1927 é o único Bastardo da Pereira d’Oliveira, e portanto, extremamente raro. A tonalidade carregada relembra-nos que a Bastardo é uma uva tinta e não branca. É mais robusto, mais doce e com mais fruta no seu palato doce-picante e tâmara amarga. A acidez sumarenta  está bem integrada, misturando-se e extendendo a fruta até um final longo com especiarias escuras, suaves sementes pretas de cardomomo e leve cigarrilha de café crème. O final é um pouco poeirento mas a fruta é generosa o suficiente para manter à distância qualquer adstringência da madeira. €300/garrafa

Pereira d’Oliveira Verdelho 1912 (Madeira)
Esta casa é conhecida pelo Verdelho. Filipe Pereira d’Oliveira diz-me que é um fã do seu estilo meio-seco (e tal como eu, um firme fã do Terrantez). Este tem um um palato avivado fora do comum para um vinho de 102 anos. Não se deixem enganar pela sua tonalidade de mogno maduro – as aparências iludem. Revela goiaba fresca, jovial e picante, chutney de tâmaras carnudas com tamarindo amargo e um toque de pele de toranja. Uma maravilha. Espero ser assim tão cheia de energia se chegar aos 102 anos!! Juntamente com o Terrantez 1880, a minha escolha da prova. €330/garrafa

Photo Credit Sarah Ahmed Pereira d'Oliveira Moscatel cask

Barril de Moscatel da Pereira d’Oliveira – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Pereira d’Oliveira Moscatel 1875 (Madeira)
Já antes tinha tido a sorte de provar um Moscatel muito velho, fino e raro – o 1928 Morris Muscat de Rutherglen e o José Maria Fonseca Apoteca Moscatel de Setubal 1902. Ambos eram intensamente viscosos. Ainda não tinha encontrado nenhum Moscatel na Madeira, mas a imagem de marca da ilha realmente transporta e distingue este Moscatel – diria que é o melhor de entre estes exemplares muito velhos que provei. Por isso, embora tenha uma cor mogno muito escuro, com uma correspondente concentração super intensa de açucar Demerara, escuro, ligeiramente amargo, com especiarias poeirentas(cardamomo preto, tamaraindo), café do campo e melado, é muito nivelado e a acidez bem integrada oferece uma certa precisão já para não falar da impressionante longevidade. Não é viscoso o que confere a este vinho uma fantástica energia e brilho. €760/garrafa

 

Photo Credit Sarah Ahmed Pereira d'Oliveira - the oldest madeiras tasted

Pereira d’Oliveira madeira – os vinhos mais velhos que provei – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Pereira d’Oliveira Terrantez 1880 (Madeira)
Relativamente pálido, naquilo que parece ser um traço dos Terrantez. Muito interessante, mas acima de tudo, uma incrível elegância, longevidade e integração para a idade que tem. Uma boa base de especiarias delicadas e tabaco conferem-lhe linha e entusiasmo. Brilhante equilíbrio e serenidade. Juntamente com o Verdelho 1912, a minha escolha da prova. €780/garrafa

Pereira d’Oliveira Sercial 1875 (Madeira)
É difícil acreditar que este Sercial tem quase mais 100 que o primeiro (também ele um Sercial) dos sete magníficos vinhos que escolhi. A semelhança com a família estão bem patentes,  em termos varietais e estilo da casa. Goiaba, pele de toranja e até umas notas de maça acabada de cortar cantam por entre o véu de fumo e minerais. O seu distinto aroma vulcânico, iodo e algas servem de lebrete palpável do muito peculiar terroir montanhoso, oceânico e vulcânico da ilha. Incrível longevidade, persistência e delicadeza. Acho até que pode ser outro dos meus favoritos… €760/garrafa

Contactos
Rua Ferreiros 107
9000-082 FUNCHAL
( )
Tel: (+351) 291 220 784
Fax: (+351) 291 229 081
Site: perolivinhos.pai.pt

Yes we can: Madeira Vintners – Uma nova abordagem ao Madeira

Texto Sarah Ahmed | Tradução Bruno Ferreira

A Declaração de Independência dos Estados Unidos, assinada em 1776, foi comemorada com um copo de vinho Madeira. Mas não é o terceiro presidente dos Estados Unidos (o autor da Declaração), Thomas Jefferson, que me vem à cabeça quando me encontro com Paulo Mendes. Em vez disso, lembro-me do slogan de campanha de Barack Obama ‘yes we can’.

Blend_All_About_Wine_Madeira_Vintners_Yes_We_Can

“Yes, we can” in onlifesuccess.net

O negócio mais difícil

Mendes, o CEO tenaz e arquitecto de raça rara de uma nova empresa da Madeira, teve que ser criativo, até pouco ortodoxo, uma vez que, como é o primeiro a admitir, “A Madeira Vintners tem uma enorme desvantagem – não tem vinhos velhos”.

Embora Mendes se esteja a referir à desvantagem de recriar o perfil estilístico da Madeira a partir de um stock jovem (o vinho Madeira é em grande parte um casamento de vinhos velhos e jovens), essa falta de vinhos velhos quase foi fatal do ponto de vista legal (descrito mais abaixo). A lei prevê que até mesmo as novas empresas devem possuir 120,000 litros de Madeira.

Blend_All_About_Wine_Madeira_Vintners_Paulo_Mendes_in_full_flow

Paulo Mendes a todo o gás – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Com tudo isto o começo não foi encorajador para este consultor de gestão altamente experiente, que confessa: “no começo eu era o consultor arrogante que pensava que tudo e todos estavam errados”. Quando se deu conta de que “o negócio do vinho é um dos, se não o, negócio mais difícil que eu já vi na minha vida”. Um homem com um curriculum vitae bem considerável voltou a estudar entre 2010-2012, completando MBAs em Wine Marketing & Gestão de Vinhos na Escola de Negócios de Bordéus e em Marketing de Vinhos e Vinificação na Universidade da Califórnia, Davis.

Ainda assim, ele deve ter ido buscar energias ao sucesso da regeneração alcançada na Co-operativa Agrícola do Funchal (“CAF”), o fornecedor de produtos agrícolas e jardinagem que tem sido gerido desde 1999 por este perspicaz estrategista nado da Madeira. Foi o excedente de caixa gerado por esta “profunda” regeneração que incentivou a CAF a diversificar o seu vinho Madeira em 2008 (a Madeira Vintners é uma divisão independente da CAF). Mendes claramente brilha perante os desafios.

Entre a espada e a parede

Naturalmente, de início os planos de Mendes giravam à volta da compra de stocks maduros de vinho Madeira ou da aquisição de uma empresa estabelecida para que cumprisse as normas mínimas de armazenamento e produzir vinho Madeira desde o princípio. Infelizmente, diz-me, nenhuma das empresas existentes estava disponível para vender stock e “perdemos todas as propostas de aquisição”, mais recentemente para a Pereira d’Oliveira, que adquiriu a Barros e Sousa no ano passado. Isto deixou-o entre a espada e a parede.

No entanto, graças a uma vindima generosa em 2012, foi concedida uma isenção especial dos requisitos de armazenamento para novas empresas à Madeira Vintners; a primeira colheita, nesse mesmo ano, foi processada na adega da Barbeito. Com um enorme suspiro, Mendes diz que circulavam rumores a Madeira Vintners não era mais do um veículo estatal criado para comprar os excedentes de uva. Rumores esses que devem ter sido frustrantes já que, e deixando de parte o facto de que a Madeira Vintners (CAF)  é propriedade privada, foram um soco no estômago na estratégia da Madeira Vintners para o sucesso. A Madeira Vintners é altamente selectiva no que toca à origem das uvas.

Má matéria-prima, maus resultados

Blend_All_About_Wine_Madeira_Vintners_Paul_Mendes_with_30kg_(small)_harvesting_boxes

Mendes ao lado de pequenas caixas que podem albergar 30Kg nas quais as uvas são colhidas – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Em relação a esta estratégia, Mendes explica que está a apostar na qualidade e proveniência da sua matéria-prima, numa tentativa de diferenciar a Madeira Vintners da competição. Alerta para a dura realidade de que “ou temos qualidade acima da média, ou estamos mortos” certamente faz sentido porque com apenas vinhos jovens para vender, a Madeira Vintners terá como alvo os consumidores de nível de entrada os quais Mendes acredita não estarem actualmente bem servidos. Descartando muitos dos 3 anos Madeiras, 3 anos de nível de entrada do circuito turístico como “impróprios para consumo, apenas para uso culinário”, acredita que é imperativo para a ilha para aumentar a quantidade de vinhos básicos de qualidade se querem que novos consumidores explorem a categoria e não a descartem.

Por esta razão, abandonou o mercado local e tradicional, de modo a controlar melhor a qualidade da uva. Na opinião de Mendes, porque os produtores da ilha são predominantemente pequenos (muitos dos quais são jardineiros ou agricultores, não viticultores), querem vender as suas uvas à primeira oportunidade e os agentes que operam no mercado são pagos ao quilograma, não há incentivos para que as uvas pendurem até que tenham atingido o equilíbrio ácido e de açúcar correcto. São muitas as uvas, diz, colhidas no nível mínimo de maturação (9% de potencial de álcool) e para Mendes, que franze perante o “Madeira que se parece com Porto,” estas uvas altamente ácidas exigem elevadas adições de açúcar desnecessárias.

Tirando o intermediário da equação, a Madeira Vintners lida diretamente com maiores e contratados produtores que são por sua vez mais profissionais. Ainda assim, a Madeira Vintners trabalha com eles intensivamente para garantir que as vinhas são devidamente cuidadas e as uvas colhidas no momento ideal. Em troca, a Madeira Vintners assegura a compra das uvas colhidas mais tarde e mais maduras, pagando mesmo um valor acima da média aos seus produtores.

Não é o único incentivo financeiro para a qualidade. Mendes também paga mais aos produtores que mantiverem baixos os níveis de ácido glucônico, cuja formação está associada à Botrytis cinerea (um bolor). Se tiver demais a Madeira Vintners não vai sequer vindimar.

Blend_All_About_Wine_Madeira_Vintners_Sorting_Table

Mesa de Selecção – Foto de Madeira Vintners | Todos os Direitos Reservados

O rigoroso processo de seleção continua na nova e brilhante adega da empresa onde, Mendes vangloria-se, a Madeira Vintners é a única empresa a separar as uvas na recepção, bem como na vinha utilizando uma tabela de classificação. Diz que há uma diferença quântica em relação às que são uvas separadas e as que não são; as primeiras têm aromas frutados e nenhuma da rusticidade associada ao bolor. Estimando que 5-10% das uvas colhidas à mão são descartadas, diz, “é doloroso e caro, mas nós acreditamos que, se separarmos as uvas, teremos uvas imaculadas”.

Terroir interessa

Blend_All_About_Wine_Madeira_Vintner_different_growers_different_terroir

Diferentes produtores, Diferentes Terroirs – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Este ano, a Madeira Vintners comprou 110 toneladas de apenas 20 produtores cuja produção anda à volta de três toneladas – uma quantidade considerável para os padrões da Madeira. Permitindo à Madeira Vintners processar cada vindima dos produtores em separado (a adega está equipada com fermentadores de formato relativamente pequenas, albergando entre uma a dez toneladas). “Para quê estragar os vinhos, misturando”, pergunta, “quando você podemos reflectir o produtor, os solos e o clima?”

Ao adoptar esta abordagem de pequenas quantidades, Mendes está deliberadamente a criar diferença em relação à competição. Como diz pragmaticamente, “para sobreviver e trazer complexidade, estamos a trabalhar com o maior número de quantidades quanto possível nas vinhas”, incluindo o Listrão (a.k.a. Palomino) e o Caracol, da ilha vizinha, Porto Santo, cujos solos calcários diferem do terreno vulcânico da Madeira. Interessado em agradar a um novo público, do qual, admite, os conhecedores costumam fazer parte. Mendes tem como objetivo “levar ao entusiasta da Madeira uma nova abordagem em que as ‘terroir’ interessa”, considerando mesmo a rotulagem dos vinhos por produtor e/ou vinha.

O Pequeno colisor de partículas da Madeira

Large_Hadron_Collider_news_discovery_com

Large Hadron Collider in news.discovery.com

A complexidade derivada do Terroir é uma coisa, mas então e a intensidade e complexidade únicas derivadas do envelhecimento dos melhores Madeiras (com cinco ou mais anos)? Essas características (tradicionalmente obtidas através da oxidação do envelhecimento em barril) definem o vinho Madeira e são um pré-requisito para a obtenção de selo de aprovação do Instituto do Vinho da Madeira. Será que o tempo será um inimigo de Mendes até ter acumulado stock de vinhos velhos?

Enquanto diz “Por sermos uma nova empresa não significa que não acreditemos que o tempo é fundamental”, Mendes acredita ter encontrado uma solução alternativa – os seus próprios aceleradores de partículas de vinho Madeira. Essencialmente, trata-se de “utilizar vários e diferentes processos na adega”, que, se tudo correr como planeado, vai ajudar a atingir a complexidade e perfil dos Madeiras 5-10 anos em apenas três anos.

Blend_All_About_Wine_Madeira_Vintners_Tinta Negra_fermented_on_skins_versus_free_run_juice

Tinta Negra fermentada em pele versus sozinha – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Durante a fermentação, estas técnicas incluem, a fermentação em barril, maceração a frio, flotação, fermentação completa da pele e fermentação maloláctica. Fez parte de um programa de degustação de vinhos de 2013 que mostrou como esses métodos podem alterar o perfil do Madeira, às vezes de forma dramática.

A Fermentação em barril introduziu uma maior complexidade derivada de madeira e cognac (os barris foram adquiridos a Remy Martin). Quanto maior for o barril (que variam desde 350 litros a 600 litros), melhor a integração do carvalho.

Blend_All_About_Wine_Madeira_Vintners_Old_&_new-small_format_tanks_&_Remy_Martin_casks

Cubas de pequenas dimensões versus barris Remy Martin – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

A maceração a frio em peles durante três dias antes da fermentação produziu um Malvasia mais escuro, com mais especiarias e textura, mais homogéneo e desenvolvido. Um Caracol de 2014 fermentado em peles é muito mais escuro e mais intensamente frutado e picante.

Também foi fascinante ver a diferença entre vinhos fermentados com o sem temperatura controlada (20 graus Celsius). O controlado originou um vinho muito mais equilibrado, com mais frutas e fragrância para equilibrar o álcool.

Blend_All_About_Wine_Madeira_Vintners_with_temperature_controlled_fermentation_vats

Mendes com as cubas de aço inox com temperatura controlada – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Embora cerca de 10% dos vinhos estarem a ser envelhecidos em canteiro (barril) durante um período mínimo de cinco anos, Mendes afastou-se da tradição em relação ao processo de aquecer os vinhos em tanque, estufagem (tradicionalmente os vinhos são mantidos durante três meses a 45-50º C). A sua abordagem mais diferenciada visa introduzir uma maior complexidade – diferentes opções de mistura – através de diferentes tamanhos de estufa (40,000 litros, 10.000 litros e 1,000 litros) e de aquecer as estufas a temperaturas ligeiramente mais baixas do que o normal, com variações de temperatura mais lentas e ao longo de períodos mais longos. O objetivo é imitar o envelhecimento em porão de carga de quando o Madeira foi transportado pelo Equador alcançar o seu paladar de assinatura a terra queimada (madeirado).

Blend_All_About_Wine_Madeira_Vintners_micro-oxygenated_estufas

Micro-Oxigenação durante a estufagem – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Mendes também está a apostar na utilização da micro-oxigenação durante o processo de estufagem para replicar a oxidação tradicional em barril. Das amostras de 2014 que provamos, os que tiveram um trabalho de oxigênio provaram ser mais encorpados – mais precoces.

Sem coragem não há glória

Ainda sem vinhos para mostrar o fruto dos seus esforços, a pergunta à qual todos esperam resposta é, conseguirá este underdog remar contra a maré da tradição, ou correrá Mendes o risco de se tornar um cruxificado messias como o actual presidente dos Estados Unidos? Só o tempo o dirá, mas, como dizem, sem coragem não há glória.

Blend_All_About_Wine_Madeira_Vintners_variety_is_the_spice_of_life

A variedade é o sabor da vida – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Estou ansiosa para provar os primeiros lançamentos da Madeira Vintner. Eles estão actualmente agendados para 2016, desde que Mendes (e os clientes seleccionados) ache que estão prontos.  Enquanto os vinhos fortificados lutam para permanecer importantes à geração X e Y, a nova perspectiva de Mendes sobre o Madeira – vinhos baseados em terroir, complexos, mas limpos com álcool inferior mas equilibrado (18 graus no máximo) e níveis de açúcar e acidez mais baixos – é certamente um ponto de vista bem-vindo.

Contactos
Cam. Sao Martinho, 56 Funchal
Madeira 9000-273
Portugal

Eu e a minha sombra: Na estrada com Luís Sottomayor, vindima do Douro 2014

Texto Sarah Ahmed | Tradução Bruno Ferreira

A cada vindima no Douro, Luís Sottomayor acumula em dois meses, cerca de 10 a 15 mil quilómetros em viagens até às várias vinhas e adegas para avaliar as uvas e fazer vinho. Trabalho duro! Mas, para o Enólogo Director da Sogrape, é, de longe, a sua época favorita do ano. No final de Setembro passei três dias a acompanhar Sottomayor para saber mais sobre a vida no dia-a-dia de um Enólogo Director numa vindima.

Então o que é que eu descobri na nossa viagem da vindima de 2014? Bem, para começar, deixem-me dizer que não foi surpresa nenhuma quando Sottomayor me confidenciou que teria seguido uma carreira no exército se não tivesse seguido a tradição da família e entrado no negócio do vinho. O homem tem nervos de aço. Supervisionar uma tão vasta vindima é quase equivalente a uma expedição militar, mesmo sendo a sua 26ª vindima.

Por um lado é necessário um delineamento estratégico, especialmente no pleaneamento antecipado. O primeiro passo consiste em averiguar as exigências de produção de cada um dos tipos de vinho, DOC Douro e Porto, bem como de cada uma das marcas (includindo Ferreira, Sandeman, Offley e Casa Ferreirinha). Depois é necessário saber qual a melhor maneira de responder a essas exigências, com recurso aos 500 hectares de vinhas da Sogrape e aos fornecedores (de uvas e vinho). Um plano  evidencia as uvas que serão escolhidas, quando e como.

Prepared for rain or shine harvesting a Sairrao

Na Quinta do Sairrão em S. João Pesqueira, preparados para a vindima, faça chuva ou faça sol – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Por outro lado uma “expedição” como uma vindima requer reacções rápidas. Onde não se considera as oscilações climatéricas da mãe natureza, compensa ser flexível. A vindima de 2014 é um exemplo perfeito. Embora Sottomayor e a sua equipa revejam semanalmente o plano delineado em Agosto, a chuva intensa obrigou a contínuas alterações do calendário das vindimas (talvez com um desvio de 20% em relação ao plano original, diz o prório Sottomayor). Além do mais, com a produção em baixa, foi necessário encontrar novas fontes de fornecimento de uva.

Luis Sottomayor a

Luís Sottomayor, ou o Sr. Tesouras de Poda como também é conhecido na Quinta do Caêdo – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

É necessário um “exército” – entre 200 a 300 pessoas – durante o período das vindimas, o que significa que é essencial uma soberba capacidade de liderança. E Sottomayor, ou o Sr. Tesouras de Poda como também é conhecido, está perfeitamente preparado para dar o exemplo. O reconhecidamente exigente enólogo é fotografado na Quinta do Caêdo a retirar os cachos apodrecidos pela chuva. Naquele momento até me perguntei se ele iria assumir o papel de instrutor, subir as calças, entrar nos lagares e supervisionar a pisa da uva!

Mas estou a divagar. Vamos começar pelo princípio, na Quinta do Porto em Sabrosa, perto do Pinhão, onde passamos uma manhã húmida e nublada com o proprietário e viticulutor Vitorino a provar o Tinta Roriz. O objectivo? Avaliar o tamanho das bagas (que terá impacto na produção), quando deverão as uvas ser colhidas e qual o seu destino – no vinho do Porto ou do Douro e a que nível de qualidade. Para Sottomayor, apesar da utilização das imagens de satélite para ajudar na avaliação do nível de maturidade das uvas, não existe substituto a uma visita às vinhas para provar as uvas.

Luis Sottomayor with Vitorino at Q do porto a supplier photo credit Sarah Ahmed166

Luís Sottomayor com Vitorino na Quinta do Porto – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Lição número um, evitar as uvas das vinhas que circundam o vinhedo. O solo é mais rico e mais produtivo e portanto não representativas. Então emaranhamo-nos no vinhedo onde provamos a Tinta Roriz de duas parcelas diferentes. Sottomayor reconhece então que a primeira terá como destino vinhos básicos ou Portos enquanto que a segunda, que já mostra uma melhor estrutura e perfume está destinada a voos maiores. A primeira será fermentada em cubas e depois extraída gentilmente. Quanto à de melhor qualidade “Vamos extrair tudo” diz Sottomayor, que devido às suas condições amenas vai caracterizar o ano 2014 para a Tinta Roriz, uma casta que só se dá bem a cada dez anos. Será pisada nos lagares.

Também demos uma primeira vista de olhos às vinhas Touriga Franca. Embora ele descreva a casta como “normalmente o melhor amigo do enólogo”, a chuva não tem ajudado. Como Sottomayor tinha antecipado, tem os primeiros sinais de apodrecimento (a Touriga Franca tem cachos relativamente compactos e assim, quando chove muito as uvas incham, exercendo força umas sobre as outras, podendo acontecer rompimento o que abre portas a uma possívle infecção). Um cheiro a vinagre (sumo de uva oxidado) evidencia os cachos mais afectados, mas claro que Sottomayor olha além das mais superficiais e puxa os cachos para averiguar se há rompimento ou apodrecimento. A decisão é que a vindima deve ser executada rapidamente, num prazo máximo de dois dias.

douro sogrape pics 201

Vindima em Sousão na Quinta do Caêdo – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Rapidamente atravessamos o rio e nos pusemos a caminho das Quintas do Vau e do Caêdo em Ervedosa do Douro onde está uma equipa a arduamente vindimar as vermelhas Sousão (daí as caixas floridas com manchas roxas). Enquanto caminhamos pelo vinhedo, Sottomayor descarta à volta de doze cachos em rápida sucessão, ao mesmo tempo que explica que é necessário retirá-los porque durante o transporte as uvas apodrecidas iriam destruir [e manchar] os restantes 25Kg da caixa.

Como Sottomayor tinha previsto e apesar de um início de dia pouco auspicioso, ao meio-dia o sol aparece e vamos para a frente com o nosso almoço-piquenique entre as vinhas. A seguir é a Quinta do Seixo (Valença do Douro) para provar amostras de fermentação e uvas fermentadas que foram colhidas antes das chuvas intensas. Estas escuras, ricas mas equilibradas componentes de mistura confirmam que se não fosse a chuva, este poderia ter sido um ano clássico de Porto Vintage.

Inky Port samples at Seixo photo credit sarah ahmed 279

Amostras tintadas na Quinta do Seixo – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

É divertido provar os Portos na sua crua juventude e contrastar com a mistura de vinhas de uma única casta, a Tinta Francisca (floral e elegante). É a primeira vez que provo esta casta a “solo” e, transpira, a primeira vez que Sottomayor a faz. Esta relativamente rara casta foi apenas plantada em 2008 e por isso quer tirar-lhe as medidas. Normalmente para melhor entrosamento e equilíbrio prefere co-fermentar, juntamente com castas diferentes (e com exemplares de diferentes vinhas) do que misturar antes da fermentação. A vindima é planeada de acordo com isso.

douro sogrape pics 250

Luís Sottomayor com Eduardo Gomes a provar Touriga Nacional – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Depois da degustação vamos visitar as vinhas nas quais Sottomayor e o Eduardo Gomes me proporcionam uma masterclass na identificação das uvas da Touriga Nacional que estão prontas a ser colhidas. Primeiro, quando se retira uma uva, esta deve sair facilmente do cacho. Depois, quando a apertamos, devagar, com o polegar e o indicador, se estiver madura e pronta a ser colhida retem as marcas dos dedos. As peles maduras não devem ser amargas nem vegetais, mas a melhor pista para a qualidade dos taninos são as grainhas. Devem desfazer-se na boca. A polpa deve reter uma boa acidez e perfume.

Embora Sottomayor reconheça que mais uma semana de permanência em vinha permitiria à Touriga Nacional do primeiro local (solos mais pobres) atingir a maturação perfeita, há que ser pragmático. Está prevista muito mais chuva para o dia 7 de Outubro e portanto a decisão é de as colher no dia seguinte. Nisto diz o Eduardo Gomes “Temos dois chapéus, o de viticultor e o de enólogo, hoje ganha o viticultor.”. Mesmo assim, Sottomayor acha que a Touriga Nacional vai alcançar o patamar DOC Douro/Porto Vintage. Quanto à parcela de vinhas que visitamos com solos mais ricos, perto do curso de água, é outra história. Não está tão madura e precisa de mais uma semana antes de ser colhida.

Luis Sottomayor tasting with a supplier photo credit Sarah Ahmed 288

Luís Sottomayor em degustação com um fornecedor – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

No segundo dia passamos por um fornecedor independente para avaliar a qualidade de alguns novos e básicos Portos, isto a caminho do mais alto vinhedo da Sogrape, os consideráveis 120 hectares da Quinta do Sairrão em S. João da Pesqueira. Elevando-se (desde so 120m) até 700 acima do nível médio das águas do mar e os seus pontos mais altos fazem com que seja um dos mais incrivéis e ultimamente mais escolhidos vinhedos. Desde 2006 que tem sido um contributo para a altíssima Casa Ferreirinha Barca Velha e é também responsável pelo aparecimento de um novo vinho branco, o Casa Ferreirinha Antónia Adelaide Ferreira 2012.

Excepcionalmente, porque a chuva foi pior no cimo do vinhedo, as vinhas mais altas estão a ser colhidas primeiro. Como é esperado, uma das coisas boas que a elevação traz é boa exposição ao vento. Isso ajuda a secar a fruta. Para tirar o máximo partido disso, na semana anterior Sottomayor deu instruções para se desfolhar as vinhas da Touriga Nacional e da Touriga Franca de modo a expor as vinhas ao sol. No entanto, de preferência ambas ainda precisam de uma quinzena para desenvolvimento do sabor e maturação ideal dos taninos. Embora reconhecendo que é um risco, é um risco pesado com base no facto de ainda poderem atingir a qualidade de Reserva. É um risco que está preparado a correr, adicionando, “Se chover, vimos a correr!”. Num tom mais feliz, a Tinta Roriz das vinhas mais altas está com óptimo aspecto e será colhida neste dia.

deleafed vines at Sairrao 302

Vinhas desfolhadas na Quinta do Sairrão em S. João Pesqueira – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

A seguir provamos alguns vinhos brancos directamente do lagar e das barricas, todos colhidos antes da chuva. Sottomayor está extremamente satisfeito com a qualidade apresentada dizendo mesmo “Melhor do que em 2013, mais ácido e muito limpo” (Este sentimento foi reforçado pela degustação final na Quinta do Cavernelho em Vila Real no caminho de volta ao Porto).

Enquanto provamos Rosés, Tintos e Portos da Quinta, produzidos a partir de uvas colhidas antes e depois das chuvas, Sottomayor realça as vantagens de ter tantos componentes para lotear, bem como de sítios diferentes, à sua disposição (e dentro desses sítios, os diferentes aspectos e diferentes elevações). E por falar nisso, o nosso dia termina com a visita a mais alguns produtores de vinho e à Adega Cooperativa de Freixo de Numão, onde das 4 amostras concordamos quais as duas que melhor encaixavam no Ruby e no Tawny.

Harvest at Leda Credit Sarah Ahmed

Vindima na Quinta da Leda, Almendra – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

No terceiro dia estamos no coração do Douro Superior e de visita à jóia da coroa da Sogrape no que toca a vinhos tintos DOC Douro, Quinta da Leda em Almendra, a principal fonte de Barca Velha. Para acelerar o processo, o enólogo residente António Braga tem aqui hoje, 50 pessoas a vindimar. Diz que foi um ano pouco ortodoxo com 90mm de chuva durante a vindima, número esse que, em 2005, representou a precipitação de todo o ano!

Embora tenha resultado em alguma diluição e apodrecimento, Braga diz que o tempo quente que se seguiu ajudou à recuperação das vinhas. Acredita que “No entanto é um ano muito, muito bom para as uvas colhidas após a chuva. E um ano fantástico para uvas colhidas antes da chuva” (e ficou patente nas amostras que provamos). Além do mais, mesmo sendo as uvas Touriga Franca sempre mais pequenas na Leda, a divisão dos cachos não é tão problemática como nos outros sítios.

Ainda assim, mesmo as uvas sendo mais diluídas do que o habitual, Sottomayor decide que elas precisam de mais 7 a 10 dias para se concentrar – será a última casta escolhida, o que é arriscado, por isso os dois concordam em colher algumas parcelas mais cedo de modo a mitigar o risco . Pelo menos há menor probabilidade de ser comido pelos javalis que se alimentam das vinhas. Aparentemente, eles preferem (castas mais doces) a Touriga Nacional e a Tinta Barroca.

Luis Sottomayor & Antonio Braga tasting at Leda Credit Sarah Ahmed

Luís Sottomayor em degustação com António Braga na Quinta da Leda, Almendra – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Como no que toca ao consumidor final, o que interessa é a qualidade dos vinhos quando acabados. Não vamos falar de batalhas, será que Sottomayor ganhou a guerra em 2014? Apesar de ter dito que a qualidade dos tintos só ficaria mais latente em Novembro, depois dos vinhos terem concluído a fermentção maloláctica, quando o encontrei em Londres, uns quinze dias depois numa antevisão do Sandeman Cask 33 Very Old Tawny Port, disse-me que apesar da vindima ainda estar a decorrer (e estava a chover naquele dia na Quinta do Sairrão), estava “muito feliz” com a qualidade do vinho, incluíndo Touriga Franca que tinha sido colhida uma semana antes.. “belos aromas, mas ainda está a fermentar, veremos..”. Não é apenas um homem de precisão militar, é também um político!

Cinco dias depois recebi o relatório da vindima da Sogrape. Aqui está o que diz em relação ao Douro:

“Na Quinta do Seixo, a vindima começou dia 4 de Setembro, com uvas da Quinta e uvas da Quinta do Caêdo, das vinhas mais próximas ao Douro e com exposição a Oeste e a Sudoeste. No dia 15 de Setembro já tinham sido colhidas 600 toneladas e o entusiasmo entre os trabalhadores das adegas era perceptível devido à qualidade das uvas que iam chegando e aos resultados alcançados durante a fermentação.

Eduardo Gomes, o responsável pela vinificação nesta adega, atribuiu o resultado ao nível de consistência apresentado durante o período de maturação, devido ao clima ameno. Não houve calor excessivo, as plantas não passaram por nenhuma falta de água, e isto resultou em uvas de qualidade e muito saudáveis.

Da mesma forma, na Quinta da Leda no Alto Douro, as expectativas também foram elevadas no início da vindima, pelas mesmas razões. António Braga, o enólogo residente neste adega, realça uma maturação lenta, durante o qual a videira funcionou bem, o que significa que as uvas que entraram adega estavam em boa condição fisiológica.

Agora, a vindima está praticamente a acabar, e o Enólogo Chefe da Sogrape Vinhos na região do Douro, Luís Sottomayor, diz que os vinhos 2014 são de muito boa qualidade, e está, justificadamente, muito satisfeito. Apesar de a vindima ter decorrido praticamente durante duas semanas de chuva, isto adicionou frescura, um bom sabor frutado e um amplo volume dos vinhos na boca.

As condições climatéricas que se verificaram durante a maturação e durante a vindima afectou as principais castas de uvas de forma diferente. Em particular favoreceu a Tinta Roriz. De acordo com Luís Sottomayor, 2014 foi o ano para esta casta, uma vez que beneficiou de um ciclo de crescimento fresco, sem picos de calor, o que levou as condições ideais para a maturação. A formação da uva foi uniforme e a pele desta casta resistiu aos efeitos da chuva e deu origem excelentes vinhos. Por outro lado, a variedade Touriga Franca, que prefere altas temperaturas e tempo seco, não estava no seu melhor nesta época de chuva. No entanto, os vinhos feitos no início da vindima de 2014, quando não havia chuva, são de boa qualidade.

2014 também foi um bom ano para os vinhos brancos, porque, na opinião de Luís Sottomayor, foi um ano que promoveu boa acidez e expressão aromática, o que resultou nalguns vinhos elegantes. No entanto, a quantidade foi um pouco menos do que no ano anterior, em especial nas áreas mais altas. ”

Contactos
Rua 5 de Outubro, 4527
4430-852 Avintes
Portugal
Tel: (+351) 227-838 104
Fax: (+351) 227-835 769
E-Mail: info@sograpevinhos.com
Website: www.sograpevinhos.com

Jen Pfeiffer: Sou uma rapariga de Fortificados!

Texto Sarah Ahmed | Tradução Bruno Ferreira

Jen Pfeiffer, da Pfeiffer Wines, a principal enóloga australiana de vinhos fortificados, reconhece que provou vinho do Porto pela primeira vez antes de completar 10 anos. Referindo-se à sua infância afortunada, diz: “Cresci a pensar que era normal ter jantares com Porto Vintage todas as semanas! “. Este ano, na Quinta dos Murças, Pfeiffer cumpriu o sonho de fazer o seu próprio vinho do Porto. Encontrei-me com ela no Douro para saber mais sobre o seu mais recente projecto e fascínio por tudo o que é vinho fortificado.

Quando veio pela primeira vez ao Douro?

Visitei pela primeira vez o Douro com os meus pais quando tinha 10 anos. Lembro-me de me divertir com os balonges (cubas de fermentação em forma de cúpula) e com a viagem de comboio até ao Pinhão. Jantamos lá com o David Baverstock na Quinta do Bomfim da Dow’s, o que é engraçado, porque o David agora lidera a vinificação da Quinta dos Murças!

Esta é a segunda vez que está a fazer vinho no Douro. O que a atrai para o Douro e para Portugal?

Tendo em conta a minha paixão pelo Porto Vintage, ter a oportunidade de trabalhar no Douro foi o meu Santo Graal da vinificação, e só esperava que fosse um ano Vintage. Tive sorte suficiente para o fazer [na sua primeira visita, em 2007, Pfeiffer trabalhou para The Fladgate Partnership na Quinta da Roeda].

Fui embora com um enorme sentimento de conexão com a região e sempre haverá uma parte de mim que pertence aqui. Adoro a tradição e cultura de vinificação que aqui existem há séculos, a bondade das pessoas, o sal da terra, o senso de comunidade nas diferentes aldeias e o intenso esforço humano que durante séculos foi empregue a produzir as vinhas e o vinho. Para mim, o Douro é um lugar mágico.

Blend_All_About_Wine_Jen_Pfeiffer_Im_A_fortified_GIrl_Lagares

Jen Pfeiffer nos Lagares da Quinta dos Murças – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

A minha segunda visita não só confirmou a intensidade da relação que tenho com esta região, como também me concedeu uma nova oportunidade com a qual apenas sonhava. Não estou apenas a fazer o meu próprio Porto, estou também a trabalhar num lugar muito diferente, o que tem sido maravilhoso e muito educativo, especialmente porque a Quinta dos Murças faz bons vinhos de mesa, tão bem como os Portos.

Aprendi muito sobre a estrutura de vinhos de mesa do Douro – a extensão e finesse dos taninos e, dependendo da mistura, a elegância e o perfume ou a densidade e a riqueza da fruta. Não me tinha apercebido que os vinhos tintos fossem tão trabalhados nos lagares – não muito diferente do Porto.

Blend_All_About_Wine_Jen_Pfeiffer_Im_A_fortified_GIrl_dad

Chris & Jen Pfeiffer na adega dos barris da Pfeiffer Wines’, em Rutherglen – Foto Cedida por Pfeiffer Wines | Todos os Direitos Reservados

Produz uma vasta gama de vinhos fortificados (o famoso fortificado Muscats e Topaques de Rutherglen e outros feitos utilizando as técnicas do Sherry e do Vinho do Porto) e também tintos, brancos, doces e espumantes. Qual é o que lhe dá mais prazer a fazer?

Os fortificados, sou uma uma rapariga de fortificados! Para mim são os vinhos mais desafiantes. Misturar colheitas, variedades e lotes de modo a manter um vinho fantástico durante 50 anos significa que posso estar no meu estado mais criativo e adoro isso. Vindo de Rutherglen, a qualidade, intensidade e aromas do Muscats e Topaques pode ser excitante, tal como trabalhar com os muito delicados vinhos Apera [estilo Sherry] debaixo da flor com quase nenhum enxofre – é preciso um conjunto de diferentes competências. No final de contas, todos são os meus bebês – Não consigo destacar um fortificado como favorito!

Qual é o que gosta mais de beber?

Adoro o Riesling, o Shiraz e, claro, os grandes vinhos fortificados do mundo. Como é óbvio, aqui no Douro estou a gostar muito de beber Porto, especialmente depois de jantar o Porto Tawny 20 Anos porque já desenvolveu uma grande complexidade.

É um modelo raro para uma nova geração de enólogos de fortificados. Qual é a importância de manter a chama acesa para os vinhos fortificados?

É incrivelmente importante continuar a divulgar os vinhos fortificados – Nunca vou parar de partilhar pelo mundo fora o meu entusiasmo por estes vinhos e estou envolvida em iniciativas educacionais na Universidade de Adelaide e na Wine & Spirit Education Trust. Dentro da indústria de vinho de Rutherglen, jovens enólogos formaram um grupo chamado Rutherglen Young Bloods (Sangue Jovem de Rutherglen) cujo objetivo é levar o vinho da região para o mercado e mostrar sua relevância.

Um dos objetivos é mostrar às pessoas a versatilidade dos vinhos fortificados (não são apenas um digestivo para depois do jantar). Estes vinhos dão grandes aperitivos e podem formar a base de algumas misturas de bebidas fantásticas. Pfeiffer Seriously Pink Apera foi inspirado no tempo que passei na Quinta do Roeda onde é produzido o Croft Pink Port; os mixologistas estão a utilizar o nosso Aperas em cocktails. É uma óptima maneira de apresentar o vinho fortificado aos jovens.

Blend_All_About_Wine_Jen_Pfeiffer_Im_A_fortified_GIrl_Seriously_Pink

Pfeiffer Seriously Pink – Foto Cedida por Pfeiffer Wines | Todos os Direitos Reservados

Também há espaço para melhorar na maneira de servir vinhos fortificados com comida, o que também iria aumentar a sua relevância. Na porta da adega Pfeiffer Wines’ estamos sempre à procura de maneiras de introduzir os vinhos às pessoas, por exemplo, High Tea com Topaques e Muscats. Também apresentamos alguns pratos salgados que deixam as pessoas boquiabertas, como o Rutherglen Classic Muscat com gaspacho, terrines e patés com chutneys de frutas.

E, claro, a coisa mais importante é colocar os vinhos à frente de tantas pessoas quanto possível, porque geralmente quando alguém prova um vinho fortificado de boa qualidade, torna-se “viciado” !!!!

Eu gostei muito ajuizar no “The Fortified Wine Show da Austrália”. As masterclasses são uma maneira inteligente para juízes seniores para compartilharem a sua paixão, conhecimento e experiência com outros juízes. Na minha opinião Portugal deveria organizar uma mostra internacional de vinhos fortificados. O que acha?

Blend_All_About_Wine_Jen_Pfeiffer_Im_A_fortified_GIrl_Wine_Show

Rutherglen Wine Show – Os Juízes, Setembro de 2013 – Foto Cedida por Rutherglen Wine Show | Todos os Direitos Reservados

Adoraria que Portugal tivesse uma mostra de vinhos fortificados. Viria e ajuizaria !!!! Seria também uma oportunidade fantástica para juntar pessoas relacionadas com os vinhos fortificados para um intercâmbio cultural e de perspectiva global sobre a categoria. Haveria muita energia e paixão na sala!

O Douro e Rutherglen são ambos famosos pelos seus vinhos fortificados. Trabalhou em ambas as regiões. Que semelhanças e diferenças que vê?

Blend_All_About_Wine_Jen_Pfeiffer_Im_A_fortified_GIrl_Glass_in_hand

Jen Pfeiffer na Adega da Quinta dos Murças – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Nós partilhamos uma forte e enraizada tradição e cultura de vinificação inter-geracional que é tão importante com os fortificados porque é mesmo preciso amadurecer o stock para os melhores vinhos. Além disso, trabalhar numa empresa familiar de sucesso é trabalhar com alguém que já lá esteve antes, e portanto podemos falar sobre isso – Rutherglen tem grandes parcerias entre pai e filho como Mick e David Morris da Morris Wines e Bill e Stephen Chambers da Rosewood Chambers e, claro, a sinergia entre mim e o meu pai. Todos nós sabemos o quanto é importante compreender o passado dos vinhos para compreender o seu futuro. No Douro, ao trabalhar primeiro com o David Guimaraens, e, agora com o David Baverstock, fui como uma esponja a absorver tanto quanto pude.

Blend_All_About_Wine_Jen_Pfeiffer_Im_A_fortified_GIrl_In_the_vineyards

Jen Pfeiffer nas vinhas da Quinta da Murta – Foto Cedida por Pfeiffer Wines | Todos os Direitos Reservados

Caso contrário, o Douro e Rutherglen são claramente partes do mundo muito diferentes, com um terroir diferente. Não apenas nos perfis de solo (o xisto do Douro versus o barro vermelho sobre argila e apartamentos arenosos e fluviais de Rutherglen), mas, por exemplo, o Douro tem elevação e aspectos diferentes, devido à sua localização montanhosa enquanto Rutherglen é plana, com média de apenas 165 m acima do nível do mar . Os níveis de cultivo e de idade videira são também muito diferentes.

Embora Rutherglen tenha algumas das mais antigas plantações australianas de castas portuguesas, apenas têm cerca de 20 anos, o que significa muito tempo a recuperar. Ainda assim, vejo semelhanças varietais, a riqueza no palato, generosidade da fruta e taninos finos e longos do Touriga Nacional, e a maturação e plenitude do Tinta Barroca. Por outro lado, ao contrário do Douro, o Tinta Roriz não é grande em taninos na Austrália – talvez seja um clone diferente? E o nosso Muscat [Moscatel] é tinto e saiu muito mais maduro do que o branco Moscatel Galego do Douro.

Desde 2004, a Pfeiffer tem, por vezes, co-fermentado diferentes variedades de distitnos blocos de vinhas [em vez de misturar vinhos de variedade única] para obter complexidade e plenitude. No entanto, na minha primeira viagem consigo recordar-me de estar realmente surpresa com o facto de esta ser uma necessidade nas vinhas multi-varietais [variedades misturadas] mais velhas do Douro. Embora tenhamos sempre escolhido com base na maturidade das castas individuais, as vinhas multi-varietais são colhidas como um todo no que toca à maturidade do bloco. Agora percebo que é parte da cultura do Douro olhar para o vinho (não para as uvas individualmente ou componentes varietais), ao avaliar um vinho.

Quão bom é estar de volta a fazer vinho no Vale do Douro, depois de sete anos? O que significa para si fazer Vinho do Porto aqui para sua própria marca?…

Blend_All_About_Wine_Jen_Pfeiffer_Im_A_fortified_GIrl_Jens_Port

O Porto da Jen na Quinta dos Murças – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

É maravilhoso. Assim que avistei a primeira vinha pela janela do comboio senti-me em casa – parte de mim pertence ao Douro e eu sinto que estive longe demasiado tempo. Quando fui embora, em 2007, disse que o meu sonho seria um dia ser dona de uma quinta aqui no Douro e produzir so meus próprios vinhos para vender na Austrália. Embora não tenha feito exactamente isso, ter a oportunidade de trabalhar com uma empresa progressiva como a Quinta dos Murças e fazer meus próprios vinhos aqui para depois vendê-los na Austrália é como um sonho tornado realidade. Estou extremamente entusiasmada por estar realmente a acontecer.

Os meus vinhos são feitos a partir de várias parcelas de Tinta Roriz, Touriga Nacional, Tinta Barroca, Tinta Amarela e uma pequena quantidade de Touriga Franca, que tenho seguido desde a colheita passando pela fermentação até ao barril. Quando voltar para a Austrália vou degustar regularmente amostras, de modo a monitorizar o progresso dos meus vinhos e, depois de ter completado a vindima em Rutherglen na próxima primavera, vou voltar e provar cada barril e realizar as misturas para engarrafamento.

Conte-nos sobre o projeto Naked Wines e o mercado para os vinhos deste projeto.

O meu projeto surgiu porque a Naked Wines da Austrália – o grupo de crowd-funding para os produtores de vinho – convidou os seus membros (que são conhecidos como “anjos”) para votarem em um de três projetos do “Australian winemakers’ dream-come-true”. Se um produtor tiver 2.000 votos, o projeto avança. No espaço de três dias, os três projetos tiveram 2000 votos! O meu vinho Porto e Douro dos Murças será vendido on-line na Austrália através da Naked Wines. É muito cedo para dizer se o meu vinho vai ser um Porto Vintage, um Late Bottled Porto Vintage ou um Reserve Ruby.

Uma vez que os outros dois projetos estão na Austrália estou muito agradecida pela atitude “Consegues fazer!” do David Baverstock e da sua equipa na Quinta dos Murças que me ajudaram a transpor aquilo que não passava de um sonho para a realidade e, é claro, aos anjos que acreditaram em mim e me quiseram apoiar. Tenho partilhado a minha aventura aqui com os “anjos” e estou ansiosa por lhes mostrar o meu vinho do Douro e Porto.

Os vinhos, os fortificados e castas portugueses são populares na Austrália?

Acho que as castas portuguesas estão a tornar-se cada vez mais populares na Austrália. À volta de Rutherglen tem havido plantações de Touriga Nacional, Tinta Roriz, Tinta Barroca, Sousão e Tinta Cão há mais de 20 anos, tanto para o Vintage (Porto) como para vinhos de mesa. Noutras regiões da Austrália, também são estas as castas que estão a subir em popularidade, principalmente a Tinta Roriz (ou Tempranillo como estamos obrigados a chamá-la).

Quem também está a subir em popularidade são os vinhos de mesa portugueses, especialmente vinhos tintos do Douro, Dão e Alentejo. O vinho do Porto é vendido na Austrália há muito tempo, com um foco particular no Vintage e no Tawny. Mesmo o mercado na Austrália não sendo muito grande para vinho do Porto quando comparado com o Reino Unido ou os EUA, continua a ser considerado um estilo de referência do mundo.

É uma coisa boa ou má, a Austrália já não poder utilizar o termo Porto ou Sherry?

Blend_All_About_Wine_Jen_Pfeiffer_Im_A_fortified_GIrl_Rutherglen's Port

Rutherglen tem um Porto! – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Durante a maior parte da minha vida, os termos de vinícolas têm vindo a mudar. Lembro-me em criança, de enólogos australianos utilizarem os termos Champagne, Hermitage e Claret. Esses termos já não existem. É apenas uma parte do processo evolutivo.

Em última análise, acho que é uma coisa boa – Respeito a região e herança dos vinhos do Porto e Sherry. Os enólogos australianos tentaram imitar esses estilos ao longo dos anos, contudo apenas tem servido como complemento aos originais… mas, naturalmente que estes vinhos agora são novamente únicos. Assim como é importante proteger o património da região de Rutherglen com os nossos Muscats e Topaques, é importante proteger o patrimônio das indústrias do Porto e Sherry.

Embora inicialmente tenha havido uma reação negativa nos media australianos sobre as mudanças de nome, a Pfeiffer Wines viu isso como uma oportunidade para revigorar ambas as categorias. Re-embalamos e re-rotulamos os nossos vinhos com uma abordagem moderna para a nossa marca. Agora, temos a geração de consumidores de vinho X e Y a bater à porta da nossa adega a pedir um Apera, quando nunca teriam pedido um Sherry.

Contactos
167 Distillery Road
Wahgunyah, Victoria, 3687
Australia
Tel: (+61) 260 332 805
Fax: (+61) 260 333 158
Email: cellardoor@pfeifferwines.com.au
Site: www.pfeifferwinesrutherglen.com.au

Vale da Capucha: Vinhos Orgânicos com um Excitante Goût de Terroir

Texto Sarah Ahmed | Tradução Teresa Calisto

A história de Pedro Marques é conhecida entre os jovens enólogos portugueses. Apesar de ser a quinta geração da sua família a fazer vinho, o jovem de 34 anos é o primeiro a ter estudado enologia. É também o primeiro a quebrar com a tradição da região, de focar mais na quantidade do que na qualidade. Nos dias de hoje, os vinhos que vêm exclusivamente da propriedade de 13 hectares da sua família, Quinta de S. José em Carvalhal, Torres Vedras, Lisboa, são rotulados Vale da Capucha. Marques fez os seus primeiros vinhos Vale da Capucha em 2009.

Blend_All_About_Wine_Vale_da_Capucha_Pedro_Marques_Afonso_Fernandes_Marques

Pedro Marques do Vale da Capucha, na cave de vinhos com o seu pai, Afonso Fernandes Marques – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Então, como fez ele a mudança da quantidade para a qualidade? Este cândido enólogo será o primeiro a dizer que este é um trabalho em evolução, no qual ele “cortou com o passado e começou de novo”, plantando novas castas, que vai conhecendo cada vez melhor com cada colheita. Mas, com razão, ele está claramente agradado com a sua decisão de se focar mais nos vinhos brancos, mais adequados ao clima húmido e marítimo da quinta, do que os tintos. Vinhos feitos maioritariamente de vinhas não locais de alta qualidade: o Viosinho e Gouveio do Douro, Antão Vaz do Alentejo, Alvarinho do Vinho Verde e até Viognier da França (apesar de ele admitir que esta última foi um erro).

Blend_All_About_Wine_Vale_da_Capucha__Quinta_De_S_Jose

As encostas com as vinhas na Quinta de S. José – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Mas muito mais importante que as uvas (que ele descreve como “bastante neutras”) é o terroir. Marques está determinado em expressar um sentido de lugar nos seus vinhos: transmitir a frescura e salinidade, que vem do elevado conteúdo calcário das encostas cobertas de fosseis das vinhas da família, localizadas apenas a 8 km da costa Atlântica. Isto instruiu a sua decisão de cultivar a vinha de forma orgânica (foi certificada orgânica em 2012) apesar de ter dificultado a colheita neste ano fresco e molhado, com 30 a 35% da apanha – de acordo com a sua estimativa – a ser perdida devido à pressão da doença.

Blend_All_About_Wine_Vale_da_Capucha_Vineyard_Fossils

Fosseis das vinhas na Quinta de S. José – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Instruiu também a sua decisão de fazer os seus vinhos naturalmente, sem adição de fermentos ou enzimas. Pelo contrário, o sumo das uvas colhidas à mão para o Vale da Capucha, repousa e fermenta naturalmente (com fermentos selvagens) nas borras a temperaturas relativamente quentes (cerca de 18 graus centígrados). Porquê? Porque Marques valoriza a textura e o corpo acima dos aromas, especialmente os caracteres liderados pelo éster, derivados do próprio processo de fermentação. É, acredita ele, uma forma “de distinguir os vinhos”. Além disso, ele pode permitir-se construir corpo e textura porque, como indica, ele tem o problema oposto à maioria em Portugal: a elevada acidez que mantém os vinhos Vale da Capucha tão animados.

Blend_All_About_Wine_Vale_da_Capucha_Old_Cellars

As caves velhas na Quinta de S. José – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Apesar de feitos a partir de vinhas relativamente novas, plantadas de castas que são novas à região, os vinhos de Marques mostram grande carácter e promessa. Se gosta de vinhos brancos texturados, liderados pelo terroir, a quinta deste produtor pensativo é uma a ter em atenção.

Blend_All_About_Wine_Vale_da_Capucha_Pedro_Marques

Um enólogo pensativo, Pedro Marques do Vale da Capucha – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Vale da Capucha Pynga Viosinho 2010 (VR Lisboa)
Um pouco oleoso ou terpénico no nariz e no palato, o que irá dividir os provadores. É um pouco como o Retsina com esteróides, mas no bom sentido: cheio de carácter, com bom corpo/sensação de boca, combinado com a típica frescura no final: marca da quinta.

Vale da Capucha Pynga Selection 2010 (VR Lisboa)
Eu gosto deste blend salgado e apimentado de Gouveio, Arinto e Antão Vaz. Ligeiramente “alimonado”, com um carácter subtil vegetal de arbusto salgado ou funcho, tem uma boa e ácida espinha dorsal, para comprimento e estrutura.

Vale da Capucha Alvarinho 2012 (VR Lisboa)
Marques mostrou-nos três colheitas do seu Alvarinho. Foi interessante contrastar a firme estrutura ácida deste vinho, com a acidez mais sumarenta do Alvarinho dos solos graníticos do Vinho Verde. Nesta colheita, um pouco mais de idade das vinhas (que foram plantadas em 2007), dá um pouco mais de concentração à sua cúspide de ananás maduro, o que ajuda a equilibrar melhor a acidez. É um Alvarinho enérgico, fresco, com uma acidez mineral e calcária.

Vale da Capucha Gouveio 2013 (VR Lisboa)
Marques gosta particularmente desta uva pelo seu carácter subtil, quase neutro, mesmo durante a fermentação, diz ele. E eu consigo ver a atracção: coloca a ênfase na mineralidade de salmoura salgada da quinta, fazendo-me lembrar de comer perceves. Mais uma vez, o ácido é firme. Está longe de ser frutado, mas tem um toque de groselha e pêssego ao finalizar.

Vale da Capucha Arinto 2013 (VR Lisboa)
O Arinto é célebre pela sua alta acidez natural, por isso conseguem imaginar que, nesta quinta, vai estar no extremo elevado do contínuo. Na realidade, Marques planeia deixá-lo na garrafa durante pelo menos, um ano. Eu tenho que admitir que sou um pouco fanática por ácido, por isso sim, é novo, mas eu gostei imenso do look deste vinho firme, austero, calcário, mineral e cítrico. Mais uma vez, parece muito genuíno da quinta.

Vale da Capucha White 2012 (VR Lisboa)
Este blend 85/15 de Viosinho e Arinto lembra-me um pouco a uva austríaca Gruner Veltliner com o seu palato delineado, levemente especiado, de aromas vegetais. Um hábil corte de acidez cítrica, torna-o num vinho persistente. Muito bom.

Vale da Capucha Pygna Selection White 2012 (VR Lisboa)
Um blend 70/20/10 de Viognier, Arinto e Fernão Pires. Como seria de esperar, o Viognier domina o palato, com gengibre fresco e damasco. As especiarias são ampliadas pelo Fernão Pires. O único problema é ser um pouco curto: talvez seja preciso mais Arinto para persistência?

Vale da Capucha Fossil 2012 (VR Lisboa)
Eu e os meus colegas jornalistas do Reino Unido, temos imenso tempo para este vinho de nível de entrada. Abundantes caracteres trazem imenso retorno pelo investimento. Um palato carnudo e cremoso, deslindado pela acidez cítrica, revela pêssego branco e, uma vez que o provei o ano passado, espargo branco mais evoluído (atraente). Uma mineralidade implícita no final, leva-nos de volta à vinha. Muito bom: no ponto.

Vale da Capucha Reserva 2011 (VR Lisboa)
De forma semelhante, este blend de 53% Viosinho, 31% Arinto e 16% Antão Vaz está a evoluir bem, com bom peso e camadas para o palato e insinuações de espargo branco, num final longo e persistente. Grita por peixe ou frango e um molho cremoso. Adorável.

Vale da Capucha Tinto 2011 (VR Lisboa)
Este blend 55/45 de Touriga Nacional e Tinta Roriz foi pisado a pé, em lagares e envelhecido usando barricas. A Touriga dá uma elevação floral – violetas – ao nariz, que se mantêm num palato “ameixoado”, bem emoldurado por taninos maduros mas presentes e acidez fresca. Carvalho apetitoso dá uma nota fumada, de charcutaria, ao final. Para um vinho que se sente não forçado e tão definido, surpreendeu-me descobrir que pesa 15.3%! Marques explicou que teve que esperar que os taninos amadurecessem, daí o elevado nível de álcool, que ele habilmente mantém sob controlo, ao servi-lo a cerca de 14 graus centígrados.

Vale da Capucha Late Harvest 2013 (VR Lisboa)
Marques mostrou-nos três colheitas deste docinho, das quais eu gostei deste, a colheita mais tardia, a melhor. Ao contrário dos outros, tem um toque de Viognier na sua fruta de Viosinho e Arinto, o que parece completar o vinho: mais carnudo e mais longo, com acidez bem integrada, na sua saborosa fruta de maçã assada amanteigada.

Contactos
Vale da Capucha
Agricultura e Turismo Rural, Lda
Largo Eng.António Batalha Reis, 2
Carvalhal | 2565-781 Turcifal
Torres Vedras | Portugal
Telemóvel: (+351) 912 302 289/87  | (+351) 912 302 291
Site: www.valedacapucha.com

De Guardar Redes a Guardar Jampal: Os Vinhos de André Manz

Texto Sarah Ahmed | Translation Teresa Calisto

É difícil pensar numa pior lesão para um guarda-redes profissional do que uma mão partida. Tendo isto acontecido apenas um ano após André Manz ter começado a jogar num clube Português, poderíamos pensar que ele regressaria à sua terra natal, o Brasil. Mas mesmo nos seus vinte anos, Manz não fez o óbvio.

Em vez disso, o guarda-redes que apresentou a Portugal a aeróbica coreografada, tornou-se num empreendedor de topo do fitness. E agora, no seu mais recente empreendimento homónimo, Manz Wine, ele reapresentou ao Mundo, a quase extinta casta Portuguesa Jampal.

As aventuras de Manz no vinho começaram em 2004, quando ele e a sua família se mudaram para a sonolenta aldeia de Cheleiros, na região de vinho de Lisboa. Com os seus lugares neolíticos, ponte Romana e monumentos medievais, Manz foi atraído pela história de Cheleiros. Não sendo homem de fazer as coisas pela metade, com a ajuda de um jornalista, Manz descobriu que Cheleiros já tinha sido famosa pelos seus vinhos.

Blend_All_About_Wine_Manz_Wine_Rocky_Vineyard_Overlooking_Cheleiros

A Vinha Rochosa de Manz com Vista Sobre Cheleiros – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Conta-me que as encostas íngremes e rochosas, de argila e calcário, que rodeiam a aldeia, já estiveram cobertas de vinhas. Há um século atrás, havia nada mais nada menos que 43 adegas na aldeia. O próprio Manz recuperou um hectare de vinha mas, não sabendo nada sobre fazer vinho, inicialmente apenas fez vinho para a sua família e amigos. Mas quando, com a ajuda do Portugal’s Institute of Vines & Wines, ele identificou que o seu terreno com 20 anos incluía a esquecida casta local Jampal, o astuto empresário depressa se apercebeu do potencial de venda desta variedade única.

Blend_All_About_Wine_Manz_Wine_Rocky_Vineyard_Overlooking_CheleirosPocket_Sized_Winery

A Adega de Tamanho de Bolso de Manz – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Em 2008, a Manz Wine foi fundada e em 2012 ele já tinha transformado a antiga escola da aldeia numa adega pequena, mas perfeitamente formada e tinha também plantado novas vinhas Jampal, com enxertos das vinhas originais. Ele possui agora cerca de nove hectares de vinha em Cheleiros e está ansioso por colocar a aldeia no mapa. Não apenas com Jampal, mas também com projectos de enoturismo. Estes incluem o Lagar Antigo Manz Wine (uma adega antiga convertida em museu com porta de cave) e, no próximo ano, um livro sobre Cheleiros e a sua história vinícola.

Blend_All_About_Wine_Manz_wine_Lagar_Antigo

Lagar Antigo no Museu Manz e a Porta da Cave – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Jampal continua a ser o único vinho branco do seu portfólio e, para mim, é a estrela do espectáculo. Aqui fica a minha escolha da gama (que também inclui vinhos tintos do Douro e da Península de Setúbal, feitos a partir de fruta comprada). Os vinhos são feitos por Ricardo Noronha e Rita Marques (na foto a seguir, com o Rosé)

Blend_All_About_Wine_Manz_Wine_Fatima_Jampal

Manz Cheleiros Dona Fátima Jampal 2013 – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Manz Cheleiros Dona Fátima Jampal 2013 (VR Lisboa)
Um nariz tenso e muito focado e palato de grande limpidez, revelam aromas e sabores minerais, florais, cítricos e de carambola crocante. O carvalho fumado poderia depreciar a sua limpidez, mas na realidade complementa habilmente a mineralidade deste vinho. Uma característica que também é reforçada pelo seu final salgado, longo e persistente. Verdadeiramente único. Um vinho excitante. 13%

Blend_All_About_Wine_Manz_Wine_Rose

Manz Rosé 2013 – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Manz Rosé 2013 (VR Lisboa)
Feito 100% de uvas Castelão, que são dedicadas à produção do rosé, este é um vinho bem conseguido, um rosé frutado mas seco, com fruta cremosa e madura de bagas vermelhas, e uma acidez mineral, muito atraente, bem integrada, fresca e persistente. 12.5%

Blend_All_About_Wine_Manz_Wine_Penedo_do_Lexim

Manz Cheleiros Penedo do Lexim 2013 – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Manz Cheleiros Penedo do Lexim 2013 (VR Lisboa)
Este blend 50/50 Touriga Nacional e Aragonês, de tom e palato brilhante, é um excelente exemplo de um tinto relaxado mas refinado, sem carvalho. Eu adoraria que mais produtores de Lisboa adoptassem este caminho amigo do ambiente e focassem mais na fruta e na frescura. A acidez fresca e mineral parece ser um marco de Cheleiros que vale a pena estimar. Quanto à fruta, a floralidade e o toque de chocolate e fruta de sobremesa de verão da Touriga, juntamente com a estrutura calcária e refinada dos taninos do Aragonês e leve especiaria, fazem um agradável equilíbrio. 14%

Contactos
ManzWine
Lagar Antigo | Largo da Praça, n.º 8 – A | 2640-160 Cheleiros | Portugal
Tel: (+ 351) 21 927 94 68
Telemóvel: (+ 351) 93 426 97 21
Fax: (+ 351) 21 426 97 19
Email: info@manzwine.com
Site: www.manzwine.com

Maçanita – Nascido para se destacar

Texto Sarah Ahmed | Tradução Teresa Calisto

O lema na  Fita Preta é “why spend a lifetime trying to blend in, when you were born to stand out.” (porquê passar uma vida a tentar misturar-se, quando nasceu para se destacar). E assim é com os vinhos.

Veja-se a gama  Sexy range – branding ousado (de mau gosto, alguns poderão dizer) num país que foi descrito como a nação Católica Romana mais socialmente conservadora.

Ou o tema deste post, os excitantes e desafiadores vinhos Signature Series, sobre os quais escrevo de seguida. Maioritariamente monocasta, estes vinhos desafiam directamente a tradição Portuguesa de misturar diferentes castas e, no entanto, noutros aspectos são absolutamente reverentes à tradição.

O homem por detrás da assinatura é António Maçanita, co-fundador da Fita Preta e produtor de vinhos. Perguntei-lhe sobre os desafios de ser diferente, o que aprendeu pelo caminho e o que vem a seguir. Naturalmente, também provei o mais recente lançamento da Fita Preta Signature Series que analiso abaixo.

Blend_All_About_Wine_Antonio_Macanita_Winery

António Maçanita at Winery – Foto Cedida por Fita Preta | Todos os Direitos Reservados

A entrevista

Sexy mas não Kiss: o António tem reputação de ser um marketeer astuto, no entanto, com um portfolio de marcas tão diverso – Sexy e os quatro rótulos diferentes Fita Preta – parece que ignorou a mais antiga regra do livro – Keep it simple, stupid (K.I.S.S. – mantém as coisas simples, estúpido)
Como bem sabe, em Portugal é sempre com um ou dois beijos, depende de quem encontrar. E nós não somos diferentes. O nosso K.I.S.S. é só visto de um ângulo diferente, não “o mercado vai gostar daquilo em que acreditamos”, mas do ponto de vista que aquilo que acreditamos ser bonito, estético, divertido, que vale o esforço, desafiador, esperamos que depois o consumidor goste e partilhe do mesmo entusiasmo. Às vezes é como diz “não é simples”, e nós sabemos disso. Mas mais importante, é autêntico e nós só engarrafamos e rotulamos aquilo que podemos apoiar.

Dito isto, conforme fomos crescendo e lançando novos vinhos, tivemos que tentar organizar a nossa mensagem para o público, o melhor possível. Por exemplo, temos estado a separar a comunicação (website e redes sociais) para a marca Sexy do restante portfolio, porque é uma marca tão forte e um vinho tão vocacionado para festas que precisa do seu próprio mundo.

Finalmente, obrigada pelo elogio “marketeer astuto”. Adorei – para um produtor de vinhos que vem de uma família de professores anti comerciais e que nunca tinha vendido nada na sua vida antes do vinho, nem mesmo as suas velhas pranchas de surf, isso é óptimo.

A importância de um nome: voltando-nos para a marca Signature Series da Fita Preta, não é fácil cortejar o mercado das exportações com castas e regiões de vinho inéditas e impronunciáveis. O que o motivou a criar esta gama e a colocar o seu nome?
A Signature Series by António Maçanita é onde dei mais espaço a mim próprio para o teste e erro, para sonhar mais alto, para ir fora da caixa. Eu questiono os porque sins e porque nãos. É aqui que eu mudo o Mundo, mesmo que apenas um bocadinho, e assumo responsabilidade por isso.

A minha primeira signature foi Branco de Tintas 2008 (um vinho branco a partir de uvas tintas) feito de Trincadeira e Alfrocheiro. Fi-lo durante uma fase em que não havia suficientes uvas brancas no Alentejo para as necessidades do mercado. Então pensei, porquê entrar novamente na loucura de arrancar as tintas e plantar as brancas e porque não fazer brancos com uvas tintas? Fizemo-lo e o vinho foi muito bom. Acabou na lista de melhores vinhos do ano da nossa revista de vinhos local e foi um dos primeiros brancos a partir de tintas em Portugal. Agora há mais de uma mão cheia de produtores que o fazem. Mas o mais engraçado (ou não) é que não foi certificado como vinho Alentejano, porque era um vinho branco feito a partir de uvas de vinho tinto e no entanto, nesse ano, a região permitiu que os produtores usassem 20% de vinho branco de fora da região, sendo, mesmo assim, certificado como Alentejano… veja lá.

A partir daí, fiquei entusiasmado com as “talhas” (ânforas de argila). A ideia surgiu durante uma viagem de avião de regresso, depois de visitar uns amigos na Califórnia que estão a fazer um fantástico Sauvignon Blanc em ovos de cimento.  Disse para mim mesmo, porque não usar as nossas “Talhas” que fazem parte do nosso património – um símbolo do Alentejo? Então quando cheguei, compramos uma “Talha” de 1940 de 1000 litros (a qual pagamos com 300 garrafas de vinho espumante). No entanto, decidimos fazer o processo de vinificação moderno (prensagem de cachos inteiros, fermentação a frio) em vez do tradicional “método Talha” que é com o contacto da pele. O resultado depois da fermentação foi simplesmente impossível de beber – “cera de abelhas” e “químico”. Engarrafamo-lo de qualquer forma dizendo “é o que é” e depois de 6 meses na garrafa, tornou-se incrível. A parte “química” ficou por trás do nariz dando ao vinho camadas do estilo Riesling e a fruta veio para a frente do palato – muito fresco e limpo. Ainda é um dos meus preferidos e um hino à história Alentejana.

A partir daqui o papel da Signature passou a ser o de salvar uma casta quase extinta, “Terrantez do Pico”. Está agora em boa forma, a ser replantada por todos os Açores. Também estou a testar outra uva açoriana “Arinto dos Açores”, fazendo um “Branco de Indígenas” puro (um branco sem fermento inoculado, nem controle de temperatura) e finalmente, trazendo de volta o Castelão.

Blend_All_About_Wine_Antonio_Macanita_Talha_Quest

António Maçanita com Talha – Foto Cedida por Fita Preta | Todos os Direitos Reservados

A completar um ciclo? Recordar a tradição (seja de castas, do processo vinícola ou do estilo do vinho) é um dos cunhos da Signature Series da Fita Preta. O que aprendeu ao investigar o passado e em que aspectos, se algum, adaptou a tradição aos gostos contemporâneos?
Enquanto país do velho mundo produtor de vinhos, nós introduzimos muitas novas técnicas – aço inoxidável, fermentos seleccionados, castas estrangeiras, vinhas completamente varietais, vinhos direccionados para o consumidor, etc. Isto levou a uma melhoria geral dos nossos vinhos, tanto tintos como brancos, mas também retirou um pouco da “alma” dos nossos vinhos – o que dava aos vinhos um sentido de lugar quando os provamos. O desafio é complexo. Está entre escolher o que trazer de volta, que pode acrescentar complexidade e tipicidade e que novas técnicas aplicar, mantendo sempre em mente que também somos parte da história.

O Potencial do Pico: eu visitei recentemente os Açores e fiquei surpreendida pela qualidade e carácter distintivo, mineral e salgado dos seus brancos secos, e também ao aprender sobre o Arinto  dos Açores e o Terrantez do Pico, quando pensava que o Verdelho (em estilos mais doces/fortificados) era o pilar principal da produção.
O potencial dos Açores é incrível. As castas Verdelho (a verdadeira), Arinto dos Açores ou Terrantez do Pico são de um potencial enológico incrível. São minerais e salgadas e, com boa acidez, têm excelente potencial de envelhecimento. O terroir é único, com rocha vulcânica, proximidade ao oceano e tempo frio a moderado. Esta combinação é explosiva para grandes vinhos brancos. E concordo que este novo lote de 2013 mostra precisamente isso.

Acredito também que os vinhos fortificados sérios, que forjaram a reputação do Pico no passado, verão um renascimento. Como as listas e até os menus de banquetes reais mostram, rivalizou com o melhor Madeira em mercados como Reino Unido, Holanda, Estados Unidos e Rússia. Era conhecido em alguns mercados como Pico-Madeira por causa desta semelhança.

Blend_All_About_Wine_Antonio_Macanita_Pico_Harvest

Vindima do Pico – Foto Cedida por Fita Preta | Todos os Direitos Reservados

E a seguir?
Muita coisa! A nossa marca Sexy tem visto um grande crescimento no vinho espumante de “método tradicional” na França e nos Estados Unidos. Para Fitapreta, Palpite e Preta, um quarto das nossas vinhas estão agora em conversão para a certificação orgânica. Nos Açores, estou a trabalhar de perto com outros produtores e com o departamento agrícola, ao mesmo tempo que desenvolvemos o nosso projecto de produção própria nas ilhas. E depois há os meus projectos de consultoria nas Quinta de Sant’Ana, Cem Reis e Arrepiado Velho entre outros.

The wines

Fita Preta Signature Series Branco de Talha by Anónio Maçanita 2012 (Vinho Regional Alentejano)
Talha é uma referência a uma tradição de produção vinícola muito tradicional, que data da presença Romana no Alentejo há muitos anos atrás. Talha significa que o vinho foi fermentado numa ânfora – só uma neste caso – uma ânfora de 1000 litros de 1946. E mantendo a tradição, este vinho fica-se pelas castas brancas clássicas da região – Roupeiro (70%) e Antão Vaz (30%).  Ou pelo menos estas dominam o vinho onde (invulgarmente) a fruta provém de uma mistura de vinhas de 25-30 anos, das castas locais. Fui surpreendida pela palidez do vinho e pelo seu nariz tenso, até que me apercebi que tinha sido transferido para tanques de aço inoxidável depois de 28 dias (as ânforas são mais porosas que um tanque, o que resulta numa maior oxidação). Então a que sabe este vinho invulgar – um blend das técnicas tradicionais e modernas? É sofisticado, com bastante aldeído o que poderia ser um desastre, mas neste caso é positivo, fazendo um vinho vivo e mercúrico, de uma complexidade e frescura semelhantes ao xerez, com noz fresca, verde. Uma textura almofadada acrescenta à sua sensação de leveza, trazendo ao mesmo tempo peso. Um final longo revela as notas a terra que o atravessam. Muito interesse aqui, um vinho de ying e yang, que afasta e puxa. Gosto da sua energia, complexidade e persistência. 1300 garrafas produzidas. 13.5%

Fita Preta Signature Series Branco de Indígenas by Anónio Maçanita 2010 (Vinho Regional Alentejano)
Branco de Indígenas é uma referência ao facto de que este monocasta Arinto, foi fermentado em barrica (carvalho Francês) com fermentos 100% naturais/indígenas. Com a sua acidez limpa e revigorante, o seu palato cítrico focalizado, penso no Arinto como no Riesling de Portugal. Mas a vinificação traz outra dimensão à uva. Ou mais precisamente, traz uma maior dimensão, alargando o palato, tornando-o menos sumo de citrino, mais casca de limão e, como a casca de limão, tem uma qualidade textural – uma qualidade cremosa que associo aos fermentos naturais, talvez também uma função das borras/agitação das borras? O vinho é mais salgado também, com massa azeda e torrefacção de carvalho (gosto a noz). Pessoalmente gosto de ver um pouco mais de fruta e energia, mas para quem gosta de textura, tem um langor atractivo e sedoso. 800 garrafas produzidas. 12.5%

Blend_All_About_Wine_Antonio_Macanita_Monte_Cascas_Valle_Pradinhos

Branco de Talha, Terrantez do Pico, Dranco de Indígenas – Foto Cedida por Fita Preta | Todos os Direitos Reservados

Fita Preta Signature Series Arinto do Açores 2013 (Vinho Regional Açores)
O Master Sommelier João Pires seleccionou este branco tenso para uma prova no 10 Fest Azores – uma mostra brilhante dos produtos da ilha e do talento dos chefes locais e internacionais. É um exemplo super intenso e revigorante, com um nervosismo fantástico e a textura subtil das borras que associo aos seus vinhos. Firmemente enrolada, a sua fruta “limonada” é disparada com minerais e sal, tão enérgico e picante que correu muito bem com o primeiro prato de cracas polvilhadas com paprika e sapateira com vichyssoise do Head Chef do hotel The Yeatman, Ricardo Costa. Tinha o peso e a intensidade para igualar este prato, apesar da sua pronunciada linearidade. 13.5%

Fita Preta Signature Series Terrantez do Pico by Anónio Maçanita 2013 (Vinho Regional Açores)
Palha pálida com noz doce, ligeiramente “axerezado” (aldeído), nariz salgado, um toque de iodo e casca de toranja também, todas estas notas transportadas num palato texturado, encerado e completamente seco, juntamente com notas de maçã castanha/pisada. A acidez relativamente firme traz enfoque e extensão. Menos consensual que o Arinto dos Açores, mas com qualidades que me lembraram o Loire Chenin, mais especificamente o mais muscular Chenins from Anjou (apesar de não ser tão frutado), não lhe falta estrutura nem carácter. Muito bom. 25% deste vinho foi fermentado em barricas de carvalho (presumo que barricas antigas) durante 9 meses com battonage semanal. Produzidas apenas 646 garrafas numeradas – a minha amostra foi a garrafa número 534. Ainda mais raro quando consideramos que estas 646 garrafas são as únicas garrafas de Terrantez do Pico varietal que existem (exceptuando a colheita anterior de Maçanita). E para explicar isto um pouco mais, menos de 100 vinhas desta casta praticamente extinta, existem fora da colecção dos serviços agrários. 13%

Blend_All_About_Wine_Antonio_Macanita_Tinto_de_Castelao_2010

Tinto de Castelão – Foto Cedida por Fita Preta | Todos os Direitos Reservados

Fita Preta Signature Series Tinto de Castelão by Anónio Maçanita 2010 (Vinho Regional Alentejano)
A casta Castelão pode ter sido colocada no mapa pela marca Periquita de José Maria Fonseca, da Península de Setúbal mas, de acordo com Maçanita, Castelão teve origem no Alentejo, onde permanece a terceira casta mais plantada. Tendo em atenção o antigo ditado que Castelão “precisa de tempo”, Maçanita deu à uva isso mesmo – este vinho foi macerado durante 30 dias após a fermentação, estagiou em barrica durante 24 meses e em garrafa durante 20 meses, antes de ser lançado. É um tom de rubi translúcido, com um nariz doce de cinco especiarias e frutas vermelhas de Verão. Na boca é impressionantemente fresco, com um palato de Pinot Noir de cereja vermelha e groselha crocante e precisa, e taninos firmes de fruta picante (tão mais tensos e secos que o carvalho) e uma baforada de charuto. Um final muito longo e persistente, revela notas atractivas e complexas de campari e chocolate de leite. Com tempo no copo e à medida que vai aquecendo, torna-se rico, mais encorpado, mais achocolatado. Pessoalmente servi-lo-ia um pouco fresco para manter a tónica na fruta vermelha e a frescura que tanto admirei. 2636 garrafas, a minha, a garrafa 28.  14%

Contactos
Office
Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda Nº 84-D.
ED. INOVISA – I.S.A. 1349-017 Lisboa – Portugal
Tel: (+351) 213 147 297, (+351) 213 643 018
Fax: (+351) 918 051 326
Email: info@fitapreta.com
Site: fitapreta.com

Fitapreta Winery:
Herdade de Outeiro de Esquila
7040 – 999 Igrejinha – Arraiolos
Telemóvel 1: (+351) 913 582 547
Telemóvel 2: (+351) 915 880 095
Email: adega@fitapreta.com

O X marca o local para Hélder Cunha, o produtor-itinerante-salteador-de-uvas dos “Casca Wines”

Texto Sarah Ahmed | Tradução Teresa Calisto

O produtor Hélder Cunha e o actor José Fidalgo atravessaram Portugal de mota para o programa de TV “Rotas do Vinho“. Rotas estas que, sem vinhas nem adega, Cunha passou a conhecer bem, já que ele faz parte da nova geração de produtores-itinerantes-salteadores-de-uvas de Portugal, cuja missão é muito simplesmente, procurar as melhores uvas, onde quer que elas estejam. Desde que as uvas sejam portuguesas, não interessa se a região está na moda ou não e, por este motivo, eu tiro o chapéu a Cunha.

No Casca Wines, que co-fundou com o produtor Frederico Gomes, os vinhos são feitos em parceria com agricultores e adegas locais em 10 regiões DOC.

Estou particularmente enamorada das gamas Monte Cascas Single Vineyard e Ícone, especialmente dos peculiares vinhos de Colares e do Tejo, cujas vinhas envelhecidas podem bem ser descritas como relíquias nacionais. Quando lamenta “Portugal deixou que a sua cultura vinícola escapasse por entre os dedos”, o objectivo de Cunha é preservá-la e renovar a tradição única Portuguesa de fazer vinho. Aqui fica o que ele teve a dizer sobre este importante tópico, após o qual encontrarão as minhas notas sobre as gamas Monte Cascas Single Vineyard e Ícone.

Blend_All_About_Wine_Casca_Wines_Hélder_Cunha_2

Hélder Cunha – Foto cedida por Casca Wines | Todos os Direitos Reservados

A entrevista

1. Os dias de glória de Portugal – a sua Época dos Descobrimentos – já desapareceram há muito. No entanto, apesar de não ter vinhas próprias, o Hélder está a injectar o espírito inquieto de Vasco da Gama no portfólio de várias origens do Monte Cascas. Diga-me porque é que adora fazer-se à estrada.

Voltar aos velhos tempos, redescobrir os tesouros do país. Eu acredito que Portugal ainda é um excelente produtor de vinhos. Temos uma riqueza de variedades e terroirs que é única no mundo dos vinhos. Antes de ter estabelecido o Casca Wines, tinha a ideia de que os vinhos Portugueses ofereciam uma experiência de prova rara. Senti que com uma abordagem moderna à produção tradicional, poderíamos oferecer um novo e requintado paladar ao mundo dos vinhos. Antes do estabelecimento das cooperativas há 60 anos, as vinhas eram plantadas para produzir qualidade e não apenas quantidade. Adoro fazer-me à estrada porque é possível descobrir vinhas anteriores a esses tempos.

2. O X marca o local: O quê são e onde estão, na sua opinião, as melhores uvas do país e porquê?
Há alguns anos atrás, eu acreditava que a qualidade vinha de uma determinada área/região. Hoje em dia, uma vez que estamos a produzi em 10 DOCs diferentes, eu acredito que a qualidade vem do amor que damos ao nosso trabalho, Os melhores produtores de uvas são aqueles que amam as suas vinhas e isso é fácil de ver e de sentir! O nosso desafio agora é atingir a grandeza em diferentes DOCs.
No entanto, é um facto que é mais fácil cultivar uvas perfeitas em terroirs que tenham um solo neutro ou básico, um clima fresco mas seco, com varietais que tenham mais acidez. Temos que nos lembrar que Portugal é um país quente e que a proximidade ao Atlântico e a altitude ajudam a atingir um maior equilíbrio nas uvas (e nos vinhos).

3. Um produtor Australiano descreveu recentemente, as suas vinhas mais antigas e mais pressionadas como “os velhotes escanzelados” porque, inicialmente, os seus vinhos são pouco encorpados e precisam de tempo em pipa para revelar a sua graça e equabilidade – uma qualidade pouco em voga na nossa sociedade de consumo imediato. O Hélder empenhou-se em procurar os velhotes escanzelados – qual é a atracção para um rapaz novo como você?
O equilíbrio que uma vinha mais velha pode trazer, ajuda a mostrar o melhor da sua região. Os “velhotes escanzelados” são como os nossos avós a quem a experiência trouxe equilíbrio. Concordo com o produtor Australiano, estes vinhos precisam de tempo para atingir a sua graça, pelo que a única forma de os mostrar nesta sociedade de rápido consumo é partilhando-os, abrindo uma garrafa e explicando a sua origem e o que se espera nos próximos anos. Um dos nossos primeiros clientes privados que valorizou o facto de estarmos a fazer algo especial, acabou de nos escrever a pedir-nos a nossa primeira colheita de Malvasia de Colares, porque ele tem três caixas, mas quer comprar mais para envelhecer.

Blend_All_About_Wine_Casca_Wines_Hélder_Cunha_3

Hélder Cunha – Foto cedida por Casca Wines | Todos os Direitos Reservados

4. Compensa trabalhar com os velhotes escanzelados? Veja o Fernão Pires, uma variedade laboriosa que normalmente faz grandes volumes de vinho barato. É difícil desafiar a percepção desta uva mesmo que advenha de vinhas centenárias?
Sim, muito difícil! Apesar disso, os nossos clientes de exportação que conhecem pouco Fernão Pires, simplesmente não se importaram que a uva fosse usada para vinhos baratos. Olharam apenas à qualidade. Isto ajudou a convencer o público Português e, hoje em dia, o nosso Fernão Pires é conhecido pelos “connoisseurs”.

5. É difícil procurar e usar uvas de vinhas tão antigas e veneráveis ou elas são descuidadas, negligenciadas e bastante disponíveis?
É mais difícil agora do que quando começamos. Estas vinhas são negligenciadas e os fundos da União Europeia para a reestruturação das vinhas, dizimaram muitos dos “tesouros” que existiam. Também o preço das uvas que os agricultores recebem não reflecte a qualidade que se pode obter a partir das vinhas velhas. Por isso um agricultor elimina-as e planta vinhas novas. Portalegre, sem dúvida uma das melhores áreas para produzir um verdadeiro vinho Alentejano, é um bom exemplo. Hoje em dia, é muito difícil encontrar uma vinha muito antiga com uma quantidade viável de uvas porque a maioria foi abandonada quando as cooperativas entraram em declínio.

6. Tem planos para assentar e comprar a sua própria vinha ou será sempre um rolling (terroirista) stone?
Sim, um dia terei as minhas próprias vinhas, mas isso não quer dizer que deixe de ser um terroirista rolante.

A prova

Casca Wines Monte Cascas Colares Malvasia 2011 (Colares)
Malvasia de Colares é exclusivo da região de Colares e não existe muito. As uvas para este vinho, 36 caixas no total, vieram de duas vinhas velhas com mais de 80 anos a dois passos de distância (um quilómetro) do Atlântico, plantadas em – surpresa das surpresas – solo arenoso (chamado Chão de Areia), por cima do mais duro Chão Rijo, composto por calcário acastanhado. É um vinho muito complexo, redondo e texturado, mas fresco, com toques de cogumelo e pântano salgado do bosque no seu palato intensamente pedregoso e mineral. Único. 11,5%

Monte Cascas Vinha da Padilha Fernão Pires 2010 (Tejo DOC)
Fernão Pires é plantada em abundância no Tejo onde, pode dizer-se, a familiaridade desta casta gera desprezo. Mas tal não acontece com este vinho. Provém de uma vinha bush vine excepcionalmente envelhecida (com mais de 100 anos) em Almeirim, localizada em solo de argila aluvial cinzenta. Colhida na quarta semana de Outubro quando as uvas estavam, sem dúvida, super maduras, o resultante vinho envelhecido e dourado é rico e meio seco, com 6.2gr/lt de açúcar residual. No entanto, mantém-se bem equilibrado com uma acidez suavemente ondulada e muito bem integrada com o travo de camomila e caroço de pêssego, marmelo, damasco encerado e pêra seca. Longo e cremosamente sedoso na boca, este é um vinho sensual sobre o qual nos devemos demorar. Foi fermentado em 100% carvalho Francês (barricas antigas) onde estagiou durante 12 meses. Foram produzidas 54 caixas. 12%

Blend_All_About_Wine_Casca_Wines_Hélder_Cunha_4

Transporte de uvas Ramisco para o Monte Cascas Colares Tinto – Foto cedida por Casca Wines | Todos os Direitos Reservados

Casca Wines Monte Cascas Colares Ramisco 2009 (Colares)
Ramisco também é exclusiva de Colares, cujos solos arenosos protegeram esta uva tinta da devastação da phylloxera. Atraiçoando as suas raízes de “velhote escanzelado” (provém das mesmas vinhas do Malvasia de Colares), este vinho abriu desde a última vez que o provei em 2012. Um nariz tentador traz-me à mente beterraba e rábano recém-ralado – picante e de fazer estalar os lábios. Mostra o crocante e vívido mirtilo e fruta vermelha – romã, cereja vermelha madura e perfumada e framboesa. Um final persistente revela conotações deliciosas de cogumelo/trufa. Apesar de mais esguio e firme, apelaria aos amantes de Pinot Noir. 11%

Monte Cascas Vinha da Carpanha 2010 (DOC Dão)
Proveniente de uma vinha de baixa produção (2t/ha), com 56 anos de idade, em Penalva do Castelo, a 526 metros em solos graníticos com ardósia e argila, este é um vinho de um roxo profundo e opaco, com 65% Touriga Nacional e 35% Jaen. Especiarias escuras – alcaçuz e cravo-da-Índia – e carvalho mocha ligam-se com bergamota doce, agulhas de pinheiro secas, amora bem definida e cereja. Apesar dos taninos serem finos e do conjunto ser muito elegante, este estilo bem estruturado, escuro e reflexivo precisa de tempo para desfiar e livrar-se do seu carvalho novo, demasiado entusiasta (passou 24 meses em carvalho novo Francês) e para mostrar o seu melhor. Cunha não discordou da minha opinião sobre o carvalho e acredita que para as subsequentes colheitas Dão e Douro mono vinhas, o carvalho está melhor equilibrado. 14.5%

Blend_All_About_Wine_Casca_Wines_Hélder_Cunha_Grapes

Uvas – Foto cedida por Casca Wines | Todos os Direitos Reservados

Monte Cascas Vinha do Vale 2009 (DOC Douro)
Proveniente de uma vinha com 94 anos, de baixa produção (1t/ha), plantada em socalco de pedra, condução tradicional “em taça”, com mais de 20 castas diferentes, a 110m no Vale Torto. As uvas são parcialmente desengaçadas (30%) e esmagadas directamente para um lagar, após a fermentação, o vinho estagiou durante 24 meses em barricas novas de carvalho Francês. Esta colheita quente e muito seca, tem um tom profundo de beringela com um nariz balsâmico bastante avançado com ameixa assada e frutos pretos. Na boca é mais fresco, com uma mineralidade atractiva, amora e groselhas bastante sumarentas, picantes, com notas de eucalipto, pelo que é menos quente no palato que no nariz. Ainda assim, mais avançado do que eu esperaria. 14.5%

Monte Cascas Vinha das Cardosas 2010 (DOC Bairrada)
De uma vinha de alta densidade e pouca produção (2t/ha), que foi plantada em 1914 nos solos calcários da Cordinhã. Com vinhas Baga de condução tradicional “em taça” e um punhado de Maria Gomes (3%) & Bical (1%), passou por uma fermentação adequadamente tradicional em lagares com 30% de desengace. Um nariz e palato firmes e enrolados, tem um travo de agulhas de pinheiro verde (30% desengace) na sua fruta de ameixa, altamente concentrada, precisa, mas sumarenta, o que significa que limpa o (não tão tradicional) carvalho Francês novo, no qual estagiou durante 24 meses, com facilidade. Um chassis de taninos finos e acidez muito persistente mas bem integrada, apoiam um final longo e tenso. A Baga jovem e austera faria-me aguardar pelo menos uns cinco anos antes de voltar a dar outra olhadela. Muito prometedor. 13%

Contactos
Casca Wines, Lda.
DNA Cascais – Ninho de Empresas.
Cruz da Popa
2645 – 449 Alcabideche – Cascais, Portugal
Tel.: (+351) 212 414 078
Email: info@cascawines.pt
Site: www.cascawines.pt
Facebook: www.facebook.com/pages/Casca-Wines
Facebook: www.facebook.com/monte.cascas

Vinho Português: O Amigo Flexível dos Sommeliers?

Texto Sarah Ahmed | Tradução Teresa Calisto

Fico sempre impressionada com os paralelismos entre os vinhos Portugueses e os vinhos Italianos. Eles partilham um contorno de taninos e de acidez muito food-friendly, especialmente os vinhos do Norte destes países compridos e magrinhos.

Ainda mais impressionante é o seu constrangimento de riquezas varietais. Portugal tem mais de 250 uvas autóctones, enquanto que Itália tem, de acordo com Ian D’Agata (Native Wine Grapes of Italy) o dobro deste número!

Combine-se esta enorme diversidade de castas com o terreno igualmente diverso de cada um destes países (pense em montanhas, costas, colinas ondulantes, planícies e ilhas) e tem-se uma excelente receita para uma combinação de vinho e comida de sucesso – um estilo de vinho para praticamente qualquer prato que consiga mencionar.

No entanto, Itália e Portugal separam-se quando se trata de reputação internacional e perfil da sua cozinha. Quem não conhece “Os 3 Pês” – pizza, pasta (massa) e parmesão – no rasto dos quais, milhões de litros de vinho Italiano conseguiram ser distribuídos em restaurantes, lojas gourmet e supermercados por todo o mundo?

Sommeliers_Queijo_da_Serra_Blend_All_About_Wine

Queijo Serra da Estrela – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Contrariamente, para além das suas antigas colónias, os pratos clássicos Portugueses são conspícuos pela sua ausência. Os sommeliers do Reino Unido que visitaram Portugal comigo esta Primavera no Wines of Portugal’s Wine Quest ficaram boquiabertos com as especialidades regionais até então desconhecidas, como leitão, cabrito assado e queijo da Serra da Estrela combinados com os vinhos locais.

Sommeliers_Blend_All_About_Wine

Sommeliers do Reino Unido – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Foi portanto interessante ver como eles posteriormente, responderam ao desafio do Wines of Portugal de encontrar em casa (no Reino Unido), combinações de deixar água na boca entre comidas e os seus vinhos preferidos. Estão listadas uma selecção de sugestões sumptuosas emergentes desta iniciativa inteligente de interacção com jovens sommeliers do Reino Unido. Mas antes, ficam aqui cinco razões pelas quais o sommelier campeão do Wine Quest (Dorian Guillon do Alain Ducasse at The Dorchester, com três estrelas Michelin) acredita que os vinhos Portugueses “têm definitivamente o potencial para aumentar o seu mercado no Reino Unido:

  1. Diversidade de uvas indígenas para o amador mais aventureiro
  2. Vinhos com um sentido de lugar, expressão e carácter
  3. Vinhos food friendly com diferentes estilos para “brincar” à mesa
  4. Estilos diversos, desde os de gama baixa, deliciosos e frutados, aos mais refinados tintos (por ex. Baga envelhecido em garrafa na Bairrada)
  5. Descoberta para os comensais com menu de degustação

Por isso digo: “Coragem Portugal, mantenham a fé!”

Anselmo Mendes Alvarinho Contacto 2013 (Vinho Verde)
com lagostins em lume lento com gengibre e caviar (Adam Pawlowski, Heathcotes)

Vadio Branco 2013 (Bairrada)
com travessa dim sum de shumai de vieira, har gau, bolinho de camarão e cebolinho chinês e bolinho de shimej (Gabor Foth, Hakkasan).

Terrenus White 2012 (Portalegre, Alentejo)
com rodovalho da Cornualha com azeitonas verdes, ostras picadas e velouté de sake (Anja Breit, The Ledbury)

Quinta do Ameal 2004 (Vinho Verde)
com medalhões de tamboril em papelote com cenouras bebé, cominhos, coentros, frutos secos e nozes e sabayon de laranja com chouriço, servido com arroz de açafrão (Antonin Dubuis of The Savoy Grill).

Caves São João Porta dos Cavaleiros White 1985 (Dão)
com lagosta fumada temperada simplesmente com azeite, sal e pimenta (Dorian Guillon, Alain Ducasse at The Dorchester).

Sommeliers_Caves_Sao_Joao_Porta_dos_Cavaleiros_White_1985_Blend_All_About_Wine

Caves São João Porta dos Cavaleiros White 1985 – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Terrenus Tinto 2009 (Alentejo)
com carne de veado, puré de batata fumado e cogumelos selvagens (William Wilson, The Chesterfield Mayfair).

Vadio Grande Vadio 2011 (Bairrada)
com queijos duros e maduros – Cheddar, Parmesão (Piotr Pietras, Maze by Gordon Ramsay).

Quinta da Vacarica 2008 (Bairrada)
com Côte de Boeuf[1] na grelha com foie gras ou molho de trufas. (Dorian Guillon, Alain Ducasse at The Dorchester).

Sommeliers_Quinta_da_Vacarica_2008_Blend_All_About_Wine

Quinta da Vacarica 2008 – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Quinta Vale Dona Maria 2011 (Douro)
com carne de veado, puré de aipo e molho de ameixa (Adam Pawlowski, Heathcotes).

Quinta Vale Dona Maria 2011 (Douro)
com barrigas de porco crocantes, couve lombarda, lingueirão, molho de jalapeno e maçãs assadas. (Antonin Dubuis of The Savoy Grill).

Douro ou não Douro – Porquê a questão?

Texto Sarah Ahmed | Tradução Teresa Calisto

Muitos produtores de vinho descreveram o Douro como um “parque de diversões”. Com as suas encostas multifacetadas, as suas vinhas localizadas entre os 100 e os 900 metros, a sua miscelânea de castas, as permutações estilísticas parecem intermináveis. Poderíamos dizer que há uma infinidade de escolhas…

E no entanto, para alguns, tome-se como exemplo a minha última descoberta fora de pista – o Quinta da Romaneira Petit Verdot 2011 – as 118 castas aprovadas da região DOC Douro não chegam! O que explica o motivo pelo qual este tinto de casta única de uma das maiores quintas históricas do Vale do Douro está rotulado como Vinho Regional Duriense e não como DOC Douro.

Blend_All_About_Wine_Douro_or_not_Douro_Quinta_da_Romaneira_Petit_VerdotBlend_All_About_Wine_Douro_or_not_Douro_Vinho_regional_Duriense

Vinho Regional Duriense – Fotode Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Devo confessar que tenho uma reacção automática tendencialmente negativa ao uso de uvas não locais (especialmente uvas estrangeiras), quando Portugal é dotado de castas nativas tão ricas e únicas que são o paraíso para qualquer amante de vinho. Bom, podemos perguntar então, o que há de tão bom no Petit Verdot? Mas usando as palavras de Tiago Teles, talvez a questão correcta seja será que as uvas “conduzem o local”?

Tendo amadurecido tarde (ainda mais tarde que o Cabernet Sauvignon) e portanto com maior risco, em Bordéus (onde tem a sua origem), o Petit Verdot é participante do blend tinto da famosa região Francesa (o chamado “sal e pimenta”). Mas transplantem-no para climas mais quentes e secos, onde tem muito melhor hipótese de amadurecer completamente, e o Petit Verdot transforma-se numa poderosa variedade por si só. Na realidade, tendo em conta que as vinhas foram plantadas apenas em 2006, não pude senão ficar impressionada pela concentração e estrutura do Quinta da Romaneira Petit Verdot.

Blend_All_About_Wine_Douro_or_not_Douro_Christian Selly

Christian Seely na Quinta da Romaneira – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Não que o Douro tenha falta de vinhos concentrados e estruturados. Então por que motivo terá Christian Seely, co-fundador da Romaneira e seu Director Executivo, plantado esta vinha quando supervisionou a renovação da quinta do século XVII, após a sua aquisição em 2004? Terá sido um capricho Francês, uma vez que Seely também é o Director Executivo da francesa AXA Millésimes, detentora das vinhas Château Pichon-Baron, Petit Village e Suduiraut em Bordéus?

Não sendo pessoa para medir as palavras, Seely diz simplesmente “deu-se incrivelmente bem”. Tão bem na realidade que ele enxertou vinhas na Quinta do Noval (que faz parte do portfolio da AXA Millésimes). É o teste de acidez que explica o motivo pelo qual tanto a Romaneira como a Noval também produzem um Syrah (tendo este último sido seleccionado como um dos meus 50 Grandes Vinhos Portugueses em 2010). Explica também a razão pela qual Seely deu pouca atenção à variedade icónica de Bordéus, o Cabernet Sauvignon. Apesar de ter sido plantado na vinha de Noval no Vale Roncão, Seely contou-me numa visita há uns anos atrás, de forma que não posso esquecer: enquanto o Syrah “se adaptava bem ao Douro, o Cabernet destacava-se como um vulgar turista.” Basta dizer que as vinhas Cabernet foram rapidamente substituídas pela casta autóctone Touriga Franca!

Aqui ficam as minhas notas sobre o Quinta da Romaneira Petit Verdot 2011, seguidas de seis outros vinhos Durienses a ter em atenção, quatro dos quais notarão que são feitos por produtores nativos do Douro! De facto, considero que a Real Companhia Velha e a Niepoort produzem a maior gama na região de variedades não-locais.

Blend_All_About_Wine_Douro_or_not_Douro_Quinta_da_Romaneira_Petit_Verdot

Quinta da Romaneira Petit Verdot – Foto de Sarah Ahmed | Todos os Direitos Reservados

Quinta da Romaneira Petit Verdot (Vinho Regional Duriense)
Da colheita excepcional de 2011, este Petit Verdot tem uma tonalidade profunda, opaca e brilhante como pele de beringela. O nariz é poderoso e muito vinoso, com groselha rica, bolo de frutas picante e couro curado, todas estas notas acompanhadas por um palato amplo mas bem equilibrado, com taninos corroborantes, maduros e presentes. Gosto particularmente da forma como abraça o palato – há uma adorável intensidade e peso de fruta, para além de um toque de pó do Douro e de eucalipto, no final longo e ondulado. Ainda assim, duvido muito que conseguisse adivinhar a proveniência deste vinho se o provasse às cegas. Muito bom. Na realidade, o melhor Petit Verdot varietal que já provei (embora de uma amostra pequena). 14%

Outros vinhos Duriense a ter em atenção
Lavradores de Feitoria Tres Bagos Sauvignon Blanc
Real Companhia Velha Delaforce Alvarinho
Poeira Branco (Alvarinho)
Niepoort Pinot Noir
Quinta do Noval Labrador Syrah
Quinta do Noval Cedro

Contactos
Quinta da Romaneira
Cotas
5070 – 252  Alijó
Portugal
Tel: 259 957 000
Fax: 259 957 009
Email: info@quintadaromaneira.pt
Site: www.quintadaromaneira.pt