Posts By : Ilkka Sirén

H.M. Borges

Texto Ilkka Sirén | Tradução Bruno Ferreira

A chegada à Madeira pode ser bem vibrante. Situada a cerca de 500 quilómetros da costa de África, a ilha da Madeira está à mercê do Oceano Atlântico. O aeroporto do Funchal situa-se entre o vasto oceano e as montanhas que chegam a ter 1800 metros de altura. Numa ilha que conta apenas com 57 quilómetros de comprimento e 22 quilómetros de largura, de zero metros a quase dois quilómetros de altitude pode ser um bocado assustador. Podem imaginar então, que a paisagem é bastante dramática quando voamos para a Madeira. O que a torna ainda mais dramática é o facto de uma parte do aeroporto estar assente em… nada. Alguma vez estiveram debaixo de uma pista de aterragem? Claro que não, poucas pessoas estiveram. Em muitos sítios não é possível, mas na Madeira é. Então preparem-se, certifiquem-se que têm os cintos bem apertados e as bandejas arrumadas porque estamos prestes a aterrar na Madeira, em cheio.

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Debaixo da pista de aterragem, no aeroporto do Funchal. Reparem na doca no canto inferior direito – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

O Funchal é uma cidade peculiar. Da primeira vez que cá vim pensei que o meu avião tivesse acidentalmente aterrado em Cuba. O toque exótico das bananeiras e o clima húmido deram-me uma súbita sede de mojitos, charutos e mambo. A cidade não é definitivamente aquilo que espera quando se aterra pela primeira vez. É surpreendentemente grande e tem uma elevada densidade populacional. Aliás, é provavelmente umas das cidades com mais densidade populacional em Portugal. Uma parte da ilha é protegida o que implica que o Funchal seja obrigado a crescer para o interior. O mercado imobiliário é escasso, principalmente muito devido ao recorrente crescimento da indústria do turismo. Se está a planear andar pela cidade recomendo apanhar um táxi. Não tente ser um herói e percorrer a cidade inteira a pé, a não ser que esteja a treinar para os Jogos Olímpicos. A própria cidade sobe até aos 800 metros de altura o que significa um treino e pêras.

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Funchal – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Localizado na Rua 31 de Janeiro, bem no centro da cidade, em frente ao IVBAM encontramos o produtor HM Borges. Para mim é, à sua maneira, um belo sítio para ter uma adega. O canal entre os dois lados da rua está repleto de flores silvestres e arbustos. A casa foi fundada por Henrique Menezes Borges em 1877 e ainda pertence à família Borges.

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Rua 31 de Janeiro – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Entrar no edifício é como viajar atrás no tempo. Murais com pinturas antigas, garrafas poeirentas, uma sala de degustação escura com o sensacional aroma do vinho Madeira no ar. Impressionante. Dá para sentir a história e tradição. Tanto, que até chega a ser um pouco estranho. Mas eu gosto disso. O vinho, que estabelece a ponte entre o antes e o agora, está verdadeiramente enraizado na cultura Madeirense e nas pessoas que lá vivem. Cria uma certa atmosfera na ilha que para mim é única.

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Mural antigo – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Ao percorrer as antigas caves é impossível não pensar que o vinho Madeira não é apenas uma bebida mas sim um contínuo esforço para manter um estilo de vinho, a sua história e cultura, para que seja possível apreciar estes vinhos fantásticos por mais um milénio. A história da Madeira é líquida, o que faz dos produtores de vinho historiadores e portanto ter a responsabilidade de preservar o mundo do vinho Madeira. Claro que é mais fácil falar do que fazer, mas uma coisa que sei sobre o povo madeirense e especialmente no que respeita aos produtores de vinho, é que são realmente resilientes. Quer dizer, mesmo, mesmo, persistentes. A prova disso é o próprio vinho. Sem essa persistência, teimosia ou o que lhe queiram chamar este estilo de vinho já teria desaparecido há muito tempo. Não desapareceu e isso deve querer dizer alguma coisa.

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Adega – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Aqui estão as minhas escolhas da prova H.M. Borges:

H.M. Borges Sercial 1979
Nariz surpreendentemente vibrante com um distinto toque de maracujá. Após um bocado, um bom bocado, quando se passa do cheirar ao saborear, o Sercial revela o seu clássico perfil sério/austero. Diria mesmo que é um sumo de uva fermentado único, quando comparado com os muitos Serciais que provei durante a viagem. Jovial, equilibradamente frutado com um toque de noz e um final de pedir por mais. Muito bom.

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H.M. Borges Sercial 1979 – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

H.M. Borges Terrantez 1877
Provar um Terrantez tão velho é realmente algo especial, muito especial. Este vinho é do ano de inauguração da H.M. Borges! Foi engarrafado nas velhas demijohns da família e já não está à venda. Consegue sentir-se o Atlântico neste vinho. Imaginem uma bola de frutos secos, figos e demais, com um pequeno toque de adega velha no perfil, tudo envolvido numa fina camada de sal do mar. Uma bola deliciosa, preenchida com uma combinação única de sabores, sabores esses que não deveriam funcionar bem juntos mas que o tempo moldou de maneira a que encaixem perfeitamente uns nos outros. Depois imaginem essa mesma bola ligada a um desses geradores que dizem “Perigo! Alta Voltagem”. É esse o poder da acidez deste vinho. Corre pela boca como 10000 Volts, quase cortando a língua a meio, após o qual darão por vocês, tal como o Dr. Frankenstein, a gritar “IT’S ALIVE! IT’S ALIVE!”! Fenomenal!

Contactos
H.M. Borges, Sucrs. Lda.
Rua 31 de Janeiro nrº 83
9050-011 Funchal – Madeira
Portugal
Tel: (+351) 291 223 247
Fax: (+351) 291 223 281
E-mail: info@hmborges.com
Site: www.hmborges.com

Os Bio-adoráveis vinhos da Quinta da Serradinha

Texto Ilkka Sirén | Tradução Bruno Ferreira

Carácter acima de tudo. Vinhos exclusivos com muita personalidade, certo? Não é suficiente fazer vinhos tecnicamente sólidos, é preciso algo que os distinga. E não estou apenas a falar do terroir. Quer dizer, pode ter o melhor terroir do mundo, como o fantástico Romanée-Conti, mas se isso não passar para os seus vinhos mais vale plantar as vinhas em cima de uma grande pilha de lixo tóxico. Basicamente ninguém quer saber se o resultado final é um vinho com botox e demasiado polido, mesmo que seja “razoável”.

Os bons vinhos são aborrecidos e os grandes vinhos nunca são perfeitos. Pelo menos não para mim. O que faz um grande vinho verdadeiramente grande é o factor-x, aquela ligeira singularidade que te vai fazer uivar como um lobo para a lua cheia. Grandes vinhos não são necessariamente fáceis ou sequer muito saborosos ao início. Na verdade, eles podem ser verdadeiramente desagradáveis. Porém, quando chegam àquele momento perfeito e libertam todo o seu potencial, é mágico.

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Vinhas Solarengas na Quinta da Serradinha – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Situada no coração da Mãe Natureza, a cerca de uma hora do norte de Lisboa, na D.O. Encostas d’Aire e perto da cidade de Leiria encontra-se a Quinta da Serradinha. Desde cedo que a quinta abraçou a agricultura biológica. O actual enólogo e capo António Marques da Cruz, disse que as pessoas estavam um pouco cépticas no dia em que o seu pai começou a tornar a propriedade biológica. Mas agora que o orgânico, biológico ou o que lhe quiserem chamar está na moda, podemos afirmar com segurança que a Quinta da Serradinha não era um bando de hippies a correr com flores no cabelo, mas sim os pioneiros de um movimento que, desde então se tornou amplamente praticado.

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Uvas quase prontas para colheita – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Provei pela primeira vez os vinhos da Quinta da Serradinha num evento de vinho no Porto. Embora os vinhos fossem bastante interessantes não me diziam muita coisa neste tipo de degustação. Senti que fui apressado e não tive o tempo necessário para me envolver com os vinhos. Porém, ficaram na minha cabeça e estava curioso para os provar novamente, mas viver na Finlândia faz com que provar vinhos portugueses seja difícil. Felizmente tive a oportunidade de finalmente visitar a propriedade.

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A Adega – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

No caminho para a adega vi algo curioso e não conseguia acreditar no que os meus olhos estavam a ver. Algo bastante primitivo, mas sofisticado. Atrás de uma grande cerca de arame farpado havia um vinhedo. Um vinhedo dentro de uma prisão! Estava pasmado. Isso nunca aconteceria na Finlândia, e não apenas porque é climaticamente desafiante. Aparentemente, em Portugal levam muito a sério o cultivo de uvas. Quase me fez querer roubar um banco.

De qualquer forma, ao chegar à Quinta da Serradinha passamos por muitas vinhas bonitas e espessas. A adega em si parece bastante, hmm, “com-os-pés-no-chão”. Não há piscinas intermináveis ou fontes elegantes na entrada. Apenas o essencial, rústico. A adega é a própria simplicidade, sem aqueles disparates todos e engenhocas inúteis. Poucos tonéis, barris, um par de ânforas e acho que vi também uma bomba num canto qualquer. Podemos rapidamente sentir de que esta é definitivamente uma quinta de intervenção mínima, uma adega pragmática. As vinhas falam por si.

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Amostra de barril – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Sentamo-nos na adega e degustação dos vinhos começou. Amostras de barril, brancos feitos de variedades como Arinto, Fernão Pires e Encruzado, vinhos rosé feitos em ânforas, algo que não se vê muitas vezes. Os vinhos apresentavam toneladas de personalidade. Alguns um pouco “funky”, alguns muito puros e elegantes, mas nenhum deles aborrecido. Houve uma consistência de exclusividade nos vinhos que achei muito atraente. Um certo charme que me fez querer provar e aprender mais sobre estes vinhos. No entanto, como sempre houve um par de vinhos que realmente se destacou.

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Normalmente garrafa vazia significa um bom vinho – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Quinta da Serradinha “poupa” 1999
O pássaro no rótulo não é apenas um pombo de vinha qualquer, é um pássaro de poupa também conhecido como poupa em Portugal. Este companheiro especial é fantástico porque protege as vinhas ao comer alguns dos insetos indesejáveis e assim diminuindo a pressão na utilização de pesticidas. Lindo passarinho.

Consistindo principalmente por Baga (75%), este vinho não mostra qualquer tipo de crise de meia-idade. Aromas desenvolvidos, mas ainda com algumas agradáveis frutas vibrantes de fundo. Muitas especiarias e alguns tons de terra com notas de aneto. É surpreendentemente delicado, mas com um taninos firmes sugerindo certamente encontraria o seu lugar ao lado de uma boa refeição. Atrevo-me a dizer que este deve ser um dos melhores vinhos Baga fora da Bairrada. Muito bom.

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António a decantar uma garrafa – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Quinta da Serradinha Vinho Tinto 1989
Estamos sempre um bocadinho alerta quando degustamos tintos portugueses pré-90. Embora alguns possam envelhecer durante décadas, alguns tendem a ter um curto período de vida. Não significa necessariamente que sejam maus vinhos, apenas significa que atingem o pico mais cedo tornando-os mais “amigo” do consumidor.

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Joaninha, o mascote da Quinta da Serradinha – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Tenho que dizer porém, que este vinho me surpreendeu. Mesmo estando bem amadurecido tem alguns belos aromas perfumados de mirtilos e ervas. Adorável textura ainda com alguma frescura da Serra d’Aire. Alguns podem dizer que este vinho já passou o seu tempo, mas é uma questão de gosto. Eu acho que estes vinhos ainda são bons de beber mas estão a chegar ao ponto de “ou se bebe agora, ou nunca”.

Contactos
Quinta da Serradinha
Barreira Apart. 4040
2411-901 Leiria
PORTUGAL
Tel.: (+351) 244 831 683
Telemóvel: (+351) 919 338 097
E-mail: amc@quintadaserradinha.com
Site: www.quintadaserradinha.com

Colares – A Mais “Ridícula” Região de Vinho do Mundo

Texto Ilkka Sirén | Tradução Teresa Calisto

Ou seja, ridiculamente espectacular! Tenho andado curioso sobre esta pequena região de vinho em Lisboa, desde que provei uma garrafa durante a vindima no Douro em 2008. Num jantar recheado de vinho, provei o meu primeiro golo de Colares. Foi fantástico. Não me lembrava qual o produtor, nem o ano exacto. Só me lembro que era velho. Até que encontrei uma foto, há muito perdida, de mim a segurar essa mesma garrafa na mão. Não se assustem essa foto foi tirada há 6 anos e 20 quilos atrás, mas garanto-vos que sou eu na fotografia. Mas já voltaremos a esse vinho.

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Bebendo Colares em 2008 – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

A região tem uma longa história e é a segunda região demarcada mais antiga de Portugal, datando de 1908. Mas a história da produção de vinho em Colares vem de muito, muito antes, desde os dias do Império Romano. Mas foi o Rei Afonso III de Portugal quem na realidade ordenou que se cultivassem vinhas lá. Consigo imaginá-lo como uma figura do estilo “Game of Thrones”, bêbado, a gritar “MAIS VINHO!” enquanto brandia a sua espada, como o Tyrion Lannister.

Portanto, o vinho tem sido importante para a região de Colares desde há muito tempo. Nos finais do século XIX, o insecto do vinho filoxera destruiu praticamente todas as vinhas na Europa, excepto Colares. As vinhas dessa área estavam cultivadas em dunas de areia, muito perto do mar e a filoxera, esse sacaninha manhoso, não gosta das praias, e as vinhas de Colares sobreviveram a esta catástrofe vinosa.

Enquanto o resto da Europa perdia a cabeça, enxertando e enterrando sapos debaixo das vinhas porque achavam que isso ajudaria a salvar o pouco que tinha sobrado, Colares estava a dar-se bem. Quer dizer, as pessoas andavam a combater estes insectos microscópicos com sepulturas vinícolas de anfíbios! Tempos desesperados pedem medidas desesperadas, acho eu. Mas para Colares, isto foi como ganhar a lotaria. O mundo sofria de uma escassez de vinho extrema e Colares tinha o bilhete dourado. Oferta e procura – BOOOM!! Tenho a certeza que deve ter havido um momento em que Colares estava numa boa trajectória para se tornar numa das maiores regiões de vinho no mundo. Mas isso não lhe estava destinado.

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Dunas de Areia Protegem as Vinhas dos Ventos Fortes – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

A região passou de ser quase o centro do mundo do vinho, para estar à beira da extinção, onde se encontra actualmente. Foi apenas quando tive a oportunidade de visitar Colares que compreendi porque é que nunca poderia ter sido uma região de imenso sucesso. Com certeza que a região merece muito mais atenção, mas nunca será um “vinho mainstream”. É demasiado difícil cultivar vinhas ali. É um trabalho muito intensivo.

Eu visitei uma série de vinhas durante estas vindimas que não estavam a mais de 300 metros do oceano Atlântico. Os vinhedos estão rodeados de paredes de palha e as vinhas estão plantadas em trincheiras de areia, que fazem com que pareçam uma cena do filme Dune de David Lynch. As vinhas alastram-se à vontade no chão e quando as uvas se começam a formar, elas serão levantadas com umas canas para prevenir que as uvas apodreçam.

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Canas Seguram as Vinhas Acima do Chão – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Quando a vindima finalmente chega, apenas podemos imaginar o quão árduo será apanhar aquelas uvas. Podem esquecer a mecanização, a não ser que arranjem forma de prender uns apanhadores de uvas às traseiras de um buggy das dunas, e os arrastem pelo vinhedo sem os magoar.

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As Uvas de Colares não são as Mais Fáceis de Apanhar – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Porquê complicar as coisas então? Bem, os vinhos feitos para a DOC Colares têm que vir de solos arenosos perto da praia e não podem ser enxertadas. No entanto, se quiserem algum subsídio da UE, as vinhas têm que ser enxertadas. Esta Escolha de Sofia vinícola não torna as coisas mais fáceis.

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A Carregar o Tractor – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Depois de visitar as vinhas estava na altura de provar estes vinhos. Fui a uma das caves à moda antiga: a Adega Viúva Gomes para beber um ou dois copos. Eles existem desde 1808 e os seus vinhos são procurados pelos fãs de Colares por todo o mundo.

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A Adega Viúva Gomes – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Na linda cave da Viúva Gomes, provamos um conjunto de vinhos de diferentes produtores locais. As garrafas variavam em estilo e idade, mas houve uma que realmente captou a minha atenção.

Viuva Gomes “Collares” Tinto 1934
Deixem-me começar por dizer que este não é um vinho fortificado, repito, este não é um vinho fortificado. O que torna o seu ano ainda mais surpreendente. Este é um vinho tinto, feito de Ramisco, a uva rei de Colares. Uma casta bastante desinteressante fora da região, mas que em Colares produz vinhos com grande personalidade e uma longevidade notável. O ano 1934 foi o ano em que Adolf Hitler começou o seu reinado e foi também o ano em que Bonnie e Clyde foram mortos a tiro, no meio das florestas de pinheiros do Luisiana, só para vos dar um bocadinho de contexto. É velho.

A partir do momento em que pousam os olhos neste vinho, saberão que ele não é propriamente desta década, nem deste século. O tom castanho claro promete algo amadurecido, algo que sobreviveu ao teste do tempo. No nariz tem uns bonitos aromas terrosos, com insinuações de cereja, pedra esmagada e um toque deste caracter volátil mentolado. Este é um vinho a que eu gosto de chamar um “Vinho Houdini”. Está constantemente a evoluir e a mudar no seu copo. Sempre que levar o nariz ao copo, é um pouco diferente. Quando prova o vinho, compreende porque algumas pessoas são verdadeiros fanáticos destes vinhos. Apenas pura estrutura! Acidez potente com camadas sobre camadas sobre camadas de sabor. Há também este lindo efeito salivante. Um pouco daquele chuto como sal marinho, que faz ficar de água na boca. Um vinho verdadeiramente surpreendente, que é uma grande prova do imenso potencial dos vinhos de Colares.

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Garrafa de Viúva Gomes From 1934 – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Então, de volta ao vinho que deu início a tudo isto. O vinho de Colares que provei em 2008 quando estive no Douro. Enquanto escrevia este artigo, ressurgiu uma antiga fotografia daquela noite e depois de aumentar e realçar a foto, descobri que o vinho que provei em 2008, era na realidade o mesmo Viúva Gomes Tinto de 1934. O mesmo vinho que despertou o meu interesse pelos vinhos de Colares e que reafirmou a minha crença de que os vinhos Portugueses conseguem envelhecer como os melhores.

Agora, não sei o que irá acontecer a esta regiãozinha peculiar de vinho no futuro. Não pode ficar muito mais pequena do que está sem desaparecer por completo da face da terra, e eu não acho que o fará. Parece haver um recém-descoberto entusiasmo pela produção de vinhos de Colares. Há jovens como Hélder Cunha com os seus vinhos Monte Cascas, que estão a produzir coisas bem saborosas e a trazer sangue novo para a região, por assim dizer. Enquanto houver produtores de vinho talentosos, como ele e todos os outros que estão actualmente a fazer vinho em Colares e a preservar o que só pode ser descrito como uma das mais ridículas e no entanto absolutamente fascinantes regiões de vinho no mundo, ainda há esperança.

Contactos
Largo Comendador Gomes da Silva,
2 e 3, Almoçageme
2705-041 COLARES
Tel.: (+351) 219 290 903
Email: chaodeareialda@gmail.com
Site: www.adegaviuvagomes.com

A Vida Aquática Com Monte d’Oiro

Texto Ilkka Sirén | Tradução Teresa Calisto

Viajar por Portugal é uma experiência. Atravessando as pequenas aldeias de carro, um sem número de rotundas e lindas paisagens fazem parte da diversão de saltar de região de vinho em região de vinho.

A maioria das pessoas tem esta imagem de Portugal: que é a terra do sol que nunca acaba. Com certeza que poderá apanhar tempo muito bom quando estiver em Portugal, mas porque o país está pendurado na beirinha da Europa, com os dois pés firmes no Oceano Atlântico, o tempo pode tornar-se bastante difícil, às vezes. Esta viagem foi uma dessas vezes.

Partimos para uma prova na Quinta Monte d’Oiro perto de Lisboa. A Mãe Natureza consegue ser uma absolutista porque abriu as comportas no exacto momento em que entramos no carro. O nosso carro converteu-se imediatamente num submarino, à semelhança do carro naquele filme do James Bond. A água caía do céu em quantidades bíblicas. Os limpa-pára-brisas limpavam à velocidade máxima, os bacalhaus nadavam na faixa oposta e eu tenho quase a certeza de ter visto o Kraken. É surpreendente o quão difícil é conduzir quando não se vê mais de um palmo à frente do nariz.

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As vinhas na Quinta do Monte d’Oiro – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Conseguimos, no entanto, encontrar a propriedade e até a chuva parou, por um breve momento. Depois de darmos uma espreitadela às vinhas, localizadas mesmo em frente à adega, fomos até à cave e tivemos uma prova bastante extensa, dos brancos aos tintos, das colheitas mais recentes às mais antigas. Enquanto beberricávamos os vinhos, a Mãe Natureza continuava a protestar lá fora e a tempestade transformou-se em trovoada.

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A Quinta sob um Céu Tempestuoso – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Juntou-se a nós José Bento dos Santos, broker de metais numa vida anterior, que adquiriu a propriedade Monte d’Oiro em 1986. A quinta é conhecida por produzir vinhos que acompanham bem a comida, feitos não só de castas Portuguesas, mas também de Syrah, Viognier e Petit Verdot.

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José Bento dos Santos – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Provámos vários patamares de vinhos e passado um pouco, começou a surgir um padrão. Os vinhos eram consistentemente bons, contidos nos aromas e guiados pela acidez e estrutura. As regiões de vinho de Lisboa são geralmente bastante frescas em comparação ao Alentejo, por exemplo. A influência do Atlântico é muito presente, dando com frequência aos vinhos frescura e tornando-os muito bebíveis.

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Prova na Cave – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Se há uma coisa que eu trouxe desta prova foi que os vinhos de Monte D’Oiro envelhecem bastante bem. Apesar de alguns anos se mostrarem melhores que outros, o que é normal, os vinhos mantêm a sua pose e continuam a mostrar grande carácter.

As minhas duas escolhas da prova:

Quinta do Monte d’Oiro Reserva 1999
Tinto baseado em Syrah com grandes cojones. Aromas maravilhosamente amadurecidos de tapenade de azeitona preta, ervas e bagas vermelhas. Estrutura de taninos suave e ainda alguma boa acidez vibrante. Um vinho que pode continuar durante muitos anos. Muito bom.

Quinta do Monte d’Oiro ‘Homenagem a Antonio Carqueijeiro’ 1999
Ligeiramente mais desenvolvido que o Reserva. Mostrando mais daqueles aromas rústicos, de celeiro, mas ainda com algum agradável perfume de cereja e especiarias. Faz-me lembrar um pouco os vinhos Saint-Joseph. Beba agora ou espere um par de anos, mas certifique-se que tem boa comida para o acompanhar.

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Os Vinhos da Noite – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Depois da prova era altura do jantar. O Sr. Bento dos Santos é um gastro-entusiasta, para não dizer mais. Aparentemente trata Paul Bocuse por tu, entre muitos outros elogios. Para resumir um longo jantar, nós comemos o que foi, de acordo com o anfitrião, a melhor carne da Europa, premiado por uma espécie de revista de carne de vaca. Quem diria que havia uma revista só para carne de vaca? Bom, o jantar estava absolutamente delicioso, claro. O que o tornou ainda mais delicioso foi que nós bebemos 5 tipos diferentes de rum como digestivo. Eu não levantei objecções. Em suma, um grande insight para uma das melhores adegas de Lisboa, e que foi, apesar do tempo horrível, uma visita que valeu bem a pena.

Contactos
Freixial de Cima
2580-404 Ventosa Alenquer
Tel: (+351) 263 766 060
Fax (+351) 263 766 069
Email: geral@quintadomontedoiro.com
Site: www.quintadomontedoiro.com

Cume aqui!

Texto Ilkka Sirén | Tradução Teresa Calisto

Posso dizer desde já que não sou grande cozinheiro. Quer dizer, eu gosto de cozinhar, mas não o faço muito bem. Em casa cozinho todos os dias. Mas nem sempre foi o caso. Não há muitos anos atrás, mal sabia aquecer água. Foi só depois de ter o meu primeiro filho, que realmente comecei a fazer comidas diferentes, para além das pipocas.

No início não gostava muito. Era preguiçoso. Mas pouco a pouco, peguei-lhe o jeito e hoje em dia adoro cozinhar. Na realidade, sou capaz de gostar mais de fazer comida do que de a comer. Bom, digamos que está nos 50/50. Para mim, cozinhar é bastante terapêutico. Gosto de levar o meu tempo a preparar a comida, ouvir algumas músicas e, claro, beber vinho. Tenho reparado que é quase impossível fazer comida sem vinho. Tenho tentado e falhado várias vezes.

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Vai uma coxa de frango? – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Desta vez decidi fazer o estufado de galinha “pollo alla cacciatora”. Fui buscar a ideia ao Jamie Oliver, nem mais nem menos. Sempre que vou a Portugal, ouço as pessoas a dizer que me pareço com o Sr. Oliver. Pessoalmente, não vejo a semelhança, mas se sou parecido com ele, mais vale que cozinhe como ele, certo? A receita indicava que deixasse a galinha nadar em meia garrafa de vinho tinto. Eu tenho uma regra pessoal: se a galinha tem direito a vinho, eu também tenho. Portanto, meia garrafa para a Signora Pollo e meia garrafa para o Chef. Adicione um bocadinho de sal, pimenta preta, folhas de louro, alho, tomates cherry esmagados, umas anchovas para dar ao molho aquele travo salgado, azeitonas, uns raminhos de alecrim e, abracadabra, para dentro do forno.

Enquanto a galinha estufava, era altura de marinar o Chef. Tarefa para um vinho do Douro. Tinha umas garrafas de Quinta do Cume que queria provar. Os vinhos vêm de uma pequena vila chamada Provezende, localizada na margem norte do rio Douro e a cerca de 600 metros de altitude. Um sítiozinho lindo, com uma padaria que faz pão de se ficar de queixo caído. Os vinhos do Cume eram no entanto, completamente novos para mim e estava ansioso por os experimentar.

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Quinta do Cume Reserva Branco 2011 – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Quinta do Cume Reserva Branco 2011
Este vinho é composto sobretudo de Malvasia Fina, mas provavelmente terá também um toque de Rabigato e Viosinho. 30% do vinho esteve em barris de carvalho Francês durante apenas 3 meses. Consegue detectar-se algum picante do carvalho, mas no geral acho que estava bem integrado com o vinho. É tão fácil acabar por ficar com vinhos com excesso de carvalho, que fico muito satisfeito que o enólogo Jean-Hugues Gros tenha sido bastante subtil. Para além disso, o vinho tem fruta deliciosa, aquele toque clássico e tropical da manga, com alguma mineralidade sexy, que encontro com frequência nos brancos do Douro. Ligeiramente viscoso e com boa acidez para o apoiar. Impressionante.

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Quinta do Cume Reserva Tinto 2010 – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Quinta do Cume Reserva Tinto 2010
Quando o estufado de galinha ficou pronto, estava na altura do tinto. Um blend de Touriga Franca, Touriga Nacional e Tinta Roriz combinariam bem com uma comida substancial. Cheirar o vinho foi como se tivesse sido atingido com um soco, mas em vez de um verdadeiro punho, a mão seria feita inteiramente de bagas. BOOOM, olhos negros de mirtilos. Um cheiro intenso com alguns aromas de carvalho torrado a aparecer. Boa textura, taninos duradouros e alguns aromas formidáveis de amoras. Precisa decididamente de ser acompanhado por comida, a não ser que goste de levar uma tareia de uma garrafa de 75cl de sumo de uvas fermentadas. Bom.

Contactos
Quinta do Cume
5060-261 Provezende
Portugal
Tel: (+351) 91 445 7550
Email: quintadocume@netcabo.pt
Site: www.quintadocume.pt

Tons de Outono

Texto Ilkka Sirén | Tradução Teresa Calisto

Se há uma coisa que sei, uma coisa da qual tenho a certeza absoluta, é que o Inverno na Finlândia é inevitável. Enquanto estação, não é das minhas preferidas. Não por causa da neve, que por vezes pode chegar até à cintura. Nem mesmo do frio, que pode atingir os 40ºC negativos em algumas partes da Finlândia. É a escuridão que me afecta verdadeiramente.

Mas do Outono, gosto. De certa forma, até gosto mais do que do Verão. A natureza na Finlândia é para além de linda quando as cores do Outono começam a aparecer. Há algo de verdadeiramente mágico nesta estação. Dias solarengos e frescos, folhas no chão, longos passeios na floresta… aah, que bom!

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A preparar a sauna – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Os sons crepitantes de uma sauna aquecida a lenha, são possivelmente os sons mais relaxantes deste planeta e é algo que associo às noites escuras de Outono. Há também algo no Outono que faz com que eu sinta uma sede fora do normal de bom vinho. Não que precise de muitas razões para beber vinho, mas a atmosfera lareira-aconchegante-hey-vamo-nos-enroscar do Outono, faz com que realmente se queira beber vinho como se não houvesse amanhã.

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Terras do Demo (A Garrafa e o Cais) – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Uma escapadela rápida para o campo depois de uma viagem de trabalho intensiva, é o que veio mesmo a calhar. Fui buscar um amigo meu ao aeroporto de Helsínquia numa noite, já tarde, e, enquanto conduzíamos pelo denso nevoeiro, a garrafa que eu tinha deixado no chão do carro, começou a chamar a atenção dos viajantes sedentos. O meu amigo estendeu a mão para a garrafa, que se revelou ser um vinho espumante rosé da região Távora-Varosa. Esta peculiar região de vinho montanhosa, partilha fronteira com o Douro a norte e o Dão a sul. É bastante remota e a maioria das vinhas crescem entre 500 a 800 metros acima do nível do mar.

Enfim, a garrafa que estava no chão do carro ficou meio vazia antes de chegarmos ao nosso destino, mas quando finalmente chegámos e nos instalámos, tive oportunidade de a provar antes que desaparecesse.

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Terras do Demo – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Terras do Demo Touriga Nacional Rosé Bruto 2012
Algumas bolhas de rosé são bastante delicadas e frescas, outras são mais substanciais, com mais carne à volta do osso. Este vinho está precisamente no meio desses dois estilos. À primeira vista, pôs-me a pensar “Não é exactamente champanhe, pois não?”. Ignorante, eu sei, mas no ponto. Depois de algum tempo, este revelou-se um vinho espumante muito decente, com um bom benefício para o seu custo. A garrafa promete demasiado, sem dúvida. Quer dizer, é uma garrafa lindíssima: o colar exsuda prestígio e tal, vestida para impressionar. Mas o líquido no interior é mais terra a terra. Uma boca agradável e cremosa, com um saboroso e ácido final de arando. Sentado ao fundo do cais, a ver o pôr-do-sol, este vinho pode ser um delicioso e inesperado prazer, desta curiosa “DOCsinha”.

Contacts
Moimenta da Beira
Sernancelhe
Vila Nova de Paiva
Sátão
Site: www.terrasdodemo.pt

Quinta de Santiago encontra o Lagostim

Texto Ilkka Sirén | Tradução Teresa Calisto

Nós, os Finlandeses somos conhecidos por termos tradições esquisitas. Inventamos e recebemos anualmente o campeonato mundial de Transporte da Esposa e matança do mosquito. Temos competições de lançamento de botas de borracha e telefones Nokia. Celebramos o Verão desaparecendo para o campo e bebendo entre nós. No 1º de Maio bebemos imenso hidromel caseiro sem álcool. Claro que fomos nós que inventámos a sauna, que usamos semanalmente. Até tivemos Campeonatos Mundiais de Sauna para ver quem consegue estar mais tempo sentado numa sauna cada vez mais quente, mas depois houve pessoas que morreram e tivemos que parar. Também inventámos o Pai Natal. Quer dizer, não inventamos nada, ele é real. Acabei de o ver há uns meses atrás.

No Inverno vamos nadar no lago ou no mar, fazendo um grande buraco no gelo. Nós, os Finlandeses, bebemos a maior quantidade de café do Mundo e somos muito bons no hóquei no gelo. Ainda não somos grandes bebedores de vinho, mas de cerveja gostamos. A Finlândia é chamada a terra dos mil lagos mas na realidade temos perto de 200 000 lagos. No final de Agosto, muitas pessoas fazem jantares festivos de lagostim, onde simplesmente se comem lagostim e apanham bebedeiras. Esta é a história de uma dessas noites.

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Ilkka Sirén em bebé (1986) – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Como pode ver pela foto acima, eu compareci à minha primeira festa do lagostim quando tinha apenas três semanas. A tradição dos jantares festivos de lagostim está profundamente enraizada na minoria Sueca da Finlândia, mas hoje em dia é celebrada por todos. A época de pesca do lagostim começa na Finlândia todos os anos, no dia 21 de Julho ao meio dia, mas normalmente, as pessoas começam a comê-los no final de Agosto quando as noites escurecem. Habitualmente, a noite começa como qualquer outra noite na Finlândia, com o aquecimento da sauna. Eu estava encarregue disso e, enquanto a sauna aquecia, preparamos os lagostins na cozinha. Os lagostins são como mini lagostas de água doce, bombardeadas com endro. Normalmente comem-se apenas com pão branco. Mas o verdadeiro truque é aprender a comê-los correctamente sem cortar os pulsos com a faca especial de lagostins. Acredite em mim, torna-se um bocadinho difícil depois de uns shots de akvavit.

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Prato de Lagostins – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Portanto, depois de umas horas de relaxamento na sauna e de nadar no lago, estava na altura de começar a jantar. Começamos por servir akvavit a toda a gente, uma bebida picante da Noruega. Depois começa a cantoria. Cantamos a canção Sueca bem conhecida chamada Helan går. Quer dizer “tudo ao mesmo tempo” e diz, literalmente que se não beber o shot de golada, não vai ter nem mais meio copo. Portanto nós cantamos, nós bebemos e nós servimos mais um copo. Depois começamos a comer. A minha mulher traz a sua deliciosamente cremosa sopa de cogumelo e eu pego numa garrafa de Quinta de Santiago Alvarinho Reserva “Segredo da Avó” 2013 de Monção e Melgaço. Normalmente não começo logo com o reserva, mas achei que a sopa rica e cremosa precisava de algo um pouco mais robusto. O vinho teve algum contacto com a pele e um toque de estágio em carvalho. Combinou lindamente com a sopa de cogumelos. A acidez fresca equilibrou muito bem a textura encorpada da sopa, trazendo também aromas cítricos agradáveis e especiarias suaves à mistura. Sozinho parecia um pouco estranho e jovem, que era, mas com a comida floresceu.

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A abrir um lagostim utilizando uma faca – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Depois servimos mais uma rodada de akvavit e a cantoria continuou. Esta pode não ser a melhor maneira de garantir que se detectam todas as nuances no vinho, mas é tão divertido. De seguida veio o prato principal, la écrevisse, o lagostim. A minha sogra traz dois grandes pratos cheios destes sujeitinhos, o que me inspira a cantar outra canção. E sim, mais um shot de akvavit. Cambaleio até à cozinha, pego numa garrafa de Quinta de Santiago Alvarinho 2012 (o irmão mais novo do vinho anterior) e volto para a mesa. Entretanto, o meu sogro serviu mais uma rodada de shots e bota abaixo. Por esta altura, as cascas de lagostim voam por todo o lado, sorveres ruidosos ecoam na sala, risos ruidosos e mais cantoria. A atmosfera é desordeira mas toda a gente está feliz. Eu sirvo o Alvarinho enquanto tento não ser esfaqueado pela faca do lagostim. O reserva foi uma combinação sólida com a comida, muito bom. Mas este Alvarinho jovem com os pequenos diabos vermelhos, foi algo de soberbo. Os lagostins estão cheios de água de endro salgada que combinou espantosamente bem com o carácter fresco, aveludado do Alvarinho e o toque salgado no final. Não conhecia bem este produtor, mas este vinho interessou-me definitivamente e estou ansioso por provar mais dos seus vinhos no futuro.

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Quinta de Santiago – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Depois de devorarmos os lagostins era hora da sobremesa. Lembro-me de haver vinho do porto e talvez uma ou duas canções. Quando tudo acabou já passava da meia-noite, estava na altura para o segundo round na sauna. Nada como uma sessão de sauna fumegante a 90°C como digestivo. As risadas, cantoria, bebidas e todo o tipo de conduta desordeira continuaram até ao raiar da madrugada. Foi um característico bacanal Finlandês. Felizmente só o fazemos uma vez por ano.

Contactos
Quinta de Santiago
Rua D. Fernando nº 128
Cortes, Monção
4950-276 Mazedo
Telemóvel: 917557883
email: wines@quintadesantiago.pt

Dominó de Vítor Claro

Texto Ilkka Sirén | Tradução Teresa Calisto

Quando as pessoas falam de vinhos “food friendly”, sempre achei que se trata de uma das mais incorrectas descrições de vinho que por aí andam, da mesma forma que terroir ou mineralidade. “Este é sem dúvida um vinho food friendly”. Ai sim? Que tipo de comida? É um bocado vago, não acha? Há vinhos que não sejam food friendly? Vinhos que, pura e simplesmente, não vão com nada? Eu sei que há vinhos que não precisam de ser acompanhados por comida para serem bastante agradáveis, mas nunca provei um vinho que não combine com nenhum tipo de comida. Também nunca conheci um produtor de vinhos que não faça vinhos food friendly, na sua opinião. Ainda assim, a expressão food friendly é muitas vezes usada pelos escritores de vinho e outros profissionais da área para descrever um determinado estilo de vinho. A razão pela qual sei isto, é que também eu o faço imensas vezes. É uma maneira preguiçosa de dizer que o vinho é bom.

Há com certeza vinhos, que precisam mesmo de comida para mostrar o seu melhor. Alguns vinhos conseguem ser bastante ásperos e de abordagem difícil, se não tivermos alguma comida que os acompanhe. As pessoas estão habituadas a vinhos que podem ser abertos um minuto depois de serem comprados, mas tradicionalmente, os vinhos que devem envelhecer, especialmente os tintos, têm uma estrutura que pode ser desagradável para a maioria daqueles que os prova. Não são necessariamente vinhos grandes e encorpados, mas antes bastante tânicos, com elevada acidez e são estas duas qualidades que as pessoas normalmente associam a vinhos que vão bem com comida.

Dito isto, há algo de mágico, algo que é impossível de medir, quando combinamos comida excelente com vinho excelente e eles se complementam perfeitamente.

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Copo de Vinho – Foto de Ilkka Sirén | Todos os direitos reservados

Entra aqui Vitor Claro, restauranteur, Chef, produtor de vinhos. Este gastronauta Português gere o seu próprio restaurante “Claro!” em Paço de Arcos, perto de Lisboa. Trabalhou em restaurantes por todo o Portugal e Londres, mas em 2012 abriu o seu próprio espaço. Pelos vistos, apanhou o bichinho do vinho de Dirk Niepoort que é algo que acontece frequentemente com o Dirk. Passaram-se alguns anos a visitar produções de vinhos e a provar imenso vinho.

Começou então a surgir a ideia de fazer o seu próprio vinho. Encontrou duas parcelas de vinhas na região de Portalegre, Alentejo. Agora quando digo Alentejo, esqueçam. Porque estes não são os típicos vinhos Alentejanos. Este projecto relativamente novo é pequeno, apenas 800 garrafas de cada vez. É tão pequeno na realidade, que haverá quem se pergunte para quê o trabalho. No fim muito poucos serão os que terão a oportunidade de provar estes vinhos. Não por serem demasiado caros, mas por ser uma quantidade muito limitada. Tenho a certeza que a ideia não terá sido criar vinhos de sucesso massificado, mas fazer algo diferente que mostre a tipicidade da região, que não é muito bem conhecida, mesmo dentro de Portugal. Não obstante é uma prova. Uma prova da inegável qualidade a nível mundial dos vinhos Portugueses.

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Vítor Claro – Foto de Ilkka Sirén | Todos os direitos reservados

Dominó Monte das Pratas 2011
Este vinho é feito de castas como Alicante Branco, Moscatel Nunes, Fernão Pires, Dorinto, Tamarez, Síria, Pérola e um monte de outras. Vinhas velhas com uma média de idades de 70 anos, localizadas 800 metros acima do nível do mar. 10 meses em barris de carvalho usados.

Um nariz muito único. Aromas de funcho e maçã verde com um agradável toque floral, provavelmente do Moscatel. Não tão aromático no paladar mas muita estrutura. Acidez igual a lamber uma vedação eléctrica. Muito bom. 

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Dominó – Foto de Ilkka Sirén | Todos os direitos reservados

Dominó Salão do Frio 2011
Blend tinto das castas Alicante Bouschet, Tinta Francesa, Moreto, Castelão, Trincadeira e outras. A idade média da vinha é de 50 anos, também localizada 800 metros acima do nível do mar. 20% sem desengace. 15 meses em barris usados.

Início forte em especiarias: imagine snifar uma linha de pimenta preta. Um fim aveludado de alcaçuz. Austero, aperto dos taninos, um exterior rude mas ainda delicado com alguma boa fruta de fundo. Desde o início que é óbvio que este vinho é demasiado jovem. Devia ter um sinal no gargalo da garrafa a dizer “beba-me mais tarde!” Este vinho não tenta agradar a todos. Em vez disso, detém uma surpresa para aqueles que tenham a paciência para esperar. Um dos vinhos tintos mais excitantes em Portugal no momento. Estelar.

Contactos
Av. Marginal, Curva dos Pinheiros, Hotel Solar Palmeiras
2780-749 Paço de Arcos
Telefone: 214 414 231
Site: www.restauranteclaro.com

Breves momentos com a Casa da Passarella

Texto Ilkka Sirén | Tradução Patrícia Leite

Eu gosto de vinho. Eu gosto de comida. Eu gosto de estar com boa gente. Gosto particularmente de todas estas coisas juntas. Sempre que possível, tento rodear-me de pessoas com quem gosto de passar uns bons momentos, a maioria das quais partilha o meu entusiasmo por tudo o que seja apetitoso. Nunca tive problemas em apreciar um ou dois copos sozinho, mas o vinho, como a comida, é uma coisa que é realmente melhor quando partilhado.

Acho que essa é uma das principais razões pelas quais eu adoro Portugal. Não é preciso muito para convencer um Português a desfrutar de um copo de vinho connosco, a partilhar um pouco de comida, a partilhar um breve momento nesta nossa vida errática. Por muito lamechas que soe, a vida é uma compilação desses breves momentos. Portanto, dentro deste espírito, eu convidei alguns amigos para provar uns vinhos da região do Dão.

Casa da Passarella é uma propriedade que tem uma daquelas histórias tipo “adega arruinada salva por milionário”. A propriedade data de 1892 e era um projecto muito ambicioso de um senhor chamado Amand d’Oliveira. Plantaram 200 hectares de vinhas, que imagino tenha sido uma tarefa árdua naquela altura. Algumas dessas vinhas ainda existem. Mas como acontece com tantas outras propriedades, tudo acabou em ruinas. Pelo menos até 2007, quando a propriedade foi adquirida por Ricardo Cabral. Uns anos e uns milhões de euros depois, bada-bing-bada-boom, a Casa da Passarella começa a dar cartas novamente.

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Copo de Vinho – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Portanto, os meus amigos vieram cá a casa e eu abri uma garrafa de Casa da Passarella O Enólogo Encruzado 2012. O vinho começou tímido, mas passado um bocado começou a abrir. A maior parte dos encruzados que vejo aqui na Finlândia são muito relaxados e normalmente, bastante maduros mostrando toneladas de frutas tropicais. Podem ser bastante agradáveis, mas não é o estilo que normalmente escolho. Contrariamente, este vinho era menos frutado e mais contido, mostrando agradáveis citrinos e aromas de ervas verdes com um final longo, de deixar água na boca. Eu desafiei um bocado o vinho, ao emparelhá-lo com uma salsicha txistorra picante. Foi pura e simplesmente pecaminoso, e por pecaminoso quero dizer, pecaminosamente delicioso. A ligeira viscosidade do encruzado funcionou bem com as especiarias e a acidez cortou a gordura da salsicha, tornando a combinação deliciosa.

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Salsicha Chistorra & Casa da Passarella O Enólogo Encruzado 2012 – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Depois veio a altura do tinto. Provamos o O Oenólogo Vinhas Velhas 2010 tinto, um vinho feito de vinhas velhas com uma mistura de castas locais como Baga, Alvarelhão, Tinta Pinheira, Jaen, Tinta Carvalha etc. O nariz era especiado com boa fruta vermelha. O que eu gosto nestes vinhos do Dão que vêm de perto da Serra da Estrela é que são tendencialmente frescos. É sem dúvida uma região mais fresca, o que se consegue provar nos vinhos. Este vinho tinha uma boa estrutura, cheio de corpo e equilíbrio. Estava à espera de algo mais “rústico” mas, pelo contrário, revelou-se bastante polido. Cheio de corpo, taninos suaves, gosto persistente. Muito bebível agora mas dentro de 5 a 10 anos pode transformar-se num verdadeiro sedutor de deixar cair o queixo.

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Casa da Passarella O Oenólogo Vinhas Velhas 2010 Tinto – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Portanto, ali estávamos nós. A beber, a comer, a rir enquanto víamos o sol a pôr-se em Helsínquia. Só foi preciso um pouco de vinho, um bocadinho de comida e alguns amigos para me fazer, durante aquele breve momento, verdadeiramente feliz.

Contactos
Casa da Passarella
Rua Santo Amaro, 3, Passarella
6290-093 Lagarinhos
Telefone: 00 351 238 486 312
Email: info@casadapassarella.pt
Site: www.casadapassarella.pt

António Madeira, A Estrela em Ascensão do Dão Serrano

Texto Ilkka Sirén | Tradução Teresa Calisto

Estive recentemente num encontro de um grupo de wine bloggers Finlandeses. De vez em quando, este grupo de geeks sedentos encontra-se para provar alguns vinhos, normalmente “às cegas”, e comer boa comida. E já me conhecem, não é preciso muito para me convencer a comer e a beber.

Inicialmente era suposto fazermos um picnic ao ar livre, mas o tempo não esteve do nosso lado, por isso refugiamo-nos numa adega, localizada na baixa de Helsínquia. Toda a gente trouxe algumas garrafas e servimo-las “às cegas”, uns aos outros. A noite teve um começo dramático quando um dos bloggers deixou cair ao chão, uma garrafa de champagne Pommery NV dos anos 70, que se partiu juntamente com uma garrafa de Blanc de Noir, um vinho branco tranquilo de já-não-me-recordo-de-onde. Passados 15 minutos a praguejar e a desdenhar silenciosamente, continuamos com a prova. Na realidade, os rapazes conseguiram salvar parte do champagne antigo e vertê-lo em alguns copos de vinho, usando um filtro de café. Estava altamente oxidado e já tinha passado o seu auge há bastante tempo, mas ainda era bastante interessante para aqueles que gostamos de, ocasionalmente nos entregar à necrofilia viníca.

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Copo de Vinho – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Havia todo o tipo de vinhos a ser servidos, do neozelandês Grüner Veltliner ao Pinot Noir Catalão. Um dos vinhos que eu trouxe, foi um António Madeira Dão Vinhas Velhas 2011. Esta foi muito provavelmente, a primeira vez que foi provado na Finlândia e eu estava curioso por ouvir o que as pessoas pensavam do vinho.

António Madeira é um tipo francês mas que tem as suas raízes em Portugal. Começou a procurar uma vinha na região de vinho do Dão em 2010 e encontrou um vinhedo de 50 anos, que tinha sido negligenciado, no sopé da Serra da Estrela. António assumiu a tarefa de a recuperar e em 2011 produziu o seu primeiro vinho desta vinha. Eu tinha visto algumas fotografias deste lugar, que parece uma mini versão de Mendoza com a Serra nevada de fundo. Não tão grande nem dramática como os Andes, mas ainda assim muito bonita.

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Queijo – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

Quando o servi aos meus amigos wine geeks na prova cega, eles tiveram muita dificuldade em localizar com precisão a sua origem. Não porque não tivesse um carácter distintivo, mas apenas porque os vinhos do Dão são quase completamente desconhecidos na Finlândia. Uma situação que espero que mude no futuro. A hipótese mais próxima foi a Galícia. Depois de cheirar e de provar, ou melhor, depois de o beber, a opinião geral parecia muito positiva. As pessoas reconheceram que ainda era um vinho muito jovem, mas que tinha sem dúvida potencial para envelhecer bem.

Então, o que achei do vinho? Eu já o tinha provado uma vez no evento Simplesmente Vinho, no Porto. Lembro-me de ter provado muitos vinhos nesse dia. Nestes eventos vínicos, mesmo um bom vinho, pode escapar ao nosso radar. Fiquei feliz pela oportunidade de o provar outra vez. O que me surpreendeu neste vinho foi o facto de António, que é um rapaz novo, não ter exagerado. Poderá questionar-se “porque é que isso é tão surpreendente?” mas, da minha experiência, muitas vezes quando estes jovens ases fazem o seu primeiro vinho, têm tendência a produzir vinhos para impressionar os outros ou para provar um ponto de vista. Demasiada extracção, demasiado carvalho, demasiado “natural” ou qualquer outra aldrabice. Deve manter-se o ego fora da equação e deixar que as vinhas falem por elas próprias e, neste caso, parece que António fez precisamente isso. Algo me diz que ainda vamos ouvir falar muito sobre os vinhos Dão Serrano no futuro.

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António Madeira Dão Vinhas Velhas 2011 – Foto de Ilkka Sirén | Todos os Direitos Reservados

António Madeira Dão Vinhas Velhas 2011

Esta velha vinha tem uma mistura de castas tradicionais Portuguesas como Tinta Pinheira e Negro Mouro. O vinho tem um toque muito clássico. Fruta vermelha viva com o aroma a pinheiro verde que encontro com frequência nos vinhos do Dão. Boa estrutura e frescura que lhe dá uma boa apetência a ser bebido, já nesta idade. O que poderá explicar por que motivo a garrafa se esvaziou tão rapidamente. Um vinho bem equilibrado que nos faz questionar por que motivo os vinhos do Dão não são conhecidos mundialmente. Bom, que seja ouvido! Estes vinhos conseguem conquistar as mentes e os corações de qualquer entusiasta vinícola de Tóquio ao Rancho Cucamonga.

Contactos
António Madeira
Tel: + 33 680633420
Email: ajbmadeira@gmail.com
blog “A palheira do Ti Zé Bicadas”
vinhotibicadas.blogspot.fr