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João Portugal Ramos – Vila Santa Reserva Tinto 2013 e Marquês de Borba Branco 2015

Texto João Barbosa

Estremoz é uma das minhas vilas favoritas – que me perdoem os seus habitantes, mas não me conformo com o facto de ter sido promovida a cidade. É que a palavra «vila» tem um encanto e um charme que cidade não tem.

Bem… Estremoz merece uma visita. Para mim, o Alentejo é a região portuguesa… o Douro dos socalcos iguala, mas quanto à paisagem das povoações tenho bastantes tristezas. O Além Tejo é completo e a melhor preservada região portuguesa, do Guadiana ao Atlântico, da fronteira com o Reino do Algarve até ao grande rio ibérico. Vale bem a pena tirar uns dias para conhecer este Sul.

A fundação deu-se durante o período da ocupação romana. O seu mais imponente monumento, o castelo, tem data incerta. A Direcção-Geral do Património Cultural aponta, sem certeza, para o período da crise dinástica, que levou ao trono Dom Afonso III, em 1248, filho segundo do Rei Dom Afonso II e Dona Urraca, filha de Dom Afonso VIII de Castela. É por via de Dom Afonso III que entraram os castelos no escudo heráldico de Portugal, derivado do brasão de seu avô materno.

Dom Afonso III foi quem completou a conquista do território continental português, em 1249, com a tomada de Faro. Foi o segundo monarca português a usar o título de Rei do Algarve, feudo meramente honorífico. Este soberano procedeu igualmente a uma importante reforma legislativa, as chamadas Ordenações Afonsinas.

Porém, a figura histórica mais apaixonante que se liga a este monumento é a de Dona Isabel de Aragão, Rainha consorte, casada com Dom Dinis, filho de Dom Afonso III. A Dom Dinis se deve a salvação dos Cavaleiros Templários, através da transformação da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo Salomão na Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, que iria levar, já na segunda dinastia, à criação do império português. Este monarca foi apelidado de «O Lavrador», pelo impulso que deu à agricultura.

À Rainha Isabel se atribuíram muitos milagres, tendo sido canonizada pelo Papa Leão X, em 1516. O seu mais famoso milagre foi o de transformar pão em rosas. Conta-se que distribuía secretamente pão pelos pobres e que o Rei intrigado com os rumores, que não lhe agradavam, a terá surpreendido quando levava o alimento aos desfavorecidos. Ao ser questionada acerca do que levava escondido no vestido, respondeu: «São Rosas, senho». Então, do seu regaço se deixaram cair bonitas flores. Maravilhas idênticas são atribuídas a Santa Isabel da Hungria, sua tia materna, a Santa Cecília e a Santa Zita.

O castelo de Estremoz foi uma das residências de Dom Dinis, tendo nele vindo a falecer a Rainha Santa Isabel. Hoje, o monumento é uma pousada, pelo que o visitante pode privar intimamente com um pouco da História de Portugal.

Vamos ao vinho, razão desta visitita escrita a Estremoz. Vem um branco e um tinto de João Portugal Ramos, enólogo e produtor que várias vezes tem sido sujeito de textos aqui na Blend – All About Wine.

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Vila Santa Reserva Tinto 2013 – Foto Cedida por João Portugal Ramos | Todos os Direitos Reservados

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Marquês de Borba Branco 2015 – Foto Cedida por João Portugal Ramos | Todos os Direitos Reservados

Vila Santa – Estremoz é terra de mármore e esta referência vínica bem a essa rocha pode ser comparada: beleza e solidez. Vila Santa Reserva Tinto 2013 é um dado seguro do Alentejo vinícola.

Digo seguro porque quem o compra sabe que leva um vinho que não o irá defraudar na qualidade. Tem aquilo que admiro no vinho: consistência de qualidade e de tradução do ano. Se existe uma fórmula, ela é a de escolher com critério as uvas, deixando à natureza contar a sua versão da vida. Elegante, fácil de nos perdermos nele e com uma acidez que nos desmente os 14% de álcool.

O Vila Santa Reserva Tinto 2013 resulta de um lote de aragonês, touriga nacional, syrah, cabernet sauvignon e alicante bouschet. A ficha técnica não indica a percentagem de cada casta. Deduzo que, por não estar em ordem alfabética, isso traduz o maior peso que cada cultivar tem no conjunto.

Uma parte das uvas foi pisada em lagares de mármore e outra em balseiros de madeira, seguida de maceração pós-fermentativa. O vinho estagiou nove meses em pipas de carvalhos americano e francês.

O segundo vinho é também um clássico que se renova. A marca Marquês de Borba é também uma garantia. Não oscila, é fiável. Pode gostar-se mais ou menos, mas o padrão não resvala. Agora escrevo sobre o branco, referente à vindima de 2015.

Ora, o vinho… É um lote das castas arinto, antão vaz e viognier. É um vinho que está mesmo a pedir que o Verão chegue depressa. Tem a virtude duma graduação alcoólica que, infelizmente, nem sempre existe: 12,5%. Assim, tem uma leveza que desafia as comidas mais frágeis e estivais, mas igualmente convívio de conversa e preguiça.

O baixo grau de álcool e a casta arinto fazem maravilhas. Penso que, tal como nas vindimas anteriores, se mostra ao gosto dos enófilos. Não é o «meu» vinho – reporto-me apenas ao factor «gosto», não critico a qualidade do néctar. A justificação é a «maldita».

Tenho um problema com a variedade antão vaz… pouco haverá a fazer. Não é um problema do vinho nem da cultivar, é a minha boca que não simpatiza com estas uvas. O meu elogio à arinto deve-se a senti-la como um antídoto à minha casta branca de embirração.

Três vinhos Tiago Cabaço

Text João Barbosa | Translation Bruno Ferreira

Regresso aos vinhos de Tiago Cabaço, depois da visita que lhe fiz no Verão passado. É um regresso também a Estremoz, onde além do património edificado se pode retemperar forças no restaurante da mãe do produtor, o acolhedor São Rosas.

Três vinhos para serem bebidos à mesa e sem pressas. Não sou dos que pensam que tintos pujantes têm de se guardar para os meses mais frios, quando o peso da carne exige alicerces anti-sismo. É verdade que aconchega de modo diferente, mas não passo o Verão a comer saladas e viandas de aves. Se digo do encarnado, o mesmo saliento nos amarelos.

Por partes, para que não se entornem as palavras confusamente. Dos brancos para o tinto. A enóloga Susana Esteban continua a pontuar bem.

O .Com Premium Branco 2015 é um lote das castas antão vaz, verdelho e viognier. A fermentação decorreu em cubas de inox e não foi feito estágio em madeira. É um branco para os apreciadores dos néctares alentejanos, nomeadamente os amantes da fruta antão vaz. É um vinho com nervo e não o tomaria sem comida, mas o marisco poderá levar uma traulitada. Que conheça algo mais substancial.

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.Com Premium Branco 2015 – Foto Cedida por Tiago Cabaço | Todos os Direitos Reservados

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Tiago Cabaço Vinhas Velhas Branco 2014 – Foto Cedida por Tiago Cabaço | Todos os Direitos Reservados

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Tiago Cabaço Alicante Bouschet 2012 – Foto Cedida por Tiago Cabaço | Todos os Direitos Reservados

Tiago Cabaço Vinhas Velhas Branco 2014 é filho de uvas de videiras com mais de 35 anos. É um lote de roupeiro, arinto e antão vaz. A ficha técnica dá conta de que viveu estágio em madeira, mas não dá especificações. Seja como for, a madeira não derruba as características naturais. Este é mais robusto do que o .Com Premium Branco 2015 e tem a mineralidade que caracteriza vários vinhos de Estremoz. Tem um balanço interessante entre o calor e a frescura.

Por fim, o «suspeito». Digo suspeito porque antes de o abrir já desconfiava do que viria da garrafa. Tiago Cabaço Alicante Bouschet 2012 tem uma sina ingrata. Não é demérito, mas culpa do ano precedente ter sido muito generoso para os vinhateiros portugueses.

As uvas foram pisadas em lagares de inox. O vinho estagiou um ano em barricas de carvalho francês. A madeira acrescenta e não tira. Aprecio a conjugação das cerejas maduras, notas terrosas e de madeira. É alentejano e moderno. Directo ao goto!

Digo também suspeito porque nos faz cair sem dar quase conta – é um elogio. Ora, e o suspeito é perigoso. É que a graduação alcoólica é de 14,5% e a acidez dá-lhe «disfarce». Tem igualmente o temperamento quente e fresco. Jantem-no tardiamente, sentem-se às 23h00 – preferencialmente em local arejado e onde se possam escutar grilos, cigarras e o piar das rapinas nocturnas. Deixem-se ficar à conversa até…

Como remate, alerto o leitor destas minhas apreciações mais favoráveis ao tinto reportam-se ao factor gosto. Não sou apreciador da casta antão vaz, pelo que, mesmo realçando a qualidade intrínseca do vinho, as palavras não me ocorrem tão alegres. Por outro lado, gosto bastante da alicante bouschet. Acresce que esta variedade tinta é particularmente feliz na propriedade de Tiago Cabaço.

Contactos
Fonte do Alqueive – Mártires
Apartado 123, 7100-148 Estremoz
Tel: (+351) 268 323 233
Email: geral@tiagocabacowine.com
Website: www.tiagocabacowines.com

Até no vinho

Texto João Barbosa

Bom dia, nunca gostei de usar um espaço de escrita de assunto concreto para escrever acerca da profissão – tal como não gosto de poemas de teorização acerca da poesia e do «mundo» dos poetas. Faço-o agora, porque neste caso tem relevância para o leitor.

A razão do tema, que não versa directamente o vinho e a gastronomia, é para alertar ao bom-senso do leitor. Nem tudo o que está nos livros é verdade, tal como nos jornais ou nos blogues.

A internet não matou nem vai matar a imprensa em papel, que está a ser testada pela Lei de Darwin: o mundo não é dos mais fortes nem dos mais inteligentes, mas dos que melhor se adaptam às transformações da natureza. Não vejo nenhum mal em si mesmo, mas a relação entre jornalistas e bloguistas ou críticos de sites na internet não é pacífica: angústias, sentimento de traição, de perda de «privilégio» (perda ou diluição de influência). Do outro lado, angústia, sentimento de menorização, incorrecta procura de conquistar o que não é seu, pois jornalismo e bloguismo não são bem a mesma coisa.

Não vou tentar esmiuçar pontos de vista, apenas que reconheço vantagens em ambas e que são compatíveis. A internet deu voz ao cidadão, que anteriormente só se manifestava por carta ao director da publicação.

O universo todo por explorar, a liberdade da humanidade. Porém, nem sempre a responsabilidade acompanha, como deve sempre, a liberdade. Por isso, na troca de beijinhos entre jornalistas e bloguistas vem a questão da idoneidade, da equidistância, da competência, da natação em mares de perigosa proximidade com interesses privados.

Estou muito à vontade nisto, pois sou simultaneamente jornalistas (26 anos) e bloguista (10 anos) e escritor de vinho (um ano) – sendo este último filho dos anteriores. O que me faz escrever agora foi uma crítica no poderoso The Times acerca dos Açores, particularmente da transportadora aérea SATA. Fiquei feliz porque encontrei o substrato da base do debate e por não ser comida e bebida.

Os bloguistas são, em todo o mundo, frequentemente vistos com desconfiança: quem são? Respondem a quem? Quem os «policia» editorialmente? Que códigos de ética e deontologia seguem?

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Máquina de escrever

É verdade que X% não sabe do que escreve, tem horror a estudar, sabe tudo e, nem que seja involuntariamente, premeia os bens que lhe enviam para comentar… «digo bem, pois assim garanto que me vão continuar a mandar KYXZ para pedir opinião. Tenho do que gosto e grátis e ainda dou sentenças».

Mas também é verdade que o mesmo se passa com X% de jornalistas e críticos (de meios «convencionais»). Em 26 anos de jornalismo conheci críticos de gastronomia, automóveis, cinema… até de tourada. Nem todos sabiam/sabem do que estavam/estão a escrever. Um dia quis confirmar que Fulano era um bluff e todo o seu conhecimento tinha a consistência de claras batidas em castelo. Fiz-lhe duas perguntas muito básicas e às quais não soube responder – perguntas tão elementares que eu, que do assunto percebo quase nada, sabia, como mais gente o sabe e não exerce esse ofício.

Não se tratava de crítico de comida ou de vinho. Como conheço bloguistas de várias temáticas que abastecem o ego através dos seus blogues.

Onde entra o The Times? Não há vencedores absolutos, mas o The Times é um dos mais influentes e credíveis jornais do mundo, como o The New York Times, The Washington Post, Le Monde, The Financial Times, The Wall Street Journal, etc.

Num texto de crítica acerca de viagens, o crítico sentenciou que a SATA (Serviço Açoriano de Transporte Aéreo) é a pior companhia aérea do mundo. Dá-me igual, não tenho nacionalismo no transporte aéreo nem voei alguma vez nesta transportadora.

Perante esta afirmação, devo deduzir que o crítico (jornalista) já voou em todas as companhias aéreas e o faz com regularidade para sustentar a afirmação. Calma! Não é esse «saber absoluto», afirmação peremptória e inequívoca, um dos pontos em que os bloguistas são mais atacados?

Ainda antes de a internet estar generalizada, um jornalista espanhol, do insuspeito El País (Espanha), veio a Portugal fazer uma reportagem pelo país. O senhor descobriu que, em plena década de 90 (século XX), o transporte de tracção animal era muitíssimo comum, tal como viajar a cavalo, de burro ou de mula.

Espanha fica ao lado e milhões de espanhóis conheciam Portugal. O ridículo com que quis achincalhar o país e os portugueses tombou todo sobre ele – creio que perdeu o emprego devido a essa reportagem ao século XIX.

Repito o segundo parágrafo:

– A razão do tema, que não versa directamente o vinho e a gastronomia, é para alertar ao bom-senso do leitor. Nem tudo o que está nos livros é verdade, tal como nos jornais ou nos blogues.

Um dia circulou um vídeo no Facebook que mostrava uma cena curiosa, que deixou muita gente a acreditar ou na dúvida. Um amigo, montador de cinema, resumiu o assuntou genialmente:

– Também vi o dedo do ET acender uma luz.

Cuidado com as imitações e com as certezas. Esperem aí, deixem-se ficar, que já volto a escrever sobre vinho.

Nota final: Embora não tenha sido para ganhar ofertas (felizmente nunca precisei de esmolas ou presentes), escrevi e sentenciei acerca dum tema para o qual não estava preparado: comida, restaurantes. Tomei consciência e deixei-me disso. Todos os textos foram retirados. Escrevo quando a insistência no convite torna falta de educação não aceitar – e tudo preto no branco. Aconteceu/acontece no âmbito do meu blogue, onde assumo que toda a escrita é pessoal e baseada no gosto. Sou crítico amador no blogue e cronista fora dele. Não sou nem quero ser crítico profissional, quero contar estórias.

Marcolino Sebo Wines – Quinta da Pinheira Colheita Seleccionada 2010 and Visconde de Borba Reserva 2011

Texto João Barbosa

Foi na indústria extractiva que Marcolino Sebo conseguiu com que pagar terra arável. Estremoz é terra de mármore e de vinha. Parcela a parcela junto 190 hectares, dos quais 130 estão com vinha.

A história vitícola de Marcolino Sebo começa em 1975, quando o país ardia de paixões políticas, quase desembocando numa guerra civil que dividiria o país ao meio – fico por aqui quanto à história de Portugal.

Até 1999, Marcolino Sebo vendeu as uvas para a Adega Cooperativa de Borba, tornando-se num fornecedor destacado. Nesse ano fez a primeira vindima em nome próprio e estreou a adega.

Todas as vinhas estão dentro da demarcação do Alentejo, dentro da sub-região de Borba. Nem todos os seus vinhos são DOC Alentejo (denominação de origem controlada), vários estão classificados como Regional Alentejano. Além dos vinhos tranquilos, Marcolino Sebo também produz licorosos e vende aguardentes bagaceira e vínica. Acrescente-se uma pequena produção de azeite.

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Marcolino Sebo in marcolinosebo.com

Tudo se aproveita e se poupa. Os generosos permitem-lhe não desperdiçar vinho que dificilmente venderia. As aguardentes são adquiridas a quem lhe compra subprodutos vínicos. As barricas já sem utilidade são usadas para o estágio dos espíritos.

O vinho é quase todo tinto: seis tintos, três brancos, um rosé, um licoroso branco, uma aguardente vínica (velha) e uma aguardente bagaceira. Porquê tantos tintos? Porque são os mais procurados – simples.

Numa gama tão larga, a ementa de Marcolino Sebo vai dos 2,5 euros até aos 20. Monte da Vaqueira (branco e tinto) é a base. As ideias que fogem ao perfil principal surgem com a marca Quinta da Pinheira, mas o emblema vai para as prateleiras como Visconde de Borba. O licoroso e as aguardentes são vendidos com o nome do produtor.

Bem, ao que interessa. Não experimentei a gama toda, mas ainda assim a amostra foi vasta. Síntese elaborada por Jorge Santos, com um orgulhoso sotaque alentejano e grande simpatia.

Portugal tem a sorte (mérito) com os seus vinhos generosos/licorosos – diferenciação burocrática para designar vinhos fortificados e que sinceramente só atrapalha. Com Vinho do Porto, Vinho da Madeira e Moscatel de Setúbal, entre outros, brilhar não é fácil. Estes néctares são tradicionais em quase todo o país e o Alentejo é uma das suas pátrias. Portanto… O MS Licoroso Branco, feito com um lote de rabo de ovelha e de roupeiro, está nessa família antiga. Tem frescura e é guloso. Quanto ao resto, não se pode comparar.

Jorge Santos explicou-me que os vinhos da casa pretendem responder a duas questões: a tradição e o mundo. Mas discordo! Está bem, isso da tradição, mas não encontrei outro sotaque que não fosse o das frases cantadas do «idioma» alentejano. Sublinho que Marcolino Sebo tem também vinhas de castas não portuguesas.

Só por si, isto que escrevi acima não é nem positivo nem negativo – pois há bom e mau no que é antigo e nas «viagens». Neste caso, o balanço é claramente positivo, seja nos néctares mais agarrados à pátria alentejana, seja nos que resolveram passear um bocadinho.

Olhando para o conjunto… e tratando-se de Alentejo, onde nos brancos pontifica a casta antão vaz… epá! A culpa não é nem do produtor, nem do enólogo, nem da casta. Não gosto da antão vaz! Está bem, esquecendo-me do gosto pessoal, há que dar voto de confiança.

Reconheço que há alguma injustiça escolher para comentar só alguns vinhos. Qual o critério a seguir? Ficar pelos topos de gama? Apontar aos de preço mais democrático? Dos vários critérios possíveis, vou escolher pelo lado materno – alentejana, embora duma terra sem vinha (Castro Verde).

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Visconde de Borba Reserva 2011 in marcolinosebo.com

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Quinta da Pinheira Colheita Seleccionada in marcolinosebo.com

Vou assumir conscientemente o gosto pessoal – já conto um pormenor deste assunto. O Quinta da Pinheira Colheita Seleccionada 2010 (alicante bouschet, aragonês e trincadeira) e o Visconde de Borba Reserva 2011 (alicante bouschet, aragonês, tinta caiada e trincadeira) agradaram-me no «ponto G» enófilo, pelo seu forte sotaque.

O pormenor a que me referia é que, ao almoço, com Jorge Santos e Sónia Sebo (filha de Marcolino Sebo e gestora da firma), fui «obrigado» a conhecer vários «elementos da família». No final, já alegres, o enólogo entregou-me três garrafas (as referidas e Quinta da Pinheira Tinto 2011) e disse-me que eram os «seus», aqueles cujo sotaque cantado lhe dão o calor da região.

Pois, sim. É verdade! Bem falam cantando.

Todos ali cantam. E o cante alentejano é Património Imaterial da Humanidade, sentenciou a UNESCO.

Contactos
Quinta da Pinheira – Arcos
7100 Estremoz
Tel: (+351) 268 891 570
Fax: (+351) 268 891 571
Email: geral@marcolinosebo.com
Website: www.marcolinosebo.com

Dois rosados do Tejo – Casal da Coelheira 2015 e Tyto Alba 2015

Texto João Barbosa

A Comissão Vitivinícola Regional do Tejo tem vindo a enviar vinhos para prova e que merecem aprovação – se mo permitem. Não dá para escrever acerca de todos, mas alguns mostram-se tão felizes que não há desculpa ou prioridade que os empurrem da sala das obrigações.

As firmas que produzem estes dois néctares são bem diferentes, começando pela dimensão até à natureza social. A empresa Casal da Coelheira tem origem no início do século XX e representa 250 hectares, dos quais 64 são de vinha. Contrariamente à anterior, a Companhia das Lezírias é uma sociedade anónima detida inteiramente pelo Estado – 17.800 hectares (1.500 hectares estão arrendados), sendo 130 hectares de vinha.

Sendo enorme, pensava que era ainda maior. Ainda assim, a Companhia das Lezírias é provavelmente a maior propriedade portuguesa. Se os números que tive acesso estão correctos, a área quase chega perto do dobro da cidade de Lisboa (10.000 hectares – Wikipédia).

Irei escrever mais, mas posso resumir estes dois vinhos numa interjeição:

– Oh Verão! Vem cá já! Não te demores.

O Casal da Coelheira 2015 é fantasticamente simples, feito com base em touriga nacional e syrah. Cumpre brilhantemente a função de diversão com que foi provavelmente concebido. Fácil no trato, prazenteiro, guloso sem ser um xarope, onde pontifica o aroma da groselha. Está decidido! Este é obrigatório para este Verão! Não o colocaria a acompanhar comida – eventualmente uma salada de frango com frutas. Quer conversa, vai ajudar na sedução… irá dar um contributo positivo para a taxa de natalidade.

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Casal da Coelheira Rosé 2015 in casaldacoelheira.pt

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Tyto Alba Vinhas Protegidas Rosé 2015 in tytoalba.pt

O Tyto Alba Vinhas Protegidas 2015 é uma revelação absoluta. O nome é bonito! E mais bonito quando se sabe que homenageia uma ave magnífica: a coruja-das-torres – que em Portugal conhece mais designações.

É uma revelação – para mim – porque não estava à espera de nada que se lhe compare.

– O que é isto?! Meus Deus!

Foi mais ou menos assim. Sou aficionado dos rosados, gosto dos doces aos extra-secos. Ponderados todos, este é (provavelmente) o rosé português melhor que bebi! Se não é o melhor que bebi, é pelo menos o que mais prazer me deu.

Nem sequer beneficiou de nenhum acontecimento que o balizasse. Um normal dia da semana, em que não estava stressado ou relaxado, nem triste nem alegre, nem cansado nem atlético, nem faminto nem saciado. Penso que estava no «ponto zero» ou no «ponto 50» numa escala de zero a 100.

– O que é isto?! Meus Deus!

Fresquíssimo, elegante, escorregadio, animal-de-festa, uma complexidade incomum, muito fácil, excelente para pratos leves, excelente para conversar, magnífico para dançar. Com a vantagem de ter apenas 12,5% de teor de álcool. Fiquei com uma vontade que aquele momento não terminasse.

O Tyto Alba Vinhas Protegidas 2015 resulta da junção de touriga nacional e de merlot. Conhecendo o calor da região e olhando para a graduação alcoólica deste néctar, tenho a dizer:

– Vale bem a pena não considerar os rosados como subprodutos dos tintos.

Depois dos anos iniciais – em que os rosados eram bizarrias, vistos como moda passageira, solução para aproveitamento de sobras ou curiosidade para ajudar a vender «o» vinho – hoje fazem-se em Portugal muitos rosés «verdadeiros» ou «honestos», feitos com vontade de os fazer e de os construir bem. Quer um, quer outro, estão na secção dos bons rosados nacionais.

Só posso aplaudir quem quis colher as uvas mais cedo e se empenhou em fazer um vinho e não uma sobra – não quero dizer que não existam bons rosados mais alcoólicos e resultando de aproveitamento de uvas colhidas para tintos.

Ao contrário da coruja-das-torres, o Tyto Alba Vinhas Protegidas 2015 voa de dia e de noite. A ave é uma espécie protegida. O vinho deve ser caçado até à extinção. E também ajudará a fazer crianças!

Era o vinho, meu Deus era o vinho

Texto João Barbosa

O vinho vive em mim, não só por o gostar de o beber, mas por tudo o que lhe está associado. Há mais textos de economia acerca do sector do que (provavelmente) trabalhos históricos, antropológicos ou sociológicos.

Há 30 anos havia tabernas em Lisboa… tabernas mesmo tabernas, não sítios bonitos de cenário e comida de pobre para ricos. Muitos petiscos a – agora chamam-lhes tapas, em espanhol é mais giro, provincianismo – serviam para chamar a bebida e alguns eram oferecidos.

Hoje é raffiné (estrangeirismo forçado, provocação por causa do que escrevi acima) servir cascas de batata fritas e cobrar como se fossem batatas de prata. Eram oferecidas e com sal. Outra coisa engraçada – esta é patética, mas ajuda a explica por que o bacalhau era alimento acessível aos pobres – eram as lascas. Sim, nada mais do que o «fiel amigo» seco e com o sal da conserva. Era barato e salgado, entretinha a boca e chamava mais uns copos.

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Uma taverna em Lisboa in Lisbon in Arquivo Municipal de Lisboa

Muitas tabernas eram igualmente carvoarias, onde se misturavam os odores do vinho (mau), da fuligem e da serradura… sim, os alcoólicos das tabernas bebiam até ao «limite», as limalhas de madeiras serviam para facilitar a limpeza… absorventes.

As tabernas, hoje chiquérrimas, eram feias, nojentas, malcheirosas e mal frequentadas. O vinho chegava em barris de madeira, de vários tamanhos, com sarro. Para os nostálgicos e românticos digo:

– Não! Antigamente, os tempos não eram melhores!

O texto ocorreu-me porque fui matar saudades duma canção, de um genial humorista português. Em 1977, o actor Hérman José também se dedicava à música e lançou o disco (45 rotações) «Saca o saca-rolhas». Além da graça, a canção é uma janela para Portugal de há 30 anos.

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O disco “Saca o saca-rolhas” de Herman José

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Ramo de loureiro in wikimedia.org

«Saca o saca-rolhas, abre o garrafão, viver sem vinho não presta». Esta afirmação está (sendo generoso) no limite do politicamente correcto. Os jovens dificilmente a saberão e os não portugueses certamente desconhecem.

Nos versos, além da indicação de consumo de um garrafão (cinco litros), conta-se dos motoqueiros a acelerar, depois de beber álcool, a arriscarem-se a congestão, por mergulharem no mar depois da farra, e (deduz-se) levar um passageiro a mais na moto. As estradas portuguesas eram uma guerra civil, no que respeita a mortes.

É claro que ainda persiste alguma dessa realidade. Porém, não tem a condescendência de outrora e é motivo de crítica unânime. Nesse tempo, o vinho era a base da bebedeira dos portugueses, mais do que cerveja… e os destilados estavam longe das algibeiras.

Este ponto merece um enquadramento histórico. Portugal, em 1974, passou duma economia fechada e controlada e aos poucos foi-se abrindo. Em 1975, as colónias tornaram-se independentes, com implicações financeiras. Na equação têm de se colocar as crises do petróleo, convulsões económicas derivadas de opções políticas, etc.

Se até 1974 o whisky escocês, por exemplo, estava «escondido» e o gin espanhol era tenebroso, as bancarrotas de 1977 e 1983, com intervenções do Fundo Monetário Internacional, tornaram bem visível a fronteira das bebidas alcoólicas.

O dinheiro fresco que brotava das fontes comunitárias, a partir de 1986, ajudou a mudar o paradigma. Alteraram-se os vários padrões de consumo, mas os portugueses continuam a exigir que o vinho seja barato. Nem pensam em quanto o produtor investe, o risco e a quanto vende.

No tempo do saca-rolhas do Hérman, o consumo era muito elevado e o preço muito baixo – algo também possível graças à produção de vinho-a-martelo, uma mistela que «até» podia conter vinho, mas era um composto de inúmeros de produtos que o adulteravam e embarateciam: falsificação de bens alimentares.

Os portugueses aceitam pagar um euro por uma garrafa de água ou 60 cêntimos por uma bica, mas um vinho acima dos cinco euros é um objecto de joalharia. Fiz as contas e o vinho ao valor do café custa 15 euros (0,75 litros).

Mas não posso terminar este olhar para o retrovisor sem um verso popular, com o sarcasmo da falsa ingenuidade: «À porta do Santo António [igreja] está um ramo de loureiro, é uma pouca-vergonha fazer do santo tasqueiro».

As tabernas tinham à porta, à disposição dos clientes, ramos de loureiro. Ao que parece, mascar estas folhas faz desaparecer o hálito a vinho. Bem se vê que os foliões iam aos tombos para casa, mas provavam a inocência, junto das justas recriminações das mulheres, por o hálito não ser a copo.

Uma convenção: eu sei que tu sabes que eu sei que tu sabes que eu sei.

Vinhos da Casa Cadaval – Padre Pedro, Padre Pedro Reserva, Casa Cadaval e Marquesa de Cadaval 2012

Texto João Barbosa

Contar do vinho da Casa Cadaval necessita de algumas informações prévias. Repito: a história e as estórias são mais-valias. Tudo tem uma origem e explicação e o vinho ganha em ser mais do que apenas vinho ou simples produto alimentar. Este produtor pode encher livros.

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Casa Cadaval – Foto Cedida por Casa Cadaval | Todos os Direitos Reservados

Um país com quase 900 anos de existência tem muito para conhecer. Ao longo dos séculos, famílias ascenderam e outras decaíram. Nas crises e nas guerras, umas casas passaram para o lado do inimigo e outras mantiveram-se fiéis o país.

Em dois dos três períodos em que foi preciso lutar pela independência, o sangue Cadaval verteu pelo lado português. Os dois primeiros momentos estão relacionados com os vizinhos e o terceiro com os franceses de Napoleão. Neste último momento, acompanharam o Rei e a restante Corte na viagem para o Brasil.

Na crise dinástica e guerra contra Castela, entre 1383 e 1385, o condestável Dom Nuno Álvares Pereira foi o grande estratega e comandante das tropas portuguesas. O conflito terminou com a Batalha de Aljubarrota, em que os invasores eram superiores em número – cuja proporção varia conforme os cronistas e historiadores.

Dona Beatriz Pereira de Alvim, filha única do condestável, casou-se com Dom Afonso, filho do Rei Dom João I, fora do casamento, e que viria a ser o primeiro duque de Bragança. O primeiro Cadaval, embora sem título, foi Dom Álvaro, quarto filho do segundo duque de Bragança – Dom Fernando.

A partir do primogénito, Dom Rodrigo de Melo, a família foi somando títulos: conde de Olivença (1476 – apenas um titular), conde de Tentúgal (1504), marquês de Ferreira (1533) e duque de Cadaval (1648), marquês de Cadaval (segundo filho do oitavo duque e único titular), além de «honras de parente» da casa real.

O primeiro duque de Cadaval foi Dom Nuno Álvares Pereira de Melo, terceiro marquês de Ferreira, cujo título, atribuído pelo Rei Dom João IV, foi mercê pelo papel desempenhado na Guerra da Restauração, contra Filipe III de Portugal – Filipe IV de Espanha, bisneto do Imperador do Sacro-Império Romano-Germânico Carlos V, casa de Habsburgo.

Portanto, daqui se vê o peso que Cadaval tem na História de Portugal. Olga Maria Nicolis di Robilant Álvares Pereira de Melo, marquesa de Cadaval por via do casamento e descendente da Imperatriz Catarina da Rússia, é uma figura importantíssima da cultura, benemérita e patrocinadora das artes, especificamente da música. Falecida em 1996, foi homenageada pela Câmara Municipal de Sintra, que lhe dedicou o Centro Cultural Olga Cadaval.

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Tasting Room – Photo Provided by Casa Cadaval | All Rights Reserved

A aristocrata cultivou amizade desde o Papa Pio XII a importantes compositores e escritores, não olhando a valores de doutrina política, mas aos de talento e cultura: Cole Porter, Maurice Ravel, Igor Stravinski, Mstislav Rostropovitch, José Vianna da Motta, Luís de Freitas Branco, Fernando Lopes Graça… só para citar alguns vultos da música.

Em Muge, na margem esquerda do Tejo e a 80 quilómetros a Norte de Lisboa, situa-se a propriedade de onde saem os vinhos que aqui se narram. É um domínio com cerca de 5.000 hectares, onde convivem bovinos, cavalos, floresta e vinho.

A propriedade é gerida por Teresa Schönborn, neta de Olga Cadaval. O apelido indica o caminho para a Alemanha. Sua mãe, Graziela Álvares Pereira de Melo, foi casada com Karl Anton von Schönborn, oitavo conde de Schönborn-Wiesentheid. O vinho é também cultivado nos domínios alemães: Schloss Schönborn (Rheingau – Reno) e Schloss Hallburg (Franken – Francónia).

Regressando ao Tejo, em 1994 a Casa Cadaval abandonou o negócio da venda do vinho a granel e assumiu-se como produtor e engarrafador, sendo uma das primeiras empresas, da região, a apostar na qualidade e numa marca.

A base da gama é formada pela marca Padre Pedro, nome que homenageia um antigo prelado amigo da família. As mais recentes colheitas: Padre Pedro Branco 2014 (arinto, fernão  pires, verdelho e viognier), Padre Pedro Tinto 2012 (aragonês, cabernet sauvignon, merlot e trincadeira – seis meses de estágio em barricas de carvalho francês) e Padre Pedro Rosé 2013 (aragonês, merlot e touriga nacional).

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Padre Pedro branco – Foto Cedida por Casa Cadaval | Todos os Direitos Reservados

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Padre Pedro tinto – Foto Cedida por Casa Cadaval | Todos os Direitos Reservados

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Padre Pedro rosé – Foto Cedida por Casa Cadaval | Todos os Direitos Reservados

 

O branco e o rosado apresentam-se com uns felizes 12,5% de álcool, o que os torna bem indicados para o Verão, tanto para a conversa, aperitivos ou comidas leves. O tinto tem um ponto acima e pede carnes não pesadas. Vinhos fáceis, no que de melhor se pode querer da palavra – descontraídos e acessíveis (penso) à maioria das bolsas e fáceis de encontrar.

Num patamar acima estão os Padre Pedro Branco Reserva 2013 (viognier e arinto – seis meses de estágio em barricas de carvalho francês) e Padre Pedro Tinto Reserva 2012 (alicante bouschet, merlot, touriga nacional e trincadeira – oito meses de estágio em barricas de carvalho francês e seis em garrafa). O claro acompanha desde pratos de peixe condimentados até alguns estufados de carnes não muito gordas. O escuro alinha com carnes mais fortes, da vitela ao porco bem condimentadas.

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Padre Pedro Reserva branco – Foto Cedida por Casa Cadaval | Todos os Direitos Reservados

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Padre Pedro Reserva tinto – Foto Cedida por Casa Cadaval | Todos os Direitos Reservados

Os vinhos que se apresentam com o nome do domínio são monovarietais, produzidos a partir de castas com bom desempenho. Os mais recentes são Casa Cadaval Trincadeira Preta 2011 (estágio de um ano em barricas novas de carvalho francês e mais de um ano em garrafa), Casa Cadaval Pinot Noir 2012 (estágio de seis meses em barricas de carvalho francês e de mais meio ano em garrafa) e Casa Cadaval Cabernet Sauvignon 2012 (estágio de oito meses em barricas novas de carvalho francês e seis meses em garrafa).

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Casa Cadaval Trincadeira Preta – Foto Cedida por Casa Cadaval | Todos os Direitos Reservados

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Casa Cadaval Pinot Noir – Foto Cedida por Casa Cadaval | Todos os Direitos Reservados

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Casa Cadaval Cabernet Sauvignon – Foto Cedida por Casa Cadaval | Todos os Direitos Reservados

No píncaro está um vinho que faz justa homenagem a Olga Cadaval. Um excelente vinho do Tejo, com complexidade aromática e de paladar, com força e elegância – vai longo e duradouramente na boca. Se bem que está prazenteiro, penso que guardá-lo por três anos ou quatro anos o beneficiará. O produtor oferece uma «garantia» de dez anos – metáfora.

O Marquesa de Cadaval 2012 é um tinto aprovado como reserva. É um lote de alicante bouschet, touriga nacional e trincadeira – estagiou um ano em barricas novas de carvalho francês e outro ano em garrafa. Merece ser servido na mesa natalícia… ou como assegurou o poeta José Carlos Ary dos Santos: o Natal é quando um homem quiser.

Contactos
Casa Cadaval
Rua Vasco da Gama
2125-317 Muge – Portugal
Tel: (+351) 243 588 040
Fax: (+351) 243 581 105
E-mail: geral@casacadaval.pt
Website: www.casacadaval.pt

Quinta da Alameda Tinto Reserva Especial 2012 e Quinta da Alameda Tinto Jaen 2013

Texto João Barbosa

O Dão está em fase ascendente. A região acordou e está a mexer-se. Como seria de esperar, haverá erros, nada é perfeito, mas só o facto de reagir já é um dado a aplaudir. Está a acordar e a marcar pontos, caminhando para o estatuto que teve outrora. Mérito da Comissão Vitivinícola Regional, mas só possível por haver produtores determinados em fazer bem e a conseguir retorno financeiro.

Carlos Lucas é um dos homens que encabeçaram a ascensão, com a sua passagem pela Dão Sul, hoje Global Wines, empresa hoje presente também no Alentejo, Bairrada, Douro, Lisboa e Vinho Verde, além do Brasil (Vale do São Francisco).

A Dão Sul surgiu em 1990. As marcas Quinta de Cabriz e a Quinta dos Grilos apresentaram-se com preços convidativos e com características de fácil agrado do consumidor. O sucesso levou a que extravasassem o berço.

Os vinhos da Quinta de Ribeiro Santo, situada em Carregal do Sal, confirmaram o acerto de mão de Carlos Lucas. O Dão de hoje seria diferente, talvez muito diferente, sem o trabalho deste enólogo.

A Quinta da Alameda é uma parceria entre Carlos Lucas e o empresário Luís Abrantes, com actividade na indústria de mobiliário (Movecho). A parte de viticultura está a cargo de Amândio Cruz. Situa-se em Santar, no concelho de Nelas. A área é pequena para os padrões europeus, mas acima da média da região. O domínio tem 50 hectares, dos quais 15 são de vinha.

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As vinhas – Foto Cedida por Quinta da Alameda | Todos os Direitos Reservados

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As vinhas – Foto Cedida por Quinta da Alameda | Todos os Direitos Reservados

Para os mais curiosos por números, em 2009, do total de 305.266 empresas agrícolas, 283.071 tinham menos de 20 hectares – número que tem vindo a diminuir desde 1979 (é 2,6 vezes inferior). A superfície agrícola utilizada também tem decrescido, embora em menor ritmo (1,4 vezes inferior). A região Centro, onde se situa o Dão, é das que têm dimensão mais reduzida.

Passo dos números para o que mais interessa. Os dois sócios mantiveram uma parte de vinha velha, onde estão várias castas misturadas, como era a tradição, e reconverteram outra parte, plantando alfrocheiro, baga, jaen, tinta roriz, tinto cão e touriga nacional.

Está situada numa zona onde a altitude vai dos 400 aos 700 metros, nas imediações da Serra da Estrela e do rio Dão. Traduzindo numa só palavra: frescura. A escolha das novas castas teve em conta a produção de espumantes.

A valorização da vinha velha, pela constatação da qualidade dos vinhos obtidos, criou uma moda. Quem tem vinhas com 30 anos diz que são velhas… para mim, vale o que vale, não são. Na Quinta da Alameda, a idade dessas plantas é de mais de 80 anos.

Carlos Lucas confessou não ser fã da casta jaen. Porém, na Quinta da Alameda mudou de opinião, em 2012. No ano seguinte vinificou-a separadamente. Estreou-se agora e já conto dele mais adiante.

A região do Dão tem uma categoria de classificação especial, que pode ser comparada com a de Vintage, no Vinho do Porto. Carlos Lucas diz desconhecer se alguma vez foi atribuída a «Dão Nobre» e prevê que dificilmente o poderá ser… mistérios que os vinhateiros guardam.

O Quinta da Alameda Tinto Reserva Especial 2012 foi apresentado a exame e não mereceu a distinção, como o leitor deve ter depreendido do parágrafo anterior. Ficou como Reserva Especial, o que, de alguma maneira, vai dar ao mesmo. Se o topo é inacessível, o patamar imediatamente abaixo ocupa-lhe o lugar.

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Carlos Lucas – Foto Cedida por Quinta da Alameda | Todos os Direitos Reservados

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Quinta da Alameda Tinto Reserva Especial 2012 – Foto Cedida por Quinta da Alameda | Todos os Direitos Reservados

A classificação recebida é justa! É um grande vinho e tem o que se espera do Dão. A região vive nestas garrafas, onde se guarda a memória vinda das vinhas velhas e a categoria reconhecida desde sempre.

O Quinta da Alameda Tinto Reserva Especial 2012 fez-se com uvas de alfrocheiro, tinta roriz, tinto cão e touriga nacional… uma pitada de baga, casta proscrita, pese a sua antiga presença no passado por aqueles lados. O vinho conviveu um ano com a madeira de carvalho francês e estagiou outros 12 meses em garrafa. É um vinho de enorme frescura, suavidade e elegância. Uma frescura que encobre os 14 graus de álcool – nem se dá por isso.

O Quinta da Alameda Tinto Jaen 2013 é uma boa expressão da casta. É um vinho didáctico em dois níveis: o que é a casta jaen e o que é um vinho do Dão – apesar de a tradição ser a de vinhos de mistura de castas. O estágio em barricas de carvalho francês durou um ano. É igualmente um tinto com frescura e que dá bom prazer, com a elegância pela qual a região era/é conhecida.

Como é de esperar, não mando nada na região do Dão, tal como acontece com as outras todas. Porém, penso que ao não validar vinhos como Dão Nobre, o painel de provadores não está a beneficiar ninguém. Seria uma boa ajuda para os consumidores mais antigos se reencontrarem e os novos apreciadores se aventurarem nas maravilhas que, de facto, existem na região.

Outras regiões poderão chegar primeiro a uma nova designação de superior classificação, beneficiando da primazia. Cada um sabe de si e dos seus negócios. Fica a minha opinião, que vale o que o leitor quiser que valha.

Lembremo-nos que em Bordéus, Borgonha ou Champanhe «nunca» há anos maus… ou são excelentes ou clássicos. As classificações de topo são usadas e França é o que é.

Natureza-morta ou Ainda-vivo

Texto João Barbosa

O título pode parecer estranho para alguns leitores, mas são dois conceitos bem definidos, sedimentados e antigos da pintura. Nas línguas latinas o termo usado é natureza-morta, enquanto em inglês e alemão é ainda-vivo (still life – stilleben), e aplica-se a obras onde se apresentam alimentos, elementos naturais e, por vezes, animais. Contudo, outros objectos podem ser acrescentados.

Um outro conceito é a vanitas, muitas vezes ligado às naturezas-mortas, e aborda a insignificância ou perenidade da vida, do que de nós resta após a morte, a vaidade (vanitas) derrotada…

Ontem, após o jantar, descansava com um copo de vinho e olhava para uma natureza-morta do meu pai (Manuel Jorge – 1924 a 2015), de que não tenho fotografia, e mergulhei em Paul Cézanne – que tanto apreciava. Com o passamento do meu pai próximo (Fevereiro do ano passado) ocorreram-me as vanitas – que saiba não criou nenhuma – e a razão de existirem enquanto motivo artístico.

A vanitas é mais óbvia. Já as naturezas-mortas me parecem mais complexas, não podendo deixar de notar as duas formas de as nomear: morta ou ainda viva. Os alimentos que nos mantém vivos, o vinho que nos dá brilho e a sensação de algo que ficou por fazer – levantar a mesa, terminar de descascar a peça de fruto, terminar o copo de vinho, objectos tombados por alguma pressa súbita.

Note-se que os alimentos surgem frescos e apetitosos, não apresentando sinais de degradação. Se, colhidos e caçados ou pescados, estarão mortos. A frescura, transmita pelos brilhos, desmente a morte. Portanto, a verdade estará entre os dois conceitos, o latino e o germânico.

Estas obras são uma janela para os prazeres da mesa de outrora e do autor. Note-se, que durante séculos, passou-se muita fome, que alimentou revoltas, doenças, morte precoce ou esperança de vida que nos espantará – milénios em que chegar aos 40 anos eram um feito, em que a taxa de mortalidade à nascença e na infância era imensa.

Por isso, estas obras reflectem o prazer deslumbrante da comida e da festa, mas também da solidão e melancolia. Olhando com atenção pode entender-se que a gula de outrora não é muito diferente da actual.

O açúcar, produto tão acessível, era para os ricos. Para se ter um exemplo, numa escavação arqueológica dum enterramento podem distinguir-se facilmente os ricos dos pobres. Uns têm cáries, porque podiam pagar o doce, e outros os molares mais gastos, por comerem pão de farinhas piores, com mais resíduos da pedra da mó.

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Josefa de Óbidos pintou várias naturezas-mortas com bolos

Por isso, o doce surge abundantemente como fruta. Uvas, limões e laranjas são, provavelmente, as mais citadas… talvez ainda a romã. Contudo, a pastelaria foi igualmente pintada.

Josefa de Óbidos pintou várias naturezas-mortas com bolos. Lubin Baugin «retratou» um despojado quadro, com garrafa e copo de vinho e rolos de bolacha, conhecidos como língua-da-sogra. O pão foi imensamente mostrado, ou não fosse a base alimentar dos séculos passados no Ocidente.

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Lubin Baugin «retratou» um despojado quadro, com garrafa e copo de vinho e rolos de bolacha

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Paul Cézanne retratou cebolas

Nos prazeres encontram-se ostras, lagosta, sapateira, peixes, carnes… e vinho! Porém, há uma natureza-morta «deliciosa», de Juan Sánchez Cotán, de couve, abóbora, pepino e marmelo (?)… devia estar de dieta. Paul Cézanne retratou cebolas. O mestre Abel Manta escolheu um safio luzidio que, só de ver, transmite a sensação olfactiva da trimetazidina – o nitrato responsável pelos cheiros dos pescados e que me revolve as entranhas e faz vomitar… deixe-vos sem mais intimidades. Mas o bicho é lindo!

Como não podia deixar de ser, o vinho corre abundantemente, indicando o deleite que ainda hoje nos sacia a alma. Note-se que o vinho era uma fonte acessível de calorias, que os pobres podiam beber – tantas vezes alimentou os camponeses e operários portugueses e até há bem pouco tempo.

No entanto, o vinho mostrado não era para a garganta do trabalhador braçal. Apresenta-se acompanhado por uma garrafa (luxo) e em copos finos, do caro cristal, certamente – até o vidro era caro. Outras vezes, os cálices são de metal trabalhado. Faço uma nota, a cerveja foi também muito escolhida.

Se hoje os consumidores preferem os tintos (confesso que não consegui dados actualizados), o vinho branco foi, aparentemente, na pouco fiável memória, mais escolhido pelos pintores. Há muitos claretes, tão distante dos retintos que hoje agradam a tantas pessoas.

Disse bastarem as intimidades, mas esta tem fundamento. O meu pai era apreciador de vinho. No entanto, as duas naturezas-mortas, que tenho dele, têm flores, fruta, pão e… água!

Hexagon Tinto 2009 e Hexagon Branco 2013 (Seis é número de saber) – Colecção Privada Domingos Soares Franco Touriga Francesa 2013

Texto João Barbosa

Ao contrário do sete, para quem é supersticioso, o seis não é um algarismo mágico. Para os chineses, o oito é fantástico, de excelente augúrio. Por isso o seis é quase… mas há seis e «seis».

Escrita a graçola numerológica, os vinhos Hexagon (branco e tinto) são a prova de que o «seis» é de sabedoria e não de acaso. Seis porque se fazem com esse número de castas, provenientes de parcelas diferentes.

A primeira colheita apresentou-se em 2006, referente à vindima de 2000, apenas tinto. Lembro-me de o ter levado para um jantar com amigos e da reacção de contentamento dos festejantes. O Alexandre, um regular involuntário reactivo, ficou, literalmente de boca aberta e a proferir palavrões, no sentido elogioso: F***-**, GANDA VINHO! Cum c******!

Felizmente, os Hexagon são sempre diferentes. Para quem gosta da expressão da natureza, é uma mais-valia – muito embora implique que uns sejam melhores que outros. Para quem prefere uma fórmula que dê uniformidade, colheita após colheita, não os beba. Não critico, para mim são escolhas igualmente defensáveis e legítimas.

Tendo-os todos num elevado patamar de qualidade, é-me difícil não expressar algum gosto pessoal. Provavelmente serei um pouco «infantil»: o primeiro e o último são os melhores. A memória pode trair, evidentemente.

O mais recente tinto é referente a 2009 e fez-se com touriga nacional (35%), touriga francesa (touriga franca – Domingos Soares Franco, o enólogo-mor, prefere a denominação antiga – 17%), syrah (15%), trincadeira (13%), tinto cão (10%) e tannat (10%).

Desta formulação, a descrição aromática torna-se extensa – é que não levou «betume» que descaracteriza a expressão dos bagos. Extensa, complexa e maçadora. Aliás, os cheiros evoluem, substituem-se e regressam. Os enófilos que se entretenham numa brincadeira.

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Hexago tinto 2009 – Foto Cedida por José Maria da Fonseca | Todos os Direitos Reservados

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Hexagon branco 2013 – Foto Cedida por José Maria da Fonseca | Todos os Direitos Reservados

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Colecção Privada Domingos Soares Franco Touriga Francesa 2013 – Foto Cedida por José Maria da Fonseca | Todos os Direitos Reservados

O exame oral obedece sensivelmente as mesmas características organolépticas. Acrescente-se elegância, enchimento da boca, fundura e longo final.

Também gosto muito do quatro. O Hexagon Branco 2013 é, na verdade, um quadrado. Tal como o oito, gosto muito do quatro. Do que não gosto é da casta antão vaz. Repito o que digo sempre: uma coisa é gosto e outra é qualidade. Por isso, não se veja na afirmação uma sentença de castigo.

O Hexagon Branco 2013 é um lote de viosinho (34%), verdelho (30,5%), antão vaz (20%) e alvarinho (15,5%). É igualmente um grande vinho, de complexidade olfactiva e excelente comportamento na boca.

Assinalando, para memória futura, a minha avaliação do «meu gosto»: Desgostou-me o antão vaz e o alvarinho. Se a primeira variedade é um golpe no barbear, a segunda é apenas um levantar de sobrancelha … a forma como esta casta do Norte da região dos Vinho Verde se manifesta no Sul não…

A touriga francesa é a grande alma da região do Douro, assim chamada (creio) por ter surgido na época em que em França se andava a fazer híbridas. Penso que o autor permanece anónimo, mas sabe-se que é filha de touriga, que à época não precisava de ser designada por «nacional», e de mourisco. A primeira porta-se bem na adega, mas é complicada no campo, e a segunda é o oposto.

Podia ter nascido com os maus genes de ambas, mas saiu uma planta extraordinária – para mim a melhor casta tinta portuguesa. Porém, são raríssimos os casos em que se mostra com a alma do Douro. Além de ser uva que gosta de ter amigos na garrafa.

Nesses casos raros, de cabeça, só me lembro de dois produtores que sabem conduzi-la como se fosse um Lamborghini – desculpem, mas é a única marca de super-automóveis desportivos de que gosto. São eles José Mota Capitão (Herdade do Portocarro) e Domingos Soares Franco.

Foi com a certeza que o enólogo-mor da José Maria da Fonseca tem «dedinhos» para conduzir o Miura e a excitação infantil – é a segunda vez neste texto que me acuso de ser criança, talvez seja grave – do brinquedo novo que abri a garrafa.

Bem, da qualidade já se sabe, nos Colecção Privada e no que referi acerca dos Hexagon é aqui também verdade. Por isso, quase não consigo fugir à classificação do «meu gosto».

Não é a touriga franca do Douro, mal seria, mas também uma excelência. Quando o provei, assaltou-me um espanto: umas notas florais, nada excessivas, de laranjeira. Comentei que nunca experimentara nada que se parecesse – até mesmo em tintos de castas diferentes.

Quando espreitei a ficha técnica percebi que «houve batota»… ou melhor, que Domingos Soares Franco estava a conduzir o Lamborghini num autódromo, com combustível preparado para competição.

A batota: touriga francesa (95%) e moscatel roxo (5%). Malandro! Grande Domingos!